Da reportagem
O Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí) divulgou nesta quinta-feira, 18, uma “carta aberta” com um manifesto sobre a possibilidade de mudanças na gestão do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí.
O documento foi redigido na reunião do conselho realizada na quinta-feira da semana passada, 10. Depois da divulgação da proposta de gestão da “Sustenidos Organização Social de Cultura” -,entidade aceita em processo seletivo para gerir a instituição.
Além da proposta da Sustenidos, a Secec analisa contraproposta da Abaçaí Cultura e Arte, atual gestora, que apresentou plano de reestruturação buscando manter-se na administração da escola de música e teatro.
Conforme o Condephat, os conselheiros manifestam preocupação com a mudança por ser o Conservatório uma instituição de “excelência de ensino nas áreas de música, teatro e luteria”.
A carta ressalta que a função do conselho é “sugerir aos poderes competentes, quando forem de âmbito estadual ou federal, medidas inclusive pela modificação da legislação existente, para o cumprimento das exigências no tocante a defesa do patrimônio histórico, artístico, cultural, folclórico e arqueológico em geral” e que, por isso, apresenta a carta aberta.
Abordando a importância da instituição para o município, o Condephat aponta o reconhecimento nacional e internacional que o Conservatório proporcionou a Tatuí, fazendo-a ser conhecida pela vocação cultural.
O documento indica registros históricos desde as primeiras manifestações musicais e o surgimento de maestros e professores de música (sem formação acadêmica, mas conhecimento prático da música), até a escolha da cidade para sediar a primeira escola de música mantida pelo governo do Estado de São Paulo, na década de 1950.
“Nos idos de 1950, o deputado Narciso Pieroni entusiasmou-se com uma apresentação do conjunto de João Del Fiol, e este fez o político prometer a criação em Tatuí da primeira Escola Pública de Música do Estado de São Paulo. Na mesma noite, um grupo de intelectuais redigiu o esboço do projeto no bar do Hotel Del Fiol”, cita o documento.
Lembra o Condephat que a criação da escola foi proposta na Assembleia Legislativa em dezembro de 1950, e sancionada pelo então governador Lucas Nogueira Garcez (1951-1955) em abril de 1951. O primeiro endereço do Conservatório de Tatuí, provisório foi uma residência localizada na esquina da rua Humaitá com a José Bonifácio.
A íntegra da carta aberta:
CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL “DR. CARLOS DE CAMPOS” DE TATUÍ – PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL DE TATUÍ, DO ESTADO DE SÃO PAULO E DO BRASIL
O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí – CONDEPHAT é ordenado em conformidade com a Lei Municipal nº. 2.658, de 19 de agosto de 1993, alterada pela Lei Municipal nº 5.089, de 17 de maio de 2017, sua função no município de Tatuí, conforme Regimento Interno, artigo 5º parágrafo II é “Sugerir aos Poderes Competentes quando forem de âmbito Estadual ou Federal, medidas inclusive pela modificação da legislação existente, para o cumprimento das exigências no tocante a defesa do património histórico, artístico, cultural, folclórico e arqueológico em geral”, diante do exposto, na última reunião do Conselho de Patrimônio realizada em 10 de dezembro de 2020, foi apresentada a preocupação com a questão do Conservatório de Tatuí sobre a possibilidade de uma série de mudanças sobre a gestão da instituição de Excelência de Ensino nas áreas de Música, Teatro e Luteria.
A importância da Instituição para a cidade de Tatuí, refere-se ao reconhecimento de Tatuí, nacional e internacionalmente pela sua vocação cultural, registros históricos datam o ano de 1850, o ano em que o músico Antônio Raphael Arcanjo foi o professor da Banda de Música. A notícia que se tem da Banda mais antiga da cidade a Banda “Santa Cruz” da Sociedade Musical Santa Cruz, data do ano de 1880.
A essência do fenômeno musical não se manifesta apenas nas coisas em si, mas em suas relações. Em Tatuí, a música deu vida a um contexto cultural fundamentado numa metodologia da busca de excelência musical, onde a raça, a origem social e econômica do músico era o que menos importava e a maioria dos integrantes de agrupamento era por negros e pardos numa das corporações musicais de Tatuí no início do século XX.
A música percorreu a antiga estrada do Vai e Vem (inexistente nos dias atuais), que ligava Tatuí a fábrica do Ipanema e a Sorocaba e que teve papel importantíssimo para a cultura de Tatuí. Muitos operários acabaram migrando a Tatuí, naquela época Sítio de “Tatuhu” e isso permitiu que a música se instalasse definitivamente no solo da Capital da Música. Surgem os primeiros maestros de Banda e os primeiros professores de música, que não tinham formação acadêmica, porém grande conhecimento e talento musical.
A escolha de Tatuí para sediar a primeira escola de música mantida pelo Governo do Estado de São Paulo, na década de 1950, não se deu por acaso, visto a importância da referida manifestação artística desde os tempos idos da Cidade Ternura, que já apresentava de forte tradição musical representada sobretudo pelas bandas de música, presença marcante em todo o interior do Estado.
Dessa época, destacam-se personalidades musicais como o violinista e luthier Octávio “Bimbo” de Azevedo e o violoncelista João Baptista Del Fiol. Juntos, tocavam em orquestras de cinema mudo e integravam uma das mais apreciadas “jazz bands” da região na década de 1920.
Del Fiol também se apresentava em igrejas, dava aulas de violino e era afinador de pianos, além de trabalhar como almoxarife da escola técnica estadual “Salles Gomes”. Personalidade imortalizada na Capital da Música, teve importância fundamental na fundação do Conservatório de Tatuí. Nos idos de 1950 o deputado Narciso Pieroni entusiasmou-se com uma apresentação do conjunto de João Del Fiol, e este fez o político prometer a criação em Tatuí da primeira Escola Pública De Música Do Estado De São Paulo. Na mesma noite um grupo de intelectuais redigiu o esboço do projeto no bar do Hotel Del Fiol. A ideia era que ela seguisse os moldes do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e da Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro.
A criação da escola foi proposta na Assembleia Legislativa em dezembro de 1950, e sancionada pelo então governador Lucas Nogueira Garcez (1951-1955) em abril de 1951.
O primeiro endereço do Conservatório de Tatuí, provisório, foi uma residência localizada na esquina da rua Humaitá com a José Bonifácio. As primeiras inscrições, em abril de 1954, atraíram 331 candidatos em apenas cinco dias. Todos eram moradores de Tatuí, que contava então com 30 mil habitantes. Dos inscritos, 30 se iniciaram nos cursos, que englobavam canto, piano, violino, violoncelo, flauta, clarineta e congêneres (ou seja, demais instrumentos de sopro) e violão, além dos teóricos harmonia, contraponto e fuga, história da música, pedagogia musical, análise harmônica e construção musical, folclore e arte dramática.
Devida a singular importância da Instituição, em 24 de abril de 1969, o prédio onde funcionava a Câmara e a Biblioteca Municipal é cedido ao Conservatório de Tatuí em seu atual endereço – rua São Bento, 415. Com o novo prédio, a instituição dobra o número de alunos, chegando aos 600.
Não sendo apenas uma escola de ensino de música, mas uma instituição que criada em solo tatuiano, disseminava ao mundo a verdadeira vocação cultural da Cidade Ternura, tornando-se, sem sombra de dúvidas, num Patrimônio Material e Imaterial de Tatuí e do Estado de São Paulo. O ensino formativo da Instituição passou a ser exportada para todo o mundo, permitindo assim o título de “maior escola de música da América Latina” no ano de 1976.
Na gestão do Maestro Coelho, nos anos 70, é iniciada a construção do auditório da Escola, atualmente Teatro Procópio Ferreira, com o apoio do Secretário da Cultura, Esporte e Turismo, Orlando Gabriel Zancaner e do prefeito de Tatuí, engenheiro Orlando Lisboa de Almeida. Ato esse, que historicamente, simbolizava a possibilidade de restaurar aos tatuianos, um espaço digno de apresentações artísticas e culturais. Assim possibilitando cicatrizar a triste demolição do “Teathão”. O Documento da sessão de 25 de novembro de 1952, a Assembleia Legislativa Estadual destina o “Prédio do Teatrão” para ser sede do Conservatório e para adaptar o prédio engenheiros designados para estudar a adaptação julgaram inapropriada a ação, pois a obra só serviria mesmo para aquilo que fora inicialmente designada: uma casa de arte”. Lamentavelmente, o “Teatrão” veio abaixo e nada ali foi construído, ficando o terreno por muitos anos abandonado. O Conservatório alugou provisoriamente o casarão da família Coronel Thomaz Guedes, na Rua José Bonifácio.
A Instituição ao longo dos anos, se tornou excelência no ensino de música visto que importância de se formar com dignidade seus alunos, para que pudessem estampar em seus currículos o emblema “Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí, e em 1971, essa preocupação se regista ao realizar a unificação do conteúdo programático das áreas de cordas e piano, de maneira que pudesse ser ampliado de forma mais objetiva e eficaz. Replicando os moldes curriculares da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil (piano) e no Conservatório Municipal de São Paulo (cordas).
A Instituição de Música, Teatro e Luteria, não focou apenas no Patrimônio Imaterial da Expressão Musical. Registros acentuam a importância de Tatuí no setor Teatral. Na edição de 19 de março de 1978, do Jornal o Progresso de Tatuí, o ilustre filosofo tatuiense prof. Walter Silveira da Mota, escolheu para seu artigo o título de “Tatuí não é só a capital da música. Quer ser também a capital do teatro.” Visto a importância do Patrimônio Imaterial da Expressão Teatral, conforme descreve o livro “Achegas para a História Tatuiense” de Renato Ferreira de Camargo. No livro do imortalizado historiador, ele apresenta a importância desse patrimônio para a cidade, descrevendo dentre muitos registros históricos da formação teatral da cidade de Tatuí, alguns que segue:
“O Teatro São João, o primeiro teatro de Tatuí, que depois passou a ser chamado de Teatro Municipal, situado na então Praça Cesário Mota (hoje Praça Manoel Guedes), construído pela “Sociedade Recreio Dramático”. Porém, em 1983 esse Teatro transformou-se em quartel e acabou sendo danificado. Depois de longo tempo abre as portas para os amadores do grupo Teatro Dramático “João Caetano” (1900 – 1920). Com a interdição do Teatro danificado surge o “Teatrinho do Rodrigo”, liderado por Rodrigo Xavier. O Grupo Dramático de Tatuí (1895) do qual fazia parte o ator Laudelino Correa de Morais, o “Lau Corrêa”, excelente ator que mais tarde é homenageado por um novo Grupo de Teatro.Por acharem inoportuno reformarem o velho teatro, o Teatro São João, surge a ideia de construir um novo teatro, e foi o Cônego João Clímaco de Camargo quem faz a doação do terreno situado na esquina da Rua Santa Cruz com a Rua José Bonifácio em frente à praça Martinho Guedes (atualmente onde está situada a Praça de Alimentação. Ali permaneceu o Teatrão em seus 35 anos de existência (1918 – 1953) a mercê da vontade política. E na década de 50, faltando acabamento, o sonho não concretizado, deu no que deu, a picareta pós abaixo. O Grêmio Dramático “Lau Corrêa” (1920 – 1930). O “Conjunto de Amadores Tatuienses” – 1940, que foi criticado por Tácito Mota. João Padilha, uma grande expressão cultural de Tatuí. Grêmio Dramático “Operário” (1940-1950), em 1956 um espetáculo é encenado em benefício da campanha a confecção do busto do saudoso Manoel Guedes. O Instituto de Educação Barão do Suruí que já em 1950 tinha alunos amadores em espetáculos beneficentes no Município, mais tarde a E.E.P.S.G. “Barão do Suruí” volta ao cenário teatral com montagens de espetáculos realizadas pelos alunos, algumas inclusive participando do FETESP do Conservatório de Tatuí. O Grêmio Dramático Tatuiense, de 15 de maio de 1950 que em 18 anos de existência tinha em seu histórico a montagem de mais de 50 espetáculos, sendo que três deles foram apresentadas no III Festival de Teatro Amador realizado em Sorocaba. Benedito Valário, Joaquim Sotero e Benedito Rodrigues Filho (1950 – 1960). Edicleia Salles Adub (1960-1970) –. Neste cenário dois nomes são destaques: Maria Célia Camargo, atriz de telenovelas da extinta TV Tupi e Vera Holtz, importante atriz do cenário teatral e televiso brasileiro”.
Em 1976, O Conservatório de Tatuí institui o curso de artes cênicas e em 1977, realiza o “Festival Estudantil de Teatro Amador” com o intuito de incentivar a atividade teatral entre os estudantes da cidade e atrair alunos para o curso. Devido a relevância teatral dos Festivais, a Instituição cria o FETESP – Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo oficializado por decreto estadual de número 18.434/82 em 15 de fevereiro de 1982. Tornando-se conhecido e reconhecido nacionalmente, firmando-se como um setor que oferece atividades cênicas em diferentes níveis. A Instituição, cria o Grupo Teatral Novas Tendências” do Conservatório de Tatuí (1986 a 2008) – formado por Antônio Mendes e Carlos Ribeiro e Cia de Teatro do Conservatório de Tatuí (2009 até o momento), Grupos Pedagógicos Artísticos que foca na formação do aluno do Setor de Artes Cênicas.
A importância do Conservatório de Tatuí para a Cidade, Estado, Nação e para o Mundo permite que em 1981, o empresário Wanderley Bocchi realize a Cessão de um extenso terreno onde hoje está construído o alojamento da escola, alojamento que abriga alunos da Instituição focados no ensino de Excelência nas áreas de Música, Teatro e Luteria.
Diante de todos os argumentos apresentados nesta Carta, o Conselho do Patrimônio ressalta a importância da manutenção do Conservatório de Tatuí, gerido por Organizações Sociais, em manter viva e sem prejuízos a cidade de Tatuí do Estado de São Paulo, não somente o Patrimônio Cultural Material mantido pela Instituição, mas devendo preservar o Patrimônio Cultural Imaterial que ela apresenta em seus registros e arquivos e em sua formação cultural.
Rogério Donisete Leite de Almeida Presidente biênio 2020/2021
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí