Maristela Reis S. Gripp *
O ano era 1911 e o Brasil participava do I Congresso Universal de Raças em Londres. Um dos temas discutidos naquela ocasião era sobre o aumento da população negra no Brasil e como isso poderia ser evitado.
Um dos participantes do evento naquela ocasião era João Batista de Lacerda, o único delegado latino-americano presente. De acordo com as palavras de Lacerda, até 2012 a raça negra teria desaparecido do Brasil.
“Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais meio século os metis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio.”
Os dados divulgados pelo Atlas da Violência 2021 recentemente demonstram claramente que a ideia de eliminação da raça negra, como queriam em 1911, segue seu curso no país.
De acordo com os jornalistas do G1, Cíntia Acayaba e Léo Arcoverde, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros no Brasil em 2019 foi de 29,2, enquanto a da soma dos amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2.
São números alarmantes que mostram o quanto a população negra do nosso país está exposta a situações de violência de todos os tipos.
De acordo com Daniel Cerqueira, do Instituto Jones dos Santos Neves, participante da organização do Atlas, os resultados da pesquisa mostram claramente que toda essa violência contra a população negra “é uma herança maldita da nossa história colonial, que é a herança do racismo” e que “esse processo de racismo subsiste desde os tempos coloniais até hoje. Todo ano, quando a gente faz esse tipo de análise, a gente vê essa discrepância tão grande entre mortes de negros e não negros”.
O professor e escritor Abdias do Nascimento afirma no seu livro “O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado” que “esta ideia de eliminação da raça negra não é apenas uma teoria abstrata, mas calculada estratégia de destruição.”
Infelizmente os dados obtidos pela pesquisa só reforçam as palavras de Abdias e demonstram que os índices de desigualdade no país aumentam a cada ano.
Em relação ao gênero, são as mulheres negras as maiores vítimas dessa violência. Do total das mulheres mortas no país, 66% são negras, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 4,1, enquanto a taxa de mulheres não negras foi de 2,5.
São muitos anos que nos separam do I Congresso Universal das Raças, mas as previsões feitas em relação à raça negra no Brasil há 120 anos seguem dizimando a vida de jovens e crianças negras pelo país, ancoradas sobre uma estrutura escravagista e excludente que parece se fortalecer a cada dia no país.
* Doutora e professora da Escola de Educação do Centro Universitário Internacional Uninter.