Contra o engajamento virtual da idiotice real

As redes sociais servem realmente para muitas coisas, embora não necessariamente todas positivas, sendo as mais danosas a utilização como ferramentas para fake news e (quase consequentemente) para o incentivo aos chamados discursos de ódio.

Normal. E pouco ou quase nada, ainda, pode-se fazer a respeito, salvo as punições legais a quem, intencionalmente ou não, acaba por prejudicar terceiros com suas atitudes online, sejam meras irresponsabilidades ou orquestradas campanhas de desinformação.

Daí seria fundamental o conhecimento de que falar o que se pensa, mesmo que besteira, é uma coisa, ao passo que mentir, caluniar, difamar e injuriar já se configura em outra situação.

A primeira, basicamente – graças à Constituição que muitos querem rasgar –, ainda que assentada na ignorância, é direito de todos. Já dizia o genial escritor italiano Humberto Eco há quase dez anos: “O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a detentor da verdade”.

Com isso, ele está a sustentar que o sujeito que, antes, precisava ficar bêbado em um boteco para perder a vergonha e, só depois, defender que a terra seria plana feito chapa de Eucatex, agora se sente forte e seguro em não apenas crer em fantasias conspiratórias, mas a dizê-las publicamente, pois “sente” ao lado dele infinitos outros ruminantes digitais.

Por sua vez, a segunda situação continua sendo crime, pura e simplesmente. Ou seja, a “sensação” de impunidade “reforçada” no ambiente digital (vez ser muito presente também no “mundo real”) só faz crescer os absurdos, a inconsequência, o fanatismo e os próprios crimes.

Não obstante, há leis contra (quase todos) os crimes – inclusive, os digitais -, mesmo que muitas mereçam mais respeito e efetividade. Certamente, neste contexto, o maior número de impunidades ainda ocorre a partir da internet.

A razão de isto acontecer também é diversa, com ênfase no fato de que boa parte da classe política atualmente eleita, sobretudo no Legislativo federal, não tem interesse em endurecer as punições contra as fake news, meramente porque delas tiraram proveito para se elegerem…

Ainda, porque não só as mentiras geram mais engajamento e, por conseguinte, lucro (“dinheiro”), mas, ainda, pelo fato de que as bizarrices, “barracos” com cadeiradas voadoras e afins, ganham muito mais alcance orgânico nas redes, podendo também servir a interesses políticos, senão outros francamente escusos.

Neste caso, é o tal do “causar” para ganhar compartilhamento, “likes” e comentários, embora não só por vaidade ou busca de lucro pela audiência, mas com o propósito de conquistar eleitores, por exemplo – neste momento, apelando-se aos instintos mais obscuros, incautos e brutais do ser humano.

Contra todo esse estrago civilizacional – até pela inação dos congressistas do oportunismo -, só mesmo mais e mais informação, correta e confiável.

E talvez aqui o maior problema: o indivíduo maduro, consciente, educado, com certeza não gosta de ser enganado, tampouco bate palmas quando testemunha um candidato aloprado em êxtase de agressividade, acusações falsas e provocações em debate. Mas, e os idiotas?…

O país parece ter chegado a um ponto em que seu destino não depende mais da competência, das intenções e do histórico real de seus candidatos a líderes, senão do volume de imbecis com direito a voto…

A observação nada tem a ver com essa mais que frágil ideia de esquerda e direita no Brasil, onde a imensa maioria da população, na verdade, não tem a mínima noção do que isso significa. Aqui, o que se observa é falta de atenção para com o exercício de apenas raciocinar…

Pensar em como seria, por exemplo, na prática do dia a dia, um prefeito que parece não saber nada além de xingar, espernear, fazer cena, acusar e outras tantas posturas típicas de “influencers do caos”, bem ao gosto da significativa porção do público acéfalo das redes sociais.

A situação é muito mais que lamentável: é um perigo justamente para o futuro do país e, por derradeiro, dos filhos dessa tal “família” de que tanto se fala…

Afinal, as crianças de hoje estariam mesmo mais seguras e afortunadas, no futuro, sob governos antidemocráticos e que apostam suas soluções em ofensas, mentira e porrada? Mesmo?…

Bom, na dúvida, ao menos que se saiba, desde já, que as idiotices de rede social são puníveis, sim. Portanto, alguns dados a seguir, além de observações de João Valença, advogado com atuação em direito penal do VLV Advogados.

O Brasil tem uma média de 127 processos por dia pelo crime de difamação. De acordo com dados do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), este primeiro semestre teve 23.031 novos casos.
Além disso, o número de processos na Justiça relacionados ao crime de difamação teve salto de 10,15% entre 2022 e 2023, passando de 39.110 para 43.081. E em média, no primeiro semestre de 2024, foram 127 novos processos todos os dias. Nesse período, o mais recente disponível, o montante acumulado chega a 23.031 casos e a tendência é de 2024 superar o ano anterior.
O estado de São Paulo teve, no primeiro semestre, uma média de 13 processos por dia e volume acumulado de 2.321 ações. Entre 2022 e 2023, houve alta de 5,55% nos registros, passando de 4.435 para 4.681.

O Rio de Janeiro foi o estado com o maior número de casos em 2023, com 4.777 processos, média de 13 por dia. Por uma pequena diferença, São Paulo ocupou o segundo lugar, com 4.681 casos e 13 processos diários.
Especialistas apontam que o crescimento relevante na quantidade de processos por difamação no Brasil pode ser um sinal de que a população “está cada vez mais consciente sobre os crimes contra a honra e o que é dito publicamente sobre ela”.

“Esse aumento também reflete o cenário de redes sociais e outras plataformas digitais, que são usadas diariamente para difamar as pessoas. É compreensível, nesse sentido, que os indivíduos se sintam ameaçados ou injustiçados nesse espaço e que busquem reparação aos danos causados à sua honra”, avalia Valença.

“Desse modo, entendemos que esses números indicam um maior nível de conscientização sobre o impacto de palavras e publicações ofensivas na vida da vítima”, acrescenta ele.

“Igualmente, o aumento nos processos demonstra que a difamação tem se tornado, cada vez mais, um problema prevalente. Com clareza, percebemos que a sociedade se adapta às novas realidades de comunicação, crimes digitais e formas de proteção à dignidade diante de ataques difamatórios”, complementa.
A difamação, tipificada no artigo 139 do Código Penal, é caracterizada pela imputação de fato ofensivo à reputação de alguém, independentemente de sua veracidade.

É um crime contra a honra que pode gerar graves consequências, tanto para a vítima quanto para o autor, que pode ser condenado a penas de detenção e multa.
Reiterando, portanto: legislação há, embora deva ser revista e intensificada diante da nova realidade imposta pelo mundo virtual, que afeta o real. O que falta é vontade política, por um lado, enquanto, por outro, sobram oportunismo e idiotices em farto engajamento.