Em paralelo à escalada do autoritarismo no país, a valorização da cultura em geral – não por acaso, portanto – toma sentido inverso e segue ladeira da ignorância abaixo.
Ataques aos programas de incentivo, por exemplo – como se fossem sinônimos de dinheiro jogado fora –, avolumam-se, denotando certo êxtase vingativo contra suposta intelectualidade por parte daqueles que nunca tiveram curiosidade de entrar em um teatro, ler um livro, ouvir algo diverso de música simplória ou mesmo de acompanhar um filme no cinema…
Lamentavelmente, como está se tornando comum, a falta de respeito é a primeira expressão diante daquilo que não interessa ao indivíduo, que lhe é distante, que lhe “parece” desnecessário.
Isto somado ao fato de que – em qualquer época e lugar do mundo – a informação correta e a cultura atrapalham a imposição forçada de ideias e posturas antidemocráticas, chega-se à situação deveras preocupante por que passa o Brasil.
Por este motivo, toda iniciativa em favor da cultura precisa ser (muito!) apoiada. De certa forma, precisa ser entendida não como gasto sem sentido, mas como investimento em um futuro menos caótico – menos “tóxico”, usando termo da moda.
Invariavelmente, a cultura instiga tanto o raciocínio crítico – afastando o indivíduo da condição de mero integrante de manada acéfala – quanto a sensibilidade para com o respeito às “diferenças”, sejam de convicções, raças, “gêneros” sexuais, religiosidades…
A cultura, por consequência e em última instância, é instrumento de sobrevivência, pelo menos no sentido da cidadania, da harmonia, do bem-estar social, do respeito aos direitos individuais, às liberdades religiosas, de expressão e informação.
Claro, há situações muito peculiares em que a ignorância generalizada permite o ataque literal à sobrevivência das pessoas, como no nazismo de Hitler, cuja agressão máxima à cultura é marcada justamente por uma queima nacional de livros em praças públicas, em 10 de maio de 1933.
Dos livros, como todos sabem, as labaredas de “purificação” acabaram direcionadas aos “diferentes”: deficientes físicos, imigrantes indesejados, mestiços e, claro, judeus.
A cultura é arma contra a injustiça e a desumanidade. Embora empunhada de maneira pacífica, tem poder para ferir preconceitos, despotismos, sectarismos… Daí ser tão perseguida pelas políticas antidemocráticas.
Logo, uma conferência sobre cultura, como a ocorrida em Tatuí na semana passada, é motivo para otimismo e reconhecimento. Nela, inclusive, esteve presente o secretário estadual da área, Romildo Campello.
Ele ministrou palestra sobre empreendedorismo cultural no evento, promovido pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude, juntamente com o Conselho Municipal de Políticas Culturais.
Realizado no teatro do Centro de Artes e Esportes Unificados “Fotógrafo Victor Hugo da Costa Pires”, o CEU das Artes, o debate tinha objetivo de estabelecer diretrizes da política cultural, informando sobre empreendedorismo e ações para 2019.
Com esse propósito, não cabia ao evento se aprofundar nas questões fundamentais da cultura como sustentáculo da democracia, senão buscar formular ações práticas e instruir artistas, particularmente sobre a produção por meio de incentivos.
Além disso, contudo, Campello destacou outro aspecto, o de que “a cultura pode e deve ser reconhecida como uma opção de desenvolvimento econômico dos municípios”.
De acordo com o secretário, “cultura é uma forma de gerar riqueza, devendo ser elevada a um padrão de importância semelhante ao da agricultura e da indústria”.
Campello lembrou que a cultura gera 8% da riqueza mundial e, aproximadamente, 6% do PIB no Brasil, sendo responsável por 1,5 milhão de empregos diretos, cerca de 750 mil serviços indiretos e R$ 2,5 milhões de impostos arrecadados.
Finalmente, tratando sobre o brasão de Tatuí, apontando os ramos de café frutificado, à direita, e de algodão, à esquerda, além da roda dentada no centro inferior, Campello sugeriu uma renovação no ícone local.
Originalmente, os ramos de café e algodão recordam as duas principais culturas do município, e a roda dentada, as indústrias.
No entanto, o secretário estadual argumentou que, no passado, a riqueza do município era a agricultura e, no “futuro”, seria a indústria. Segundo ele, naquele momento, via-se na indústria o único “construtor” de futuro e a grande esperança de geração de emprego e renda.
Campello propôs, então, a atualização do brasão, retirando-se a engrenagem, a ser substituída por uma clave de sol ou uma outra nota musical.
“A nova riqueza de Tatuí ainda não está representada no seu brasão, que é a música e a cultura”, declarou o secretário.
“É uma nova onda de desenvolvimento da cidade, sem perder a agricultura, sem perder o que há de indústria e comércio, mas uma nova era, que precisa ser visualizada e entendida para ser materializada”, complementou.
De acordo com Campello, Tatuí possui todos os componentes “na mão” para ter estimulado o desenvolvimento econômico. Segundo o secretário, “não há fronteiras, pois é um produto que pode ser vendido internacionalmente e Tatuí receber pessoas do mundo inteiro”.
Sem dúvida, o investimento no potencial da cidade por meio da cultura musical, a ser revertida em benefício do turismo, já é patente, absolutamente irrefutável.
Apenas, não parece ser de mesmo porte incontestável a mudança no brasão, tanto pelas razões históricas que lhe deram fundamento quanto pelo suposto vigor da medida.
De resto, basta lembrar que, se o país carece tanto de desenvolvimento e harmonia, a cultura deve ser posta, sim, em primeiro plano, até por situar-se no antônimo da involução, da intransigência e da ignorância. Que Tatuí dê sua contribuição para tanto.