‘Aqui é igual deserto’, relata assentada que briga por terra





Cristiano Mota

Assentada há quatro meses, Elenir Rodrigues deixou casa na cidade

Elenir Rodrigues está no assentamento “Cesário Silva” há quatro meses. Durante esse período, precisou desbravar – quase que no pleno sentido da palavra – o espaço no qual vive. Ela ocupa um barraco construído com ajuda de membros da família num dos arredores da fazenda Araras, ocupada pela FNL.

Visitado pela reportagem de O Progresso, o espaço é modesto e segue uma espécie de padrão de construção. Todos os barracos são feitos de madeirite e, basicamente, possuem um único cômodo. Banheiros e cozinhas ficam do lado de fora.

Algumas das moradias improvisadas são cobertas por lonas, o que ajuda a afastar insetos, mas aumenta a temperatura interna durante o dia. “Aqui é igual deserto: muito quente à tarde e muito frio à noite”, relatou a dona de casa.

Elenir engrossa a lista de mulheres que permanecem no local por “acreditarem na causa” e para defenderem o “direito de ganhar um terreno”.

Por conta das regras internas – assinatura de livro e participação em reuniões –, quem não segue as determinações pode ser considerado não habilitado para a futura contemplação.

“Estou esperançosa. É difícil ficar aqui, mas eu prefiro aqui, do jeito que está, do que a cidade”, comentou. A dona de casa deixou a residência aos cuidados do marido. Dois dos três filhos dela permaneceram com o pai, por conta da escola e do trabalho. A filha mais nova acompanha-a no acampamento.

Ela também convive com sobrinhos e uma irmã. Todos mudaram as rotinas em troca da esperança de obter uma propriedade.

Como todos os assentados, Elenir volta a Tatuí pelo menos uma vez por semana. Quando passa pela cidade, visita a casa, no Jardim Donato Flores, e pega alimentos que usa para se manter por um período. O acampamento não tem cozinha comunitária, tampouco oferece alimentação.

As vindas a Tatuí são controladas, uma vez que elas são feitas de automóvel. Não há circulação de ônibus pelas proximidades, e quem não possui veículo tem de contar com a boa vontade dos outros assentados para ir e voltar.

Este é o caso de Maria Leonilda dos Santos, que vive no barraco de número 181. “Tenho contato na cidade e, de vez em quando, capino um terreno para levantar dinheiro. Fico quatro dias aqui e, depois, vou a Tatuí. Retorno para ver meu irmão, que é deficiente e que trarei comigo”, relatou.

O sacrifício é considerado válido pela aposentada, uma vez que a FNL promete terra e infraestrutura. José Rainha Júnior afirmou que, quem vier a ser assentado, pode receber até R$ 83 mil como ajuda para os primeiros investimentos (aquisição de carroça, ferramentas, entre outros) e construção de moradia.

São recursos disponibilizados pelo governo federal, por meio de cartão e do PNHR (Programa Nacional de Habitação Rural) – o Minha Casa, Minha Vida do campo.

Ainda conforme ele, o assentamento poderá receber investimentos do programa “Luz para Todos”, além de água e abertura de ruas. “Tudo isso sai gratuitamente para os trabalhadores”, afirmou.

De olho nos benefícios, Andréia Ferreira Lopes disse que cumpre à risca todos as regras do acampamento. A cada semana, os integrantes são pontuados. Ela, por exemplo, recebeu dez pontos por participar de invasão promovida pela FNL, no mês de outubro, a escritórios do Incra em São Paulo.

“Tenho fé em Deus que vou pegar um pedaço bom para mim. E Deus vai me abençoar”, disse ela. A assentada faz parte do maior grupo de pessoas que está no acampamento. São mulheres que recebem apoio dos maridos e de familiares e que buscam conquistar um alqueire.

Neste sábado, 22, a dona de casa vai se juntar aos demais assentados para participar de “ocupação efetiva” da propriedade. A FNL planeja realizar os primeiros plantios na área ocupada, no período da manhã. “Nós vamos passar trator e tudo. Vamos ‘torar’”, antecipou o dirigente da FNL, Luciano de Lima.

A frente só deve deixar a região quando “não houver mais latifúndio”. Isso porque Rainha disse que o assentamento em Quadra pode ser o “primeiro de muitos”. “Nós estamos só abrindo a picada. Logo, vamos ver o clarão”, finalizou.