Seria ideal marcar uma homenagem ao tatuiano José Celso de Mello Filho, que deixa o mais alto cargo do direito no país, como ministro decano do Supremo Tribunal Federal, apenas com palavras elogiosas e congratulações.
Contudo, a realidade nacional, incerta e inquietante, não nos permite. Somando 31 anos de trabalho tão exemplar quanto certamente custoso, o ministro merece descanso. Claro!
Problema passa a ser o destino deste país sem o maior defensor de sua claudicante democracia – não a do ministro, que se equilibra com admirável dignidade não só em virtude dos desafios impostos pelo tempo – que a todos nós cobra cautela e cuidados com a saúde –, mas sobretudo em seu mister de soberba responsabilidade, sustentando-se há anos como referência em saber, ponderação e Justiça (com “J” maiúsculo).
Não, o que verga ao soprar de insistente vendaval reacionário – tacanho, obscuro, totalitário – é a própria sobrevivência da democracia brasileira. Não fossem inesperadas descobertas de “rachadinhas” em projeto de poder absolutista, seria possível nem se estar mais discutindo sobre democracia, por já ser ela história.
Entretanto, não apenas ao acaso – e à Polícia Federal -, deve-se a democracia ainda estar em pé. Também – e muito! – a manutenção deste sistema de governo tão avesso aos brutos ainda precisa ser creditada ao expoente tatuiano. Sem dúvida!
É suficiente lembrar que, no ápice dos atentados contra a República – suportada em um tripé não só pelo Executivo, mas justamente pelo STF e pelo Congresso Nacional, então descaradamente agredidos -, quem mais apresentou-se com coragem e atitude foi o tatuiano.
Alertou Celso de Mello, em maio deste ano: “É preciso resistir à destruição da ordem democrática, para evitar o que ocorreu na República de Weimar quando Hitler, após eleito por voto popular e posteriormente nomeado pelo presidente Paul von Hindenburg , em 30/01/1933, como chanceler (primeiro-ministro) da Alemanha (“Reichskanzler”), não hesitou em romper e em nulificar a progressista, democrática e inovadora Constituição de Weimar, de 11/08/1919 , impondo ao país um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição, em março de 1933, da lei (nazista) de concessão de plenos poderes (ou lei habilitante) que lhe permitiu legislar sem a intervenção do parlamento germânico!!!!”
Coragem! Não é para qualquer um… A despeito de tamanha firmeza e real espírito nacionalista – vale a ressalva – ainda há quem não se identifique com o decano… E, por quê?
A levar-se em conta a inquestionável capacidade do ministro na envergadura do cargo e da plena postura obsequiosa à Constituição, não se encontra resposta.
E mais confusa fica a incógnita quando considerada a hipotética premissa de que ser legalista é algo negativo ao país, pressupondo-se que “prender todo mundo” antes do devido processo legal seria necessário para “acabar com a corrupção no Brasil”.
A Justiça precisa ser feita, sim, mas com esse “J” maiúsculo, não com demagogias e atropelos a camuflar algum outro projeto de poder absolutista e prepotente, tal uma recriada inquisição a jogar na fogueira quem não se prostra diante dos novos Torquemadas.
Não obstante aos excessos da já praticamente sepultada operação Lava Jato, Celso de Mello – dentro dos limites legais – defendeu o movimento jurídico de combate à corrupção, também colocando-se, portanto, a favor de maior probidade na vida pública – embora, certamente, sem sangue e tampouco sem posicionar a Constituição abaixo dos interesses de personalidades salientes.
Recentemente, assim, registrou em um de seus despachos: “Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente”.
Ou seja, só há razões para admirar e congratular o emérito tatuiano – infelizmente, tantas quantas a se temer pela democracia, agora órfã de um de seus maiores defensores – pelo menos na mais alta corte.
Neste momento, contudo, quando o SFT perde seu mais longevo e excepcional ministro – “terrivelmente” capacitado naquilo que unicamente deveria interessar à corte: o sabor jurídico -, este registro não poderia se encerrar com ponderações preocupantes, pessimistas, senão com elogiosas palavras.
Portanto, a seguir, este editorial reproduz parte de um artigo de outra preciosidade da Cidade Ternura, com cuja pena, sempre tão delicada quanto talentosa, prestou homenagem ao ministro Celso de Mello, quando da posse do tatuiano na presidência do STF.
Com as (belas e até “proféticas”) palavras, em texto publicado no jornal O Progresso em maio de 1997, a querida professora Leila Salum Menezes da Silva:
“Em sentimento de juntidade, os tatuianos somos a mesma alegria e júbilo. No palco do heroísmo de nossa cidade, de pé, no proscênio, em primeiríssimo plano, nosso preclaro conterrâneo, o emérito ministro José Celso de Mello Filho, que assume, no dia 22 de maio (1997), entre festões de glicínias, a presidência do Supremo Tribunal Federal. Guindado à culminância jurídica. Recoberto de honra e lustre. Todo medalhado de nossa carinhosa ternura.”
“Nascido de família fértil de amor e respeito, de crenças retilíneas, pelo alto valor de sangue, o homenageado foi o menino e o adulto consciente. De preclaras tradições, ele recolheu a herança espiritual ilustre dos pais, o professor José Celso Mello e D. Zeneide de Almeida Mello. Ambos inesquecíveis, pela estirpe de seus merecimentos. Grandes mestres, gastaram forças e pensamentos na luta pacífica contra o não saber. Transformados em alma, adquiriram imortalidades. Deles, o ministro herdou o legado de bravuras. A coragem dos gestos e atitudes. Toda uma legenda de exemplos fortes.”
“Julgador identificado com o verdadeiro Direito, seguindo as regras por que se pautam as almas nobres, ampliou o fulgor da profissão que abraçou. Na disciplina do cargo. No decoro da magistratura. Figura extremamente simpática, metal de voz agradável, palavra fácil, lógica segura. Distinção pessoal e nobreza de ideias e atitudes. Afabilidade. Competência e discernimento – seus ditames infalíveis. Foi assim que conquistou o bom conceito de seus pares.
O homem é como as árvores — não vive sem as raízes. E o ministro José Celso, coração representativo da ternura tatuiana, nas pausas do trabalho absorvente, volta, sempre, à colorida terra natal. Cada vez mais fraterno. Cada vez mais tribal. Sem, jamais, ter resvalado para a sofisticação acadêmica. Sempre sorridente, a boca em coração. Desambicioso das honrarias. Esquecido do tratamento formal, prerrogativa de sua alta graduação.
Emérito ministro José Celso de Mello Filho:
Nesta hora de desgoverno, de falência de autoridade e de cultura, em que campeia a mediocracia, onde um jogador de futebol vale mil vezes mais que um homem de letras, V. Exa permanece intacto, como modelo de sabedoria acumulada, de decoro pessoal e intelectual, lutando, intransigentemente, ‘pola ley e pola grei’.”
“Que esta nossa humilde homenagem seja mais uma coroa de louros à sua coroa de méritos. Nas vitórias desses anos todos, nessa celebração de sentido tão raro, cabe-lhe a honra de nosso respeito e a glória de nosso aplauso! E hoje, mais do que nunca, nossa alegria rebrilha, poderosa. Aproximamo-nos de seu estado de grandeza, para lhe afirmar que sua vida é exemplo de vida.
Herói de eternidade assegurada!”
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