“O cururu está em extinção, por falta de incentivo do poder público e até da nova geração, não por culpa deles, mas de falta de divulgação. Como eles vão valorizar o que não conhecem? Acontece que aqueles que sabiam da tradição do cururu morreram todos e não deixaram herdeiros”. (Abel Bueno, em “A Província de Piracicaba”, 2009).
Sopravam aos ventos que o cururu estava moribundo. Velhos mestres choravam pelos cantos a falta de apoio e o pouco interesse dos jovens em aprender a nobre arte de improvisar nascida na raiz da terra do chamado médio Tietê. Tatuí, Pardinho, Piracicaba, Botucatu, Iperó, Itapetininga e outras cidades da região vêm agora ouvindo com mais carinho o vozeirão dos menestréis que têm arrebatado a cada ano mais e mais admiradores, além de fazer chamariz para a arte do improviso cantado.
Em 2009, nasceu o Torneio Estadual de Cururu, pelas mãos do Conservatório de Tatuí. Porém, antes de tudo, é preciso separar nossos improvisos de outros improvisos. E digo logo: os repentistas nordestinos têm seu gênero próprio, bem diferente do paulista, e vêm dos trovadores medievais. No Nordeste há uma viola, às vezes também uma rabeca (ou somente ela), ou um pandeiro (e tão somente ele, na “embolada”). A cantoria se desenrola após alguma preparação instrumental. Depois dessa introdução, o som para e surge a voz para contar causos, estórias acontecidas ou inventadas. Não se pode dizer que por usar apenas um acorde e melodias menos delineadas o repente lá de cima seja mais pobre que o de cá: cada qual em seu lugar, cada um com seu valor. O canto falado, ou a palavra cantada, está na Idade Média, na música do período clássico (o Singspiel alemão da ópera “A Flauta Mágica”, de Mozart), no Sprechstimme do “Pierrô Lunar”, de Schönberg, séculos (no caso de Mozart) ou décadas (o Pierrô, 1912) antes do rap (Rythm And Poetry), que não foi novidade alguma quando chegou em nossos subúrbios e favelas, vindo dos EUA. Apesar de um brasileiro aqui e outro serem arvorados erroneamente como precursores do gênero (como Jair Rodrigues ou Kid Morengueira, com seu samba de breque), ufanismo à parte, o fio da meada vem lá de trás.
Cururu surgiu de cruz, “cururuz”, como diziam os indígenas catequizados pelos jesuítas na região do médio Tietê, onde a influência religiosa e musical da matriz portuguesa foi enorme. Daí a riqueza, com até três acordes, e melodias sem letra pré-definidas pelo primeiro canto de cada rodada, chamado “baixão”. É depois que começa a ficar enrolado: as “carreiras”, ou rimas, são pré-estabelecidas por sorteio – e se algumas são mais fáceis, como a carreira “do A” (valem tanto substantivos como sinhá e gambá como verbos terminados em “ar”, resultando em “casá”, “arrumá”, “vortá”). Outras carreiras, como a “do Sagrado”, de “ado”, não têm tantas possibilidades, mas existem ainda as mais difíceis, como a de Santa Inês: fez, vez, rês… (vá tentando prosseguir você, leitor!).
Qualquer assunto é assunto e proseio para cururueiro bom desatar: briga de vizinho, rixa entre cidades ou loas às próprias origens dos cantadores. Ah, e a política, tempero sempre presente e novidadeiro, ainda mais se alguma autoridade estiver por perto! (Não foi à toa que Getúlio Vargas oficializou a figura do “músico prático”, cantador e repentista, gente que ele adorava usar em suas campanhas nas rádios e andanças políticas, já que não havia TV a invadir com o tal horário político as casas dos brasileiros. Bordões políticos de Getúlio conclamavam os “trabalhadores do Brasil”, como dizia, e para os repentistas se aproveitarem em suas cantorias: “Getúlio, Getúlio, Getúlio e João Pessoa!” (chapa candidata a presidência com Getúlio na cabeça e o paraibano Pessoa na vice, dupla que perdeu para o itapetiningano Júlio Prestes. Prestes foi impedido de tomar posse pela Revolução de 1930, liderada por Vargas, que já tinha derrubado Washington Luís).
Pois naquele outubro de 2009, o cururu surgiu no palco da concha acústica Spartaco Rossi em grande estilo, no primeiro Torneio Estadual, em Tatuí, com a presença de Geraldo Alckmin, então secretário de Estado do Desenvolvimento. No mesmo palco, a praça lotada, dois grandes atos foram assinados com o secretário: os acordos entre o Conservatório e outras entidades, que resultaram no curso técnico superior em produção fonográfica, da Fatec, e o curso técnico em música, parceria com a Etec “Salles Gomes”, este último certificando formandos do Conservatório que tenham cursado as disciplinas exigidas pela instituição parceira. Foi assim, colorindo com acordes um grande acordo, que nasceu a primeira disputa do torneio.
Os anos se passaram, e o cururu volta com ainda mais força, nesta quinta edição de 2013. Mudadas algumas regras, aperfeiçoado o modelo, a primeira eliminatória se dá no dia 15, sexta, às 16h, sob a bandeira do feriado republicano, tendo participação das duplas Zé Pinto e Zacarias, Paulo Galera e Cascavel, João Zarias e Lino Jacinto, Zé Antonio e Manesinho. Neste sábado, dia 16, disputam Zé Neves e Celsinho Cururueiro, Izac e Eliarquim, Buenão e Esmeraldinho, Dito Moraes e Valdir Boiadeiro. Domingo, 17, às 14h, o imperdível encerramento na grande final, a ser disputada entre os vencedores de cada eliminatória. Todas as fases acontecem no pátio do Conservatório, uma experiência de sucesso desde 2012, após tentativas em outros espaços. Entrada franca e traje “a rigor”: muito bem à vontade, valendo bermuda, chapéu de palha ou tiara e chinelo ou botina.