Consciência multicolorida





Nesta semana, a Pastoral Afro-brasileira, em parceria com o CMICN (Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro), promoveu diversas atividades ligadas ao dia da Consciência Negra, comemorado dia 20.

Na segunda-feira, 17, foi realizada palestra, na igreja Santa Teresinha, pelo presidente do CMICN, professor José Mesquita, cujo tema foi a data festiva, instituída em 2003 para relembrar o dia da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695.

Na terça, no mesmo local, houve ação voltada às “expressões da cultura negra”. Já na quinta, aconteceram quatro atividades. Um deles, o “Concurso de Beleza Negra”, na escola “Accácio Vieira de Camargo”, com a escolha do “garoto e garota afro 2014”.

Também houve apresentação de peça de teatro sobre o Dia da Consciência Negra, na Praça da Matriz e na igreja Santa Teresinha. E, fechando a programação, uma missa no mesmo local, às 20h.

Para Mesquita, eventos educativos e culturais do dia 20 de novembro servem, sobretudo, para “despertar consciência quanto ao preconceito que ainda existe em relação ao negro”.

“No interior de São Paulo, ainda vemos muita discriminação. E em Tatuí, não é diferente. Não há médicos negros na cidade, dentistas negros, bancários negros. Por que isso acontece? Não pode ser por acaso. Vemos o preconceito de forma sutil, no dia a dia”, argumentou.

Em relação ao mercado de trabalho, por exemplo, dados do Censo Populacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, mostram que há diferença salarial em Tatuí entre pessoas que se autodenominam “pretas” e “brancas”.

Conforme a pesquisa, o rendimento mensal médio de indivíduos que se denominam “brancos” é de R$ 1.238, ante R$ 907 de renda média dos tatuianos que se denominam “pretos”.

“Essa diferença salarial é reflexo do preconceito, mas também de um problema histórico de falta de oportunidades para os negros”, opinou a ativista Michele Rolim Pinheiro, ex-presidente do CMICN.

“O que as pessoas que lutam pelos direitos da comunidade negra querem não é que o negro ganhe mais que o branco. Chega de segregação. Queremos união”, pontuou ela.

“Quero que todos, negros e brancos, tenham os mesmos salários, os mesmos direitos, que sejam tratados, no dia a dia, da mesma forma”, complementou.

Conforme Michele, a situação da “comunidade negra do município vem melhorando nos últimos anos”, pois haveria mais acesso à educação – inclusive, por meio de programas de cotas às universidades – e mais cidadãos que se autodenominam “negros” trabalhando com carteira assinada.

No entanto, ela ressalta que essa realidade vem mudando “a passos lentos” no município e no Brasil. Ela cita, por exemplo, que os estudantes negros ainda são minoria dentro das universidades, mesmo com programas de cotas.

Os resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) de 2013 mostraram que apenas 6,13% dos estudantes concluintes dos cursos superiores são negros. Em relação à área de medicina, esse número cai para 2,66%. Os dados correspondem a todo o Brasil.

“Hoje, não vemos o preconceito de forma tão explícita. O problema em Tatuí e no Brasil é que o preconceito ainda é camuflado. É preciso ser negro ou acompanhar bem as estatísticas para perceber de que forma ele acontece”, opinou Michele.

De acordo com o Mapa da Violência 2014, nos últimos anos, morreram, proporcionalmente, 146,5% mais jovens negros que brancos no Brasil, com idade entre 19 e 26 anos.

Ainda conforme o estudo, entre 2002 e 2012, houve redução de 32,2% no número de mortes de jovens brancos no país, diante do aumento de 32,4% em relação ao número de óbitos de jovens negros.

Em Tatuí, uma das propostas de Mesquita é reforçar o sentido educacional do conselho. Por isso, ele diz que pretende vinculá-lo à Secretaria da Educação, Cultura e Desenvolvimento Turístico.

Ele quer promover mais ações do CMICN nas escolas. Busca, também, que as reuniões do conselho deixem de acontecer mensalmente e ocorram a cada 15 dias em instituições de ensino municipais.

Num momento de exagero do “coitadismo”, fomentado por interesses políticos e financeiros, as ponderações dos líderes negros locais são muito pertinentes e dignas de respeito.

Além de reforçarem fatos evidentes – como a persistência do preconceito e da educação como fator determinante para o combate à desigualdade -, eles apontam no sentido da justiça, e não no conflito entre os supostos “desiguais”, atitude em alta a partir das eleições.

De maneira irresponsável, a marca da campanha eleitoral foi a aposta na ignorância de muita gente, pela qual se estimulou preconceitos latentes em favor de votos. Assim, nortistas e nordestinos contra sulistas; patrões contra empregados, pobres contra ricos, homens contra mulheres, héteros contra homossexuais, brancos contra negros…

Essa visão de mundo não é apenas infantil, é idiota, e, por consequência, só idiotas creem nela. O problema é que, justamente pela falta de educação generalizada, o que não falta são idiotas a ecoar bobagens.

Cientes disso, aqueles que não são nada idiotas, embora profundamente oportunistas e desonestos, se aproveitam da ingenuidade e boa-vontade de boa parte da população, uns para conquistarem ou se manterem no poder e outros para ganharem um dinheirinho fácil, por meio da manjada indústria da indenização, locupletando-se dos supostos danos morais.

Obviamente, o ideal é que os profissionais negros ganhem espaço no mercado de trabalho – e salários correspondentes – pela educação e competência, não pela cor de pele.

Isto é fundamental, até porque, ainda que em favor da “justiça social” ou mesmo por convicções raciais, mesmo um negro, tendo opção, escolheria um médico branco para cuidar de seu filho doente, caso duvidasse da capacidade de outro profissional, negro.

Ou seja, o que mais se poderia fazer pelo combate ao racismo é o investimento na eficiente formação educacional desde a base, sem a necessidade da imposição de cotas que porão em dúvida a perícia dos estudantes quando já profissionais.

Por este motivo, é perfeita a observação da ativista Michele Rolim Pinheiro. Reiterando o que ela disse: “O que as pessoas que lutam pelos direitos da comunidade negra querem não é que o negro ganhe mais que o branco. Chega de segregação. Queremos união.”

Isso é admirável consciência! Negra, branca, amarela, vermelha. É consciência plena e multicolorida.