Distante de quaisquer predileções às cada vez mais difusas colorações político-ideológicas, mais uma ação promovida no município merece saudação: o ciclo de palestras “Seja um Aluno Nota 10”, cujo objetivo maior é combater o bullying nas escolas de Tatuí.
A iniciativa teve destaque na edição anterior do jornal O Progresso, dando ênfase na forma como a campanha acontece, com orientações aos estudantes sobre a responsabilidade e as consequências da agressão tanto para quem a pratica quanto para quem a sofre.
A primeira instituição a ser contemplada pela atividade foi a Emef “Sarah de Campos Vieira dos Santos”, no centro. Ela recebeu, dia 18 de abril, Jonas Cardoso, com 20 anos de experiência em palestras nas redes educacionais. Ele também é colaborador da revista “Nosso Amiguinho”, da Casa Publicadora Brasileira.
De acordo com a professora formadora Isabelle Karolline Chaves de Oliveira, todas as unidades escolares da rede municipal realizam ações para prevenção ao bullying.
Uma delas é o projeto “Ciranda Literária”, que contempla obras específicas para abordar o tema, além de equipes de psicólogos e assistentes sociais realizando palestras e formações em relação a bullying e à chamada “cultura de paz”.
A diferença é que as palestras do “Aluno Nota 10” são destinadas às 15 unidades escolares de ensino fundamental I.
Para Isabelle, “é preciso entender que a formação da escola vai muito além daquilo que é o conteúdo escolar”. Ela diz acreditar que “a escola é um espaço que produz e reproduz questões da própria sociedade”. Neste sentido, também tornando-se “importante meio para formação de um cidadão”.
“Em relação à violência, trata-se de um problema estrutural de nossa sociedade, que vem sendo admitido de diversas formas, seja ela física, psicológica ou moral”, observa ela.
“O bullying é a representação disso no espaço escolar, no qual um sujeito é submetido a situações vexatórias, atos de agressão ou intimidação, causando consequências profundas na qualidade de vida da vítima dessa violência, como isolamento social, transtornos físicos ou emocionais”, acrescenta.
Ex-aluno da Emef “Eugênio Santos”, Carlos Enzo de Souza disse já ter sofrido com o bullying na época em que estudara na instituição. No entanto, contou que, com a ajuda dos pais e da coordenação da escola, “tudo foi resolvido da melhor forma”.
Atualmente com 18 anos, Souza defende a importância de levar até as escolas assuntos referentes ao bullying por entender que, ao contrário dele, “muitos sofrem calados”.
“Já ouvi da mãe de um amigo meu que, no tempo dela, isso era comum nas escolas, e que as brigas eram sempre resolvidas lá mesmo. Lembro-me de ter achado muito estranho isso, porque minha mãe sempre me ensinou a respeitar os meus colegas e nunca me envolver em brigas”, comentou.
Casos de bullying mais severos, contudo, têm se tornado frequentes em ambientes escolares. No início do mês passado, por exemplo, um menino de 13 anos, morador da cidade de Praia Grande, morreu após ter sido espancado por colegas dentro da escola.
De acordo com Isabelle, quando as unidades escolares da cidade recebem relatos da vítima de bullying, os pais do aluno agressor são chamados a uma conversa.
Nela, são conscientizados sobre o problema e as ações a serem tomadas pela escola, além de imputar a eles a responsabilidade de acompanhar o desenvolvimento dos filhos. Também são orientados a buscarem auxílio de psicólogo.
No entanto, ela conta que, em caso de reincidência, o fato é encaminhado ao Conselho Tutelar, podendo até a família do “aluno vítima” registrar boletim de ocorrência contra os responsáveis pelo “aluno agressor”.
“É importante ressaltar que o aluno vítima e a família dele são respaldados pela unidade escolar em todo o processo”, salientou.
Ao jornal O Progresso de Tatuí, a psicóloga Mariana Rosa contou que as vítimas nas escolas podem ser crianças, adolescentes e até os próprios professores, os quais, segundo ela, muitas vezes, são atacados nos grupos de WhatsApp pelos pais dos alunos.
Ela explicou haver comportamentos que podem ajudar a família a identificar sinais de bullying na vivência escolar dos jovens. “É importante observar se o apetite mudou, se a pessoa está mais isolada ou demonstrando ser excluída pelos colegas. A queda de rendimento escolar é mais um motivo de alerta”, apontou.
Ela acentua que a primeira reação da vítima é desenvolver ansiedade. E que, após um tempo, esse sentimento cresce, e ela começa a viver em “estado de alerta”.
De acordo com a educadora, a maioria dos casos é motivada por preconceitos, sobretudo, o racial ou social. “Quando o bullying atinge um nível que esgota os recursos da vítima e ela não recebe o devido apoio, tende a desenvolver uma depressão que, agravada, também pode levar a pessoa a atentar contra a própria vida”, detalha ela.
A lei 13.185, de 2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, já previa a figura do bullying, determinando que escolas, clubes e agremiações recreativas assegurem medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate à violência e à intimidação sistemática.
No início deste ano, foi sancionada a lei 11.841/2024, segundo a qual o bullying – inclusive, o “cyberbullying” (quando ocorre no ambiente virtual) – pode render, além de multa, reclusão de dois a quatro anos.
De acordo com a psicóloga, as escolas devem ter um programa de combate ao bullying, por meio de ações educativas, planos de prevenção e outras políticas.
Em casos de agressão, a unidade de ensino pode responder civilmente por danos morais e materiais junto com os pais do agressor.
Conforme levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 23% dos brasileiros declararam ter sofrido bullying em algum momento da vida. Assim, indica, “esse tipo de violência se apresenta como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo”.
De acordo com o órgão, essas taxas são muito perigosas, ainda mais se a depreciação levar a vítima à autodepreciação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, caracterizando a segunda maior causa de mortes entre jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. E o bullying pode estar relacionado a essa estatística.
De acordo com levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz no final de novembro do ano passado, desde 2003, o Brasil registrou 11 episódios de ataques com armas de fogo em escolas. Deste total, 87% dos atiradores sofreram bullying nas instituições e foram movidos pelo “desejo de vingança”.
De acordo com Mariana, em casos de bullying, é comum que o foco esteja na vítima e no impacto que as agressões estão causando na vida dela. No entanto, frisou, “é importante lembrar que o agressor também precisa de ajuda e atenção”.
Diante de tudo exposto, duas questões se sobressaem e deixam a indigesta expectativa de futuro incerto quanto à diminuição do problema: a “violência estrutural” – obviamente estimulada nos anos recentes junto aos adultos, os “pais” – e o “preconceito” generalizado- não menos instigado.
Em resumo, para ainda mais eficiência das ações em favor da paz – da segurança dos jovens e crianças, portanto – talvez melhor seria um profundo exame de consciência dos pais, que ainda devem seguir como maiores exemplos aos filhos.