Bestas dos extremos





Salvo raras exceções, o “extremo” costuma ser negativo, danoso. As atitudes, as crenças, as ideias, os prazeres e, até, a liberdade, quando exercidos de maneira sectária, podem ser trágicos. Exemplos: a demasiada fé religiosa costuma levar ao fanatismo; a paixão exacerbada pelo time de futebol, às brigas de torcida; a profusão de direitos em detrimento aos deveres, ao eventual abuso via Justiça…

Não que os direitos, as crenças e as opções individuais sejam ruins. Pelo contrário, especialmente a liberdade, algo a ser posto na condição do sagrado, tal os santos e demais entidades das mais variadas denominações de fé. Porém, às vezes, há fatos surpreendentes.

Verdade é que vivemos numa sociedade em contrastes, na qual existem desocupados insanos que usam do tempo para ofender celebridades apenas porque são negras (supostamente no anonimato da internet) e outros que se fazem de injuriados para tentar ganhar dinheiro fácil, apelando à indústria dos danos morais.

Claro, a proporção é muito maior no extremo das vítimas de preconceito. Todavia, isto não anula o inusitado do oposto, observado não só nas vias da Justiça, mas na “autovitimização”, quando o indivíduo se coloca na condição de sofredor de preconceito para conquistar algo de maneira mais fácil, ou mesmo para justificar alguma falha, senão coisa pior.

Antes que se pergunte o que fazer, então, com os aloprados que ofendem, em redes socais, uma atriz e uma moça do tempo por serem elas negras, é urgente questionar: seria ideal colocá-los, literalmente, numa jaula (posto serem algo não muito distantes de animais), ou simplesmente ignorá-los, dado o fato de que alguém com essa natureza sequer merece ser notado?

Pela legislação, melhor puni-los, assim dando exemplo de que o preconceito é crime – quando assim efetivamente praticado – algo bem diferente do que ocorre na instância do humor, sistematicamente atacado pelo politicamente correto, o qual obtém crescente sucesso na escalada contra a liberdade de expressão e em favor de uma nova censura.

Outro “costume”, lamentavelmente “tradicional” das searas extremas, é o que envolve a agressão contra as mulheres pelos homens. Novamente, que fazer? No caso, com alguém que bate em outra pessoa.

Embora seja um tipo de agressão diferente, física e não verbal, tem característica similar à expressão do preconceito, pelo menos, no que diz respeito à covardia. É fácil ofender alguém sem mostrar o rosto, como não se exige esforço marcar o rosto de alguém menor, mais fraco. Covardia.

Fazer o quê? Colocar os agressores de mulheres junto com os racistas, na jaula. Contudo, menos ruim seria se as punições não precisassem se pautar tanto pela cor de pele ou pelo sexo. Se um dia isto vier a acontecer, talvez, o outro extremo também acabe inibido.

Outro exemplo: precisa ser homem para ser punido? Se uma dessas mulheres adeptas do condicionamento físico de alta performance, musculosas, fortes, tiver relacionamento com um anão e, de repente, enfiar a mão na cara dele, não deveria ser ela, também, sujeita às mais duras penas? (Se acha que uma moça dessas não pode ou não combina com um anão, seria preconceito, não?).

Por essa hipótese, a fisiculturista feminina deveria ser levada à Justiça não pelo namorado ter “baixa estatura”, mas pelo simples fato de ela ter agredido um ser humano (lembrando que deficiente físico masculino não deixa de ser homem por conta da deficiência).

São questionamentos, apenas, os quais também servem para introduzir o episódio local, reportado na edição desta quarta e na qual as autoridades da Polícia Civil informaram que a maioria das mulheres, em Tatuí, retira a queixa contra seus companheiros em seguida à denúncia.

É lamentável, terrível, tanto a agressão quanto a posterior falta de punição dos neardentais. No entanto, também é preciso reconhecer a falta do inusitado nessa situação – ao menos no que se refere à violência contra a mulher.

Se pouco mudou, foi graças à Lei Maria da Penha, que viabiliza, sim, a punição dos agressores, desde que as vítimas não se coloquem a favor de seus algozes no seguimento das ações policiais e judiciais.

Novidade – pelo menos para quem não é da área policial – foi outro tipo de ocorrência comentado pela titular da Delegacia da Mulher, Silvia Fernanda Betti Albiero, que se coloca, enfim, no outro extremo do problema.

Inicialmente, a delegada informou haver cerca de 50 ocorrências envolvendo mulheres ameaçadas e agredidas pelos companheiros por mês, sendo que a maioria retira a queixa.

“O medo de perder a guarda dos filhos, falta de dinheiro e de serem agredidas novamente são os principais fatores que contribuem para tal atitude”, explica a delegada.

De acordo com ela, há casos em que a mulher chega a registrar mais de uma vez uma ocorrência contra o companheiro, entretanto, por medo, acaba voltando atrás.

“Nós temos um índice muito alto de vítimas constantes de agressões, que são sempre as mesmas. Elas não se separam de seus maridos”.

Silvia ainda enfatizou outro fator que contribui para que as agredidas retirem as queixas: as ameaças dos companheiros.

“Eles usam o que está a seu favor para estimulá-las a não continuarem com a queixa. Na maioria dos casos, os maridos as ameaçam, dizendo que vão retirar a guarda de seus filhos”.

A delegada diz que isso ocorre porque, em muitos casos, apenas o homem trabalha e sustenta a família, deixando, assim, a mulher vulnerável.

“Também há casos em que as mulheres retiram as queixas por acharem que a violência não voltará a se repetir, então acabam se sujeitando às agressões”, acrescenta.

Silvia contou existir mulheres que pagaram a fiança para libertar o marido, após flagrante de agressão. “Isso é comum. Nós fazemos o flagrante do marido e, no dia seguinte, a mulher retorna à delegacia e diz que pensou melhor”.

E pior: a delegada acredita que os casos mais graves de agressões às mulheres não chegam ao conhecimento dela, pois as vítimas ainda têm medo de denunciar.

Longe disso, ela informa que, dos 50 boletins de ocorrências que geram inquérito policial, apenas 5% das mulheres envolvidas realmente se separam dos companheiros.

Ou seja, uma triste realidade, sobre a qual nem mesmo a lei e as autoridades têm poder para interferir de maneira totalmente eficaz.

Já o surpreendente, no oposto, aparece nos casos em que “os papéis se invertem”. Conta a delegada: “Muitas dessas mulheres querem manter relações sexuais com o marido, e eles não querem. Aí, elas recorrem à delegacia e registram queixa por agressão. Depois, a ‘vítima’ pede a medida protetiva para ameaçar o marido”.

Pela Lei Maria da Penha (11.340/06), os juízes podem determinar a execução de medidas protetivas de urgência para não só assegurar o direito da vítima, mas a proteção dela e da família.

O acusado de violência doméstica que descumprir as medidas, como a que obriga o afastamento do lar, proíbe a aproximação com a vítima e exige que restitua a ela bens indevidamente subtraídos, pode pegar até seis meses de prisão.

Como se observa, o ser humano – agressor ou vítima, neardental ou moderninho – é capaz de múltiplas maldades, seja pelo punho ou na rasteira, seja pelo maquiavélico oportunismo. Daí pode-se concluir que, embora boa parte dos homens e mulheres deixou de ser troglodita, todos ainda mantemos nossos instintos animais.