Há tempos atrás quem poderia imaginar uma liquidação em plena época de Natal? O período magno das vendas para o varejo que até então representava dois terços da venda do ano e com margens gordas? Um diretor de marketing que fizesse uma proposta dessas seria demitido por justa causa. Uma agência de propaganda perderia imediatamente a conta por tamanho sacrilégio. Nem pensar!
Mesmo quando não existia o 13o salário, o Natal sempre foi o melhor período de vendas. Depois que foi instituído por lei em 1962, pelo então presidente João Goulart, portanto há mais de 50 anos, essa gratificação anual paga por todas as empresas aos seus funcionários fez com que indústria e varejo passassem a contar com um bolo extra de dinheiro 100% voltados ao consumo.
Esse era o propósito, mesmo que por interesses políticos. Garantiu por um bom tempo maior robustez à consagrada época de ouro onde pessoas ficavam felizes em gastar sem mexer em seu orçamento e as empresas igualmente felizes em vender encerrando um ano com balanços melhores. A força motriz da roda da fortuna!
Os tempos mudaram. Ainda representando um importante volume de vendas no ano, o Natal perdeu o seu brilho de outrora. O 13º como dinheiro destinado para compras agora é recebido em conta e destinado para tapar buracos do orçamento familiar. Com dinheiro curto, dívidas, inflação maior que a declarada nas estatísticas e economia com pífio crescimento, o consumidor se vê tendo que usar parte, ou todo do seu 13º para pagar empréstimos, parcelas atrasadas e outras obrigações.
Os bancos oferecem até a sua antecipação como empréstimo. A sua finalidade acabou sendo desviada. Para os aposentados e pensionistas do INSS, metade do 13º é creditado junto com os proventos de setembro, muito antes do Natal, e por quê? Porque outubro a cada dois anos é mês de eleições e serve para aliviar as tensões do bolso furado.
Sinais da economia igualmente furada. Ou seja, a capacidade de gastança em presentes e ceia farta foi esvaziada exatamente na contramão da tradição da festa natalina. Copiamos o Black Friday e o copiamos mal.
Nos EUA, onde foi criado, é uma liquidação que se tornou esperada, com forte e verdadeira redução nos preços para eliminar estoques e dar lugar às novas mercadorias.
Além do abuso de alguns comerciantes subirem os preços para falsamente mostrarem descontos – o famoso truque da metade do dobro – o que vimos foi uma disputa acirrada e desesperada de todo tipo de comércio e serviços pelos restos mortais do 13º. Algumas redes de varejo espicharam a sexta-feira até domingo. Todos procuraram se defender como puderam.
O consumidor também. A verdade é que todos estamos no mesmo barco, como no Titanic que só havia botes salva-vidas para a primeira classe. No navio Brasil, sabemos que um iceberg nos espera para criar danos irrecuperáveis em nosso casco, em nossas estruturas democráticas, caso não mudemos o seu rumo político que, por consequência, mudará o modelo econômico e social.
Só não acredita no iceberg quem não quer enxergar. Só pegará de surpresa os que não estiverem preparados e souberem desenvolver a sua rota de crescimento com planejamento e estratégias para os cenários complicados que virão pela frente a começar de 2014. Quem sabe, veremos ainda um Black Christmas!
* Economista e sócio da VSW Soluções Empresariais.