E não é que, antecipada e extraoficialmente, a campanha eleitoral de 2022 já dá as caras (sem máscara e nem pudor, em certa parte) e apresenta suas armas, ainda apostando que, como em 2018, mais vale atacar e detratar os inimigos imaginários com fake news que apresentar ideias e propostas realmente produtivas ao município, ao estado e ao país?
Pois é, deu certo nesse ano, quando os ânimos estavam absolutamente exaltados e a impaciência com a política entendida como “tradicional” havia chegado a um limite crítico, então abrindo espaço a aventureiros travestidos de salvadores da pátria – como tantas vezes antes, todas redundando em decepção.
Neste momento, entretanto, a realidade se mostra bem diferente, a partir de mais de 650 mil pessoas mortas por causa de uma pandemia – número que, indubitavelmente, poderia ser menor não fosse o negacionismo -, além da evidente deterioração das políticas nas áreas social, cultural, ambiental, econômica e, entre outras, da própria democracia, constantemente ameaçada por golpes – seja de forma direta ou indireta, através do “aparelhamento” de órgãos de governo, os quais deixam de servir aos interesses do estado para se prostrarem a um projeto de poder particular e absolutista e à blindagem dos que dele fazem parte.
A despeito de tudo isso já ser tão indisfarçável e, por consequência, não enganar mais a tanta gente, ainda há quem não notou – ou não quer admitir – que o fenômeno do extremismo que beneficiou a suposta renovação na política brasileira dificilmente deve se repetir.
E isto porque, na prática, não renovou nada, apenas fez uso dos mesmos métodos de sempre. O chamado “orçamento secreto” está aí para o comprovar – uma adaptação do antigo mensalão, que deixa de buscar seus recursos na iniciativa privada das megaempresas para tirá-los já de uma vez diretamente dos cofres públicos.
Esta percepção da realidade é evidente, notada pelo próprio desgaste de muitas das figuras sectárias da política nacional, tanto das que ainda se sustentam no poder quanto as que já foram defenestradas por seus antigos parceiros (porque também não há lealdade entre eles mesmos, os radicais).
Contudo, uma coisa não mudou: a crença de que, mais uma vez, bastarão as redes sociais para se enganar a população com uma bela campanha de fake news, pautada não apenas em muita mentira, mas também em agressões e mensagens tão escatológicas quanto imaturas.
Sem denominações – até porque isso só iria contribuir-lhes com a campanha de manipulação -, esta prática desleal e tosca já se encontra nas redes sociais voltadas a Tatuí.
Por sua vez, assim, vale a reprodução de artigo do jornalista Joel Pinheiro da Fonseca, publicado na Folha de S. Paulo, a respeito justamente do uso das redes sociais, cuja origem instigou tanta euforia positiva e, agora, mostra-se tão decepcionante. Diz ele:
“Acho que foi em fins dos anos 90. Um artigo numa revista semanal trazia a seguinte previsão: com o advento da internet, a rede mundial de computadores, a informação tornava-se mais abundante e acessível. Com acesso instantâneo a tanta informação, divergências seriam cada vez mais rapidamente sanadas.
Eu e você discordamos sobre uma política? Ora, é só checar os dados de sua aplicação aqui e em outros lugares. Com cada vez mais dados disponíveis, as opiniões tenderiam a convergir. Algo inquietou meu coração adolescente naquela visão de futuro, tanto que lembro dela até hoje. Então era assim que a liberdade morreria?
Essa foi só uma dentre tantas utopias que visionários da tecnologia projetaram. Talvez o documento mais simbólico do entusiasmo digital tenha sido a publicação em 1996 de ‘Uma Declaração de Independência do Ciberespaço’, do americano John Perry Barlow, fundador da Electronic Frontier Foundation.
‘Estamos criando um mundo em que todos podem entrar sem privilégios ou preconceitos atribuídos a raça, poder econômico, força militar ou nascimento. Estamos criando um mundo onde qualquer um, em qualquer lugar pode expressar suas crenças, não importa quão singulares, sem medo de ser coagido ao silêncio ou à conformidade.’
O sonho da ágora global, da completa liberdade que levaria à colaboração universal, era muito forte. E conheceu várias versões. Mais recentemente, as redes sociais engendraram uma nova rodada de utopismo.
Clay Shirky, entusiasta das redes, viu nelas a ferramenta para cooperação global que derrotaria o autoritarismo e acabaria com o monopólio do conhecimento, conforme argumentou em ‘Lá vem todo mundo: O poder de organizar sem organizações’ (publicado originalmente em 2008).
Esse otimismo progressista encontrava seus motivos: as redes foram centrais na campanha vitoriosa de Obama; e foram decisivas para a mobilização de jovens no Egito na ‘primavera árabe’. Jovens, democracia, redes, poder; como poderia dar errado?
Mas deu. Hoje em dia, os únicos que ainda insistem no caráter colaborativo e construtivo das redes sociais são seus proprietários. Disse Mark Zuckerberg em sua carta pública de 2021: ‘Em nosso DNA, construímos tecnologia para juntar pessoas. O metaverso é a próxima fronteira em conectar pessoas, assim como foi a rede social quando começamos’.
O futuro próximo dirá se ‘metaverso’ envelhecerá tão bem quanto ‘ciberespaço’, mas o presente já nos mostra que as redes se mostraram excelentes para fustigar e até derrubar tudo o que aí está —qualquer coisa identificada como ‘o sistema’, toda forma de processo institucional— mas péssimas em promover consenso e colaboração em larga escala.
Ao contrário das utopias sonhadas, a vida online nos deixou mais briguentos, aumentou nossas divergências, alimentou o ódio a identidades políticas diferentes e tem até limitado nossa liberdade de expressão.
Dados e fatos, justamente por serem tantos e tão desencontrados, nos afogam. Não é que o homem busque dados e, com base neles, confirme ou corrija suas crenças. Cada um de nós seleciona os dados mais convenientes para reforçar suas próprias narrativas explicativas da realidade. Quanto mais dados disponíveis, mais fácil fica esse trabalho.
Caminhamos para a divergência final, que abre mão dos meios democráticos e só pode ser resolvida com a violência. Meu coração já adulto continua inquieto: então é assim que a liberdade morrerá?”.
Enfim, é de se concluir que, a depender da vontade das falsas figuras “do bem” – com seus preconceitos indisfarçados, arrogância soberba e brutal insensibilidade, sim, a liberdade há de acabar, substituída por um autoritarismo igual a esse que, hoje, como o da Rússia, põe em risco a vida no planeta (não à toa, apesar de ser “comunista”, Wladimir Putin pouco tem sofrido críticas pelos chefes da matilha nacional, senão “solidariedade”).
De qualquer maneira, os fatos são claros quanto à bandalheira criminosa nas redes sociais. Cabe à população, portanto, definir se irá, novamente, apostar seu voto – e o futuro do país – em agressões, ódio e fake news.