O crescimento desordenado das cidades, sem um planejamento habitacional e populacional para o futuro, pode levar a uma hecatombe. Na antiguidade morava-se em tendas ou coisa assim, e a moeda era o gado (… ou coisa assim), tudo na natureza. Hoje, vemos solapado o direito sagrado de viver bem, com um mínimo de dignidade e conforto.
Há poucas décadas, um bom apartamento de três dormitórios em São Paulo ou Rio tinha 150 m² (ou mais). Hoje, vemos anunciadas obras de 57 m² para o mesmo tipo de moradia. O que acontece, então? Claro, as cidades cada vez mais comprometem seu espaço com a verticalização, além de despejarem dezenas de automóveis em um espaço onde antes havia apenas um ou dois por casa. Sem a expansão horizontal, derrotada pela industrialização, as cidades crescem desordenadas e sufocadas. Mas ainda assim a vida encarece.
Se em países como os EUA a tendência são os subúrbios, cidades ou estados das vizinhanças – a exemplo de Washington, D.C., e os estados limítrofes da Virginia e New Jersey (em sua maioria casas aprazíveis e sem muros), aqui, talvez por causa da natureza gregária tribal do brasileiro, gostamos de nos amontoar, uns sobre os outros, em acampamentos verticais cada vez menores e engarrafando as estreitas vias de antigamente com nossos automóveis do futuro.
Soluções de impacto na economia são tomadas pelos governos para gerar de supetão o esperado aumento no índice de empregos nas obras, baixando juros para facilitar o crédito e encolhendo os impostos sobre os materiais de construção – sem falar no aumento de R$ 500 mil para R$ 750 mil no teto do FGTS para utilização na aquisição da casa própria. Tudo para “aquecer a economia” e o emprego. Com esse impacto, sob maior demanda e oferta ainda não suficiente, caminhamos para um cenário nada confortável.
Em Cingapura, um amontoado de ilhas cuja área (712 mil m²) é de apenas dez vezes a do terreno do alojamento de alunos do Conservatório de Tatuí, espremem-se 5 milhões de habitantes em ínfimos espaços. E quais são as soluções ou panaceias adotadas por aquele país insular asiático? Limitar ao máximo o crescimento demográfico, e – pasme – acenando com a espada de Dâmocles a demissão do emprego da mulher que engravida. E mesmo assim, para conter esse pânico populacional, pensa-se em expandir a área do país – para baixo, na forma de imensos subterrâneos.
Em Tóquio, no Japão, é comum pessoas pagarem mais de US$ 100 por uma noite em uma caixa de acrílico, como gaveta de cemitério, com o conforto de uma pequena luz e, quando necessário, um miniventilador. Tanto Japão e Cingapura, entre outros, têm obstáculos geográficos que tornam imperativo estancar o crescimento populacional. Ao contrário, em alguns outros países há até mesmo estímulo ao nascimento de novos cidadãos, como o enorme e pouquíssimo populado Canadá, além da Inglaterra e Alemanha.
E no Brasil? Aqui, com o avanço das empreendedoras, crédito fácil e demanda estimulada, chega-se a ocupar o antes inocupável, a oferecer moradias a preço baixo via projetos governamentais de alcance frequentemente mais político do que habitacional. Neste 2013 que já quase termina, gastou-se zero com a reforma agrária. Mas a classe alta já “emergida” estimula um mercado que não tem mais limites nos recantos da alta sociedade: um apartamento de luxo em Moema ou Vila Olímpia, na capital paulista, chega a custar absurdos 20 milhões, valor que paga dois ou mais castelos na França, segundo matéria recente da “Folha”. (Só que lá tem que pagar motoristas, para manobrar as quase 30 vagas da garagem palaciana, governantas e mordomos. Coisa de palácio, “noblesse oblige”).
Estarrecedor, não? E veja isto: na rua 25 de março, centro de São Paulo, o metro quadrado chega a custar 12 mil – sim, onde tem aquelas portinhas que empilham produtos dentro e fora das lojas. Uma lojinha meia-boca de 100 m² pode valer 1,2 milhão. E vamos ao Rio: especialmente com a proximidade da Copa, os preços enlouqueceram de vez. Nos entornos da orla e nas praias de Ipanema e Leblon, por exemplo, o metro quadrado construído chega a 65 mil. Isso mesmo. O que quer dizer que um típico apartamento de alto luxo ali, com uma área útil de 400 m², chega a custar a bagatela de 26 milhões. E apartamentos nos subúrbios também pululam na capital fluminense, alçando preços nunca antes imagináveis.
A supercampeã é uma construtora que está para entregar um prédio de fino acabamento na Vila Olímpia, em São Paulo, oferecendo, a módicos R$ 266 mil reais, apartamentos para executivos ou estudantes. Ótimo bairro, comércio fino, restaurantes, lugar de grife mesmo. O problema é a metragem do apartamento: 19 m², uma palafita vertical de luxo. Um cubículo para entrar e dormir. O conceito do bom padrão de vida e moradia tem sido devastado pelo casamento poligâmico entre especulação, trânsito, medidas de impacto político e descontrole administrativo, caminho certo para vivermos uma vida cada vez pior, salvando-se apenas os que podem pagar muito alto pela praticidade e conforto. A Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio detectou que, em cinco anos, o tamanho médio dos lançamentos em São Paulo caiu 28,4%, enquanto o preço subiu 124%. “Eu quero uma casa no campo”, cantou Rodrix, lembra? E você não?
[Sobre esse “cadeião vertical” da Vila Olímpia, acesse: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/04/inspirada-em-toquio-construtora-lanca-apartamento-de-19m-em-sao-paulo.htm?mobile].