Apenas para ‘oiá’





Na verdade fazia tempo que eu não pegava a estrada e ia para lá. Caminho tão antigo, com tantos contornos conhecidos, tão familiares que fui, eu mesmo, me perguntando o porquê de não arranjar tempo nem vontade de ver como andavam as coisas naquela pequena fazendinha. O sítio – como muitos o chamam – pertence a nossa família e fica em Itapecerica da Serra, cidade antiga, bem perto da capital paulista, numa região chamada de Potuverá, à beira da rodovia Régis Bittencourt, no caminho para o Paraná.

No trajeto pensava em quanto é bom se distanciar da capital, do movimento das ruas, dos embates políticos, das passeatas, da violência… e mergulhar dois quilômetros na Mata Atlântica secundária (como chamam os especialistas), sentindo o cheiro do mato e pensando na vida. Logo que cheguei, a imagem da antiga casa, do gramado, das flores, me fez lembrar minha infância e adolescência, os amigos, geralmente filhos de caseiros que, de uma forma ou de outra, me ajudavam a selar os cavalos sem raça definida que mais socavam do que andavam. Bem ao lado do sítio existe até hoje um vilarejo muito antigo chamado “Vila dos Freitas”. O lugar tem esse nome simplesmente porque, há mais de 200 anos, viveu lá o casal Freitas – hoje vivem lá seus descendentes, tanto que todos ali têm o sobrenome Freitas, inclusive o nosso caseiro, Antônio. Aliás, caseiro não, ele é “tomador de conta” do sítio, como ele gosta de dizer.

Descobri com o tempo que existem nos sítios da região duas modalidades de “tomador de conta”: os que trabalham de fato e os que são contratados apenas para “oiá”. Portanto, a primeira pergunta que fazem ao serem consultados é: “É pra trabaiá ou só pra oiá?”. Logicamente existe diferença de preço: oiá é bem mais barato; mas é mais uma particularidade da região.

Caminhando pelos jardins e pelas plantações de eucalipto, senti uma enorme satisfação ao ter novamente o contato com a natureza, envolto ao cheiro de mato e ao perfume emanado das altas árvores. Naquele instante, pus-me a refletir sobre a necessidade do ser humano de estar em contato com a natureza, com os pássaros, com a calça grudada de mato, terra nos sapatos, ou seja, um imenso contraste com a vida na cidade.

Já quase me despedindo, como sempre, fui pegar no carro meu iPad para tirar uma foto do jardim, que postei no famoso Facebook. Foi um sucesso total, muita gente “curtiu”; e isso por um momento me fez pensar que meu dom talvez seja a fotografia – e não a literatura. Mas a grande verdade é que todos como eu estamos cansados, exaustos de falar em política, corrupção, eleição, impeachment, volta da ditadura, MST e essas coisas pesadas que acabam sugando nossa energia. A vida simples está na moda e está aí o presidente do Uruguai, o José Mujica, que não me deixa mentir. A palavra é despojamento e a ordem do dia é ir para o campo, contratar um caseiro só pra “oiá”, evitar os jornais e jamais pensar em escrever sobre política. Talvez fosse bom, se eu conseguisse, mas, inevitavelmente, tenho de retornar à realidade do dia a dia e enfrentar um país complicado. Não é fácil, e mais, do jeito que as coisas andam, logo pouco emprego teremos, restando a nós apenas a modalidade de alguns da “Vila dos Freitas”, que é só observar, só “oiá” as coisas acontecerem, porque emprego mesmo vai rarear e a saída será a desilusão com a política para ficar apenas curtindo fotos de jardim. Cá entre nós, é bem mais saudável e nos deixa bem menos irritados…

* Advogado, jornalista, mestre em direitos fundamentais, membro da Comissão de Direitos Humanos OAB-SP