Circo da bola





O evidente menor interesse do brasileiro por esta Copa do Mundo – que acontece justamente no país – tem sido fenômeno bastante discutido, mas pouco explicado. Uma das razões seria simples: mais consciência política.

É antiga e notória a chamada “política do pão e circo”, praticada pelo Império Romano há mais de depois milênios, pela qual a população era mantida dócil e feliz desde que tivesse um pouco de comer e muito para se divertir.

Para cada dia útil de trabalho, havia dois de entretenimento, em média – mostra de que, afinal, a humanidade evoluiu um tantinho, a despeito dessa profusão de feriados que arrebenta com a economia brasileira em pleno 2014…

E como alegrar o povão de barriga roncando senão com disputas? E dá-lhe porrada, promovida pelos atletas de então, os Neymares da época, que de intimidade com a bola só tinham a de rachar cabeças com a espada, levando a galera ao delírio em meio a banhos de sangue.

Na contemporaneidade – bem mais “civilizada” – a disputa ainda não se livrou totalmente do sangue, mas ao menos nisto “evoluiu” da arena para a arquibancada, particularmente quando o esporte é acompanhado por torcidas organizadas para se comportarem como animais.

Ao invés de gladiadores se matando, a modernidade serve o futebol como circo ao povão, que se acalma e se refestela com a vitória de seu timão. Quando seu país é campeão , aí, é festa! Mais um feriado! Que maravilha! Pra frente, Brasil!

Ainda há outros avanços. Após o espetáculo, há dois mil anos, somente os combatentes vitoriosos, as estrelas do circo, iam embora sob a glória da torcida e com as tangas cheias de moedas áureas; agora, não.

No atual mundo da bola, vencedores e vencidos, independentemente do placar, continuam a receber seus salários milionários, a firmar contratos estratosféricos e a posar de garotos-propaganda mundo afora.

E a barriga dos torcedores? Só não ruge feito os leões do Coliseu graças à distribuição forçada de peixe, promovida por meio dos programas sociais do governo, que ainda se sustenta, tanto tempo depois, na base do pão e circo, sem nenhum sucesso – e aparente interesse – na arte de ensinar a pescar.

Mas, sim, algo pode ter melhorado. Talvez seja por isso que muita gente se importa menos com essa Copa. Claro, há a gastança de dinheiro público, há a vergonha pela qual o país passa devido à desorganização.

No entanto, além disso, a maior razão pode ser uma exigência maior por governos éticos e competentes. Um reflexo desta novidade foi mostrado em reportagem por O Progresso, no meio desta semana.

No centro, ainda é possível perceber algumas calçadas pintadas com temas de futebol. No entanto, de acordo com o pintor Francisco Eduardo Rodrigues, conhecido como Edu, este ano, a procura para as pinturas está “em baixa”, em comparação à Copa de 2010.

Rodrigues disse acreditar que um motivo da falta de procura pode ser a “situação que o país está”. “Parece que algumas pessoas têm vergonha de torcer, estão torcendo pouco”, comentou.

O pintor contou que iniciou as pinturas com a Copa como tema em 1998 e, desde então, não parou de “produzir arte”. De acordo com ele, em todos os anos anteriores, a procura foi maior por moradores do que por comerciantes. De todos os trabalhos que já fez, ele acredita que 70% foram em residências.

Rodrigues afirmou que esperava mais procura, “porque a lógica seria isso”. “Quando a Copa foi em outros países, eu fiz muito mais do que hoje. Era para as pessoas estarem com mais espírito de Copa, mas não é o que se vê”.

Pelo que se observa, a seleção brasileira ganhando ou perdendo, fica a esperança de que, muito mais que uma pátria de chuteiras, povoada por um imenso rebanho de consumidores de pão e circo, estaríamos caminhando para nos tornamos uma verdadeira nação, cujas maiores vitórias nunca deveriam ser com bola na rede, mas com goleadas de alfabetização (real), justiça social (sem tapetão por programas assistencialistas) e com saúde pública eficiente e digna.

Se um dia isto acontecer aí, sim, terá sentido sair soltando rojão pelas ruas, em êxtase, como há dois mil anos.