Condenado por matar sogro em Tatuí é preso

Papick Richard Bianchi Viscelli aguardava julgamento de recurso em liberdade

Da reportagem

Na segunda-feira, 26, foi cumprido o mandado de prisão emitido pelo Tribunal de Justiça contra Papick Richard Bianchi Viscelli, condenado por matar o sogro em Tatuí em outubro de 2010.

Sentenciado à pena de 29 anos de reclusão, a ser cumprido em regime inicial fechado, Viscelli havia sido levado a júri popular no dia 22 de junho de 2022, 12 anos após ter matado Eli Benedito Donizetti Badin a facadas.

No entanto, ele teve direito de seguir recorrendo em liberdade em razão de a sentença proferida pela juíza Mariana Teixeira Salviano da Rocha ter ocorrido enquanto o acusado estava fora da prisão, conforme determina o Código Penal.

Viscelli havia sido preso em flagrante no dia do crime, mas acabou solto em 19 de outubro de 2016, por habeas corpus, com pedido de liminar, após seis anos de prisão preventiva.

A defesa de Viscelli apelou contra a sentença em segunda instância, no entanto, por votação de forma unânime, os desembargadores Figueiredo Gonçalves, Ivo de Almeida e Alberto Anderson Filho negaram provimento ao recurso, mantendo a condenação inicial proferida por Mariana.

Na sentença, a condenação indica que o crime havia sido praticado por “motivo fútil” e que ainda dificultou a defesa da vítima. Ele ainda foi condenado por duas tentativas de homicídio: uma contra a esposa da vítima, Rosana Unterckircher Badin, e a outra contra a então mulher de Viscelli, Érica Unterckircher Badin. Ela morreu em 14 de junho de 2011, vítima de um acidente de moto.

Para Anna Laura Unterckircher Badin, filha da vítima e irmã de Érica, a prisão de Viscelli foi recebida pela família com “um sentimento de alívio e dever cumprido”, mesmo acontecendo, segundo ela, de forma tardia.

“Não vai trazer o meu pai de volta e minha irmã não está mais aqui para ver isso, mas nós estamos para mostrar que a Justiça no Brasil funciona”, relatou.

Ela ainda disse esperar que Viscelli “pague pelo crime que cometeu”, em razão da “ferida que ficará aberta para sempre na família”. “Acabou com a família dele e com a nossa. É uma dor imensurável, mas hoje sentimos uma paz em saber que ele se encontra preso”, reforçou.

“Ele deve ter sentido muita dor naquele momento (do crime). E hoje tenho a absoluta certeza de que ele poderá descansar em paz”, comentou.

Ela contou que, desde quando o pai morreu, teve de assumir a casa, aos 16 anos, em razão de a mãe e a irmã “ficarem ruins” – além de ter que cuidar da sobrinha dela, filha de Érica e Viscelli.

Tempo depois, Anna Laura começou a estudar direito. Ela comentou que havia se interessado pela profissão com o objetivo de entender “o que acontece com a Justiça brasileira e por quais motivos ela é lenta”.

Para ela, as diversas “brechas” na legislação fazem com que crimes como o que acorreu com o pai dela demorem para ser julgados.

Segundo Anna Laura, após o crime, a Justiça decidiu que a filha de Érica deveria ter contato com os avôs paternos. E conta que, com o tempo e a soltura temporária de Viscelli, ele também começou a ter proximidade com a filha.

“Ela gosta, porque, infelizmente, ele é o pai, mas aquele sentimento paterno de ‘amor’, cuidado e carinho, algo que ele nunca teve, ela não tem”, salientou.

De acordo com Anna Laura, no dia do crime, já no hospital, Viscelli havia dito para a família da vítima que iria “voltar para terminar o que havia começado”, em razão, segundo Anna Laura, de ele ainda não ter certeza de que havia conseguido matar os sogros e Érica. Entretanto, ela conta que, após esse dia, a família nunca mais teve contato com ele.

“Acredito que, durante esses anos, deu tempo de ele repensar no que fez, diante da maior monstruosidade cometida por ele. Foram vidas que não voltam mais. E só quem estava ali saberá das memórias que jamais serão esquecidas”, afirmou.

Anna Laura, entretanto, conta que, no julgamento, ele disse que não se lembrava de nada do que ocorrera no dia do crime. “Falou que não sabia nem como chegou até lá (local do crime). Mas, é aquele ditado: quem bate esquece, quem apanha, jamais”, acentuou.

Ela conta que, logo após ser solto, Viscelli “viveu uma vida normal”, inclusive, tendo constituído uma nova família, enquanto, segundo Anna Laura, a dela nunca mais será a mesma.

“Ele estava aguardando o momento do julgamento, o qual ele havia conseguido adiar por diversas vezes e, assim, seguiu uma vida normal. E nós ficávamos com aquele sentimento de quando ele iria pagar pelo que fez”, ressaltou.

“Porque, até então, o nosso sentimento era de impunidade. Não entrava na minha cabeça como uma pessoa dessa pode ficar impune por tanto tempo”, emendou.

Por fim, Anna Laura disse agradecer a Deus e aos advogados dela “por terem cuidado da causa e pela Justiça ter sido feita”. “E que agora ele possa pagar pelo que fez. Que possa pensar e repensar no crime que ele cometeu, o qual ficará para sempre de geração em geração. E que Deus possa me dar sabedoria para cuidar da minha sobrinha”, concluiu.

Para a advogada que atuou como assistente de acusação da promotoria junto ao Ministério Público, Ranuzia Coutinho Martins, a condenação definitiva “demorou muito para sair” em razão de a defesa de Viscelli ter atuado com muitos recursos.

Ela conta que, no decorrer do processo, houve muitos pedidos, os quais adiaram o julgamento. “Essa tristeza que é a Justiça brasileira”, declarou.

O advogado de defesa de Viscelli, Inácio Jamil Zamur, conta que a defesa tentou recorrer da sentença, no entanto, todos os recursos forma negados. E que agora, em razão da decisão ter sido transitada em julgado, não caberá qualquer forma de tentativa para a reversão da pena.

Ainda informou que, iniciada a fase de execução penal (procedimento que vai acompanhar a evolução do cumprimento da pena de Viscelli), serão analisados os benefícios ou sanções, os quais podem ser cabíveis, de acordo com o comportamento carcerário dele.

Sobre o tempo de pena que Viscelli ainda terá de ficar preso por conta de já ter cumprido seis anos, Jamur disse que será apurado após iniciada a execução penal, com a expedição da carta de guia.

E observou que sugerir um prazo neste momento é precipitado, em razão de circunstâncias futuras que podem alterar o cálculo, como remissões pelo trabalho ou sanções por faltas cometidas.

No entanto, comentou que, caso não haja nenhuma intercorrência no cumprimento da pena, será possível uma progressão para o regime semiaberto daqui a cerca de seis anos.

O crime

Na época com 25 anos, Viscelli foi acusado de matar o sogro, Donizetti Badin, ferir a sogra, Rosana, e a esposa, Érica, a facadas. O jovem estava separado da mulher e teria ido até a casa dos sogros para conversar.

Após desentendimento, teria pegado uma faca (que levara ao local) e agredido os três. O sogro recebeu dez facadas e morreu no local.

A jovem e a mãe dela também foram golpeadas. Viscelli ainda agrediu os pais, que correram na tentativa de acalmá-lo. O desentendimento ocorreu no portão da casa das vítimas. O agressor só foi contido após a chegada da Polícia Militar.

As vítimas foram atendidas na Santa Casa. Entretanto, Badin não resistiu aos ferimentos. Érica permaneceu internada, mas fora de perigo, e Rosana passou por atendimentos.

O casal residia perto de um mercadinho e, no imóvel, teria as brigas como rotina. Rosana disse que a filha permanecia muito tempo sozinha e que o ex-genro voltava tarde do trabalho.

A filha teria contado à mãe que Viscelli a maltratava verbalmente. “Os vizinhos falavam que era muita gritaria. Ela nunca comentou comigo que ele batia nela, nunca vi, mas era agressão verbal”, disse Rosana a O Progresso de Tatuí.

O casal permaneceu junto por cinco anos, tendo se separado em decorrência dos sucessivos desentendimentos. No dia do rompimento, em julho de 2010, o jovem teria “tomado vários comprimidos e tentado esganar a esposa”, segundo Rosana.

Depois desse episódio, Rosana disse que a filha deixou o marido. Quatro meses depois, reatou o relacionamento. A mãe da vítima conta que Viscelli teria pedido perdão e dito que estava doente, acometido por um câncer.

No mesmo dia em que o casal reatou, Viscelli teria agredido a mulher e jogado a filha na cama, declarou Rosana. Na época, ela lecionava na rede municipal da educação.

“Saí do HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) correndo, porque ela estava pedindo socorro e disse que ele havia tomado comprimidos”, narrou.

O casal havia brigado por volta das 11h do dia 20 de outubro. Depois de ter tentado enforcá-la, Viscelli teria se trancado no banheiro da residência.

A ex-sogra contou que guardas civis municipais precisaram estourar a porta para retirá-lo de lá. O jovem, então, foi levado ao Pronto-Socorro Municipal, para lavagem estomacal.

No dia seguinte, Viscelli teria ido com os pais até a casa dos sogros. Antes, teria proferido ameaças e, conforme Rosana, dito que, caso Érica não reatasse o relacionamento, “mataria todo mundo”.

Badin acabou esfaqueada logo depois de ter aberto o portão da casa e Viscelli ter retirado a filha do colo de Érica e tê-la colocado no banco do carro dos pais dele. “Ele já veio com intenção. Estava com o olho todo vermelho, paralisado”, sustentou.

De acordo com Rosana, para pegar a menina, o agressor havia esfaqueado os braços da mulher. “Ele cortou todos os nervos radiais. Ela perdeu o movimento do braço direito. Meu marido levou facadas na barriga, no peito e nas costas”, descreveu.

A moça precisou ser transferida a Sorocaba, urgentemente, porque corria risco de ter o braço amputado. Já o pai dela faleceu enquanto era atendido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Rosana, que estava menos ferida, foi levada à Santa Casa em um camburão da PM.

O crime ocorreu no período da tarde, perto das 17h30, antes de a família da professora aposentada deixar a casa. Rosana conta que ela e o marido levavam a cunhada diariamente até a casa da sogra dela, no Jardim Santa Emília, para tomar conta da idosa. “Foi nessa hora que os pais dele o trouxeram”, relatou.

A professora ainda revelou outro detalhe sobre o crime: conforme ela, uma das facas teria sido “puxada” de dentro de uma boneca que pertencia à filha do suspeito.

“Quando vi que o Eli tinha levado muitas facadas, ergui a mão dele (Viscelli) para cima e peguei na cintura. Senti outra faca, não encontrada. A Érica me disse que ele tinha tirado a primeira de dentro de uma boneca”, afirmou.

Durante a agressão, Rosana levou uma facada nas costas e caiu ao chão. O suspeito ainda desferiu um golpe que atingiu uma das pernas da professora. “Depois é que eu levantei e vi meu marido correndo e um rio de sangue no chão. O Eli não aguentou e caiu (à frente de) umas duas casas depois da minha”, recordou.

Segundo a professora, o jovem não atingiu a filha dele porque “alguém pegou a criança e correu”. Rosana afirmou que Viscelli ainda correra atrás da pessoa, mas não a alcançara. “A menina ficou na casa da família dessa pessoa por uma semana. Se existe anjo da guarda no mundo, é ela”, argumentou.

Transferida ao Hospital Regional de Sorocaba, Érica recebeu tratamento para evitar a perda do braço em outra unidade de saúde. “Ela foi levada a outro local, pelo convênio Apas (Associação Policial de Assistência à Saúde)”, contou Rosana.