Conservatório: de volta í  lei – ‘Legem Habemus’!





Imagine que você assume uma empresa, devidamente registrada na Junta Comercial. Claro, há um nome real e você contrata uma firma para dirigi-la. Mas, que susto, leitor: por ironia do acaso, você descobre que algum ato legal havia declarado impedida a empresa mais de dois anos antes, e a firma que a dirige continua a carregar o nome original mesmo a partir da revogação da razão social. É com esse nome, mesmo revogado, que a firma contratada assumirá os riscos até que você consiga regularizar a situação perante a Jucesp, retornando o nome original e seus efeitos à legalidade plena.

Essa alegoria (ficção que serve de ajuda para criar uma ideia real) me ajuda a explicar: era, se não muito me engano, o ano de 2009, e tive que encaminhar, como faço com relativa frequência, documentação para que os alunos estrangeiros do Conservatório de Tatuí pudessem regularizar seus vistos. Exige-se a comprovação da existência legal da escola, no caso uma fotocópia da lei que criou a instituição. As cópias estavam quase ilegíveis, mas a solução parecia bastante simples: no site da Assembleia eu poderia encontrar um texto 100% claro, e logo o achei, no original! Mas espere aí, que susto! Em letras vermelhas, uma palavra me fez tremer: “revogada”. Não podia ser. Achei a lei 12.497/2006, que teria extinguido a de criação do Conservatório, e pasmei: tinham sido revogadas mais de 13 mil leis!

O leitor vai me perguntar o porquê de o Conservatório não ter simplesmente parado durante esses anos. Pois desde 2006, mais de dois anos antes de eu chegar, a AACT (Organização Social) dirige todas as atividades por meio de um contrato de gestão celebrado com o Executivo estadual. Resolvi agir, polêmicas não ajudariam, precisava de resultados dentro do tempo possível. No final de 2010, o então prefeito Luiz Gonzaga intermediou meu contato com o deputado Samuel Moreira, que, em 2011, apresentou o projeto de lei 654, o qual propunha anular a exclusão do Conservatório da tal “faxina”. Samuel propôs que essa correção tivesse o fundamental efeito retroativo à data da revogação (2006) da lei que criou a instituição. Continuei acompanhando a tramitação via Internet, telefonemas e e-mails. Demorou um pouco, mas finalmente o deputado Fernando Capez, relator da Comissão de Constituição e Justiça, optou pela legalidade, no que foi seguido e na íntegra. Depois, a parte mais difícil: colocar o projeto em pauta para as devidas votações em plenário, entre incontáveis outros PL na fila. Mas o destino fez Samuel Moreira ser escolhido presidente da Alesp para o biênio 2012/2014.

Eram 13 mil leis consideradas obsoletas, inúteis e “que não serviam mais aos cidadãos”, segundo o proponente da “faxina”. Questionada pela imprensa, a assessoria do então deputado estadual Vaccarezza (hoje deputado federal não reeleito), justificou dizendo que “a norma jurídica que cria uma instituição, ao ser cumprida (…) ser revogada sem que cause qualquer prejuízo” (sic). Pergunto: uma lei, mesmo extinta, produz efeitos? Ora, ao invés de ajudar a corrigir o grave deslize, tentou justificá-lo com uma emenda pior do que o soneto, como se diz. Ao “Houaiss”: “Lei: regra, prescrição escrita que emana da autoridade soberana e impõe a todos os indivíduos a obrigação de submeter-se a ela sob pena de sanções”.  A lei é o que assegura a organização de toda a sociedade. Não há instituição oficial sem lei, o Conservatório não teria sido criado sem lei. Não há crime sem lei que o defina, e por aí vai. No preâmbulo da lei 997/1951, lê-se: “Fica criado na cidade de Tatuí (grifo) um conservatório musical…”. Temos de pensar nos próximos anos e décadas, e não apenas na conjuntura atual, favorável. Até a garantia de que a verba seria destinada à escola criada na cidade poderia ser perigosamente fragilizada no futuro.

Como se deu tamanho equívoco? Faltou um cuidado essencial: incluir a ementa (um brevíssimo resumo sobre o conteúdo da lei) de cada item ao texto apresentado, nada menos que 13 mil leis. Pois a proposta de Vaccarezza foi aprovada da seguinte forma: “DCCCXXIII – Lei nº 997, de 13 de abril de 1951”. E assim foi com as mais de 13 mil listadas em seu projeto. Independentemente do enorme volume de leis revogadas, haveria que se incluir uma a uma as ementas de todas elas, como acontece com qualquer outra lei. Ora, vejamos: “Lei nº 997 (…) – Cria um Conservatório Musical na Cidade de Tatuí”. Isso bastaria para qualquer um arregalar os olhos e evitar o mal maior que surgiu em virtude do oceano de números de leis dispostos em anonimato. Ressalto que esta crítica é técnica, visível aos olhos do leigo e compreensível, não há conotação partidária.

Dia 19 de dezembro, às 23h38, comemorando uma homenagem recebida em São Paulo, recebi mensagem do Luiz Gonzaga: “Lei do Conservatório aprovada”. Bastou para um viva! Ao ‘apagar das luzes’ do ano legislativo, difícil crer, terminava uma longa batalha, em pleno final de 2014, marcando com fecho de ouro os 60 anos do Conservatório. Uma placa de homenagem deverá ser colocada ao lado da original (que merecerá uma reforma), feita em homenagem ao deputado Narciso Pieroni, autor da lei de criação do Conservatório, e a ideia é que ambas fiquem perfiladas e bem visíveis, ao lado da que deu o nome de Mário Covas ao saguão do Teatro Procópio Ferreira. Salve o Conservatório, para sempre na legalidade!