Em meio ao chamado “quadrilátero caipira”, que compreende em seus vértices os municípios de Campinas, Piracicaba, Botucatu e Sorocaba, novamente, a produtora das famosas pamonhas sai na frente em se tratando de resgate e valorização da cultura tradicional.
Desta vez, o “jeito de falar acaipirado”, puxando o “erre”, pode se tornar patrimônio imaterial piracicabano. Um grupo de associações desse município entrou com pedido no Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba (Codepac) para que o falar “caipiracicabano” seja registrado como patrimônio do município.
“A justificativa é que o modo de falar caracteriza o morador de Piracicaba desde o século 18 e se tornou marca da identidade cultural da população”, divulgaram as associações.
O pedido foi protocolado no dia 15 de abril, assinado por representantes de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), Academia Piracicabana de Letras (APL), Associação Piracicabana de Artistas Plásticos (Apap) e Instituto Cecílio Elias Netto (Icen).
De acordo com o presidente do Codepac, Mauro Rontani, uma comissão formada por quatro conselheiros, entre eles, historiadores e museólogos, deve elaborar, em breve, um relatório com pareceres sobre o pedido.
O assunto será objeto de deliberação na próxima reunião do conselho, dia 13 deste mês. Segundo Rontani, o relatório será submetido à votação e os conselheiros devem definir se o “caipiracicabano” pode se tornar patrimônio cultural como registro imaterial.
Ele comentou acreditar que a forma de falar “já se tornou uma marca de Piracicaba”. Após a conclusão do processo municipal, pode ser encaminhado o pedido de reconhecimento às instâncias estadual e federal.
“O caipiracicabano é extremamente enraizado, o ‘erre’ puxado remete à cidade e seu uso independe da posição social ou nível educacional”, afirmou.
O “jeito de falar” em Piracicaba já se tornou tema de livro. A primeira edição de o “Dicionário Caipiracicabano”, do jornalista Cecílio Elias Netto, foi lançada em 2001, com frases e expressões publicadas desde 1987 na coluna “Arco, Tarco e Verva”, do jornal “A Província”.
Já na sexta edição, o dicionário soma mais de 600 verbetes explicativos sobre expressões típicas do piracicabano.
Não é a primeira vez que Piracicaba se destaca no reconhecimento de que a cultura caipira deveria não apenas ser reconhecida, estudada e valorizada, mas acabar se tornando motivo de orgulho, jamais de vergonha.
Somente pela falta de conhecimento – pela ignorância, literalmente – ainda perdura certo constrangimento quanto às raízes tropeiras, particularmente em relação ao “jeito de falar”.
A verdade é que não existe um jeito “certo”, tampouco “errado”, por consequência. Existem jeitos distintos, diferentes, e isso faz parte da riqueza cultural brasileira.
Óbvio, não confundir “jeito de falar” com “jeito de escrever”. O primeiro implica em sotaque, expressões regionais, maneirismos; o segundo precisa respeitar a chamada “norma culta”, fundamentada na língua portuguesa formal.
Por um olhar crítico, isto significa que, quando um indivíduo se expressa em “caipiracicabês”, é bacana, legal. Ele está sendo autêntico, seguro e alheio aos modismos e estrangeirismos, sem preocupação em tentar retransmitir modos e valores que não lhe pertencem de fato – como os macacos imitadores, por exemplo.
Por sua vez, quando vai às redes sociais e escreve tudo errado, aí não há nada de bonito. Por mais que se observe a rapidez típica desses meios de comunicação e a comum profusão de abreviações, nada justifica a troca de “x” por “ch”.
Isso é feio, porque a ignorância é feia – por mais que o ignorante não se sinta constrangido, até por não ter consciência de sua falta de conhecimento.
Assim, quando exatamente o conhecimento – a educação, a cultura – existe em maior grau, aquilo que parecia ser negativo, como o sotaque caipira, passa a ser compreendido como francamente positivo.
Piracicaba, nesse sentido, dá exemplo há muito tempo. Precisa servir de estímulo, portanto, às demais cidades do quadrilátero caipira, as quais têm muito a resgatar e promover em termos de cultura e história.
Tatuí tem o privilégio de estar dentro desse quadrilátero e, nesta condição, também pode e deve continuar a investir em suas raízes tropeiras. Por algumas iniciativas esparsas, já o fez em vários momentos, mas “carece” de mais.
Quanto ao “falar”, porém, ainda nada ocorreu a exemplo do projeto piracicabano. Existe, apenas, uma ampla e digníssima ação pelo bem do “caipirês” local, naturalmente empenhada pela maior embaixatriz da cultura tatuiana, Vera Holtz.
Por sua espontânea autenticidade, Vera entoa o falar típico de sua terra com toda a desenvoltura e soberba indiferença para com possíveis preconceitos, assim valorizando e promovendo o “caipitatuinês” mundo afora.
Tatuí agradece àquela que, como nosso jeito de falar, é um dos maiores patrimônios “imateriais” da Cidade Ternura. Tal Piracicaba, que a divina Vera sirva de exemplo, caipirada!