Agir contra exploração do trabalho infantil em Tatuí

Pode ser que muitos na casa dos 30 anos para cima lembrem-se até com certo saudosismo da época em que, quando crianças, “ajudavam os pais no trabalho”.  E muito do que são hoje, como profissionais, pode mesmo ser devido a essa experiência.

Educar os filhos, por certo, não se resume a indicar o que “machuca e o que não machuca”, a dar mínimos exemplos de postura civilizada e dignidade, a pelo menos tentar instruir sobre o que seria certo e errado e, por fim, simplesmente “colocar na escola”.

Talvez, a responsabilidade pela educação esteja  passando por um de seus momentos mais desafiadores, não apenas porque as “telas” e suas redes sociais acabam preenchendo espaços em aberto deixados pelos pais e mães – com ou sem intenção, com sobra ou falta de tempo pelos afazeres diários, o que tanto faz quanto às consequências.

Isso, também, porque o próprio conceito de “certo” e “errado” tem se esvaído em meio à bruma intoxicante dos extremismos, os quais, não raro, apresentam como ser do “bem” maltratar os “diferentes” – quando não os exterminar.

Não é incomum, por consequência, filhos de pais que nunca leram um livro sobre política, história e economia (e, portanto, eles mesmos nem saberem do que estão falando) dizerem aos coleguinhas que esta e aquela figura pública são “comunistas” ou “fascistas” e, assim, sendo “do mal”, merecem morrer…

Por nada, influências dessa natureza podem ser de longe vislumbradas como educação, merecendo, urgentemente, profunda reflexão de pais, mães, educadores e mesmo dos políticos em geral, até por estes próprios poderem delas ser vítimas em futuro não tão distante.

Quanto à proximidade das crianças com o trabalho dos pais – senão de pessoas de confiança a proporcionar-lhes algum tipo de labor (naturalmente apropriado à idade de cada um) –, cabe apenas bom senso, cuidado e observação constante. De resto, não seria necessariamente ruim.

O extremo oposto desta realidade, portanto, nem sempre é positiva, particularmente quando se observa que boa parte de várias gerações só chega a saber o que é trabalho quando já na idade adulta.

Nessa situação, não de maneira surpreendente, acaba tornando-se parte de incontáveis profissionais sofríveis (não raro, até portando-se como se ainda tivessem de ser tratados como “filhinhos” e não “funcionários”).

Nada disso, entretanto, tem a ver com a exploração do trabalho infantil, invariavelmente desumano, cruel e injusto por absoluto, exatamente por atingir somente as famílias pobres. Combatê-lo, portanto, é obrigação política, social e moral!

Tatuí, neste aspecto, possui um excelente dispositivo de justiça: a Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, que retomou o trabalho neste ano e busca criar um fluxograma para o atendimento dos casos de exploração do trabalho infantil.

A criação do novo protocolo já foi pauta das duas primeiras reuniões mensais da CMETI, em janeiro e fevereiro, e, em março, deve ser formalizada pelo grupo de trabalho, reunindo representantes dos setores de assistência social, educação, saúde e segurança pública.

De acordo com o secretário da Assistência e Desenvolvimento Social, Alessandro Bosso, o “fluxo” faz parte de um projeto construído para orientar os serviços de atendimento a respeito do trabalho infantil, a exemplo do “Protocolo de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência Sexual do Município de Tatuí”, lançado em maio de 2019.

Para isso, o secretário acentuou estarem previstas diversas etapas, que envolvem reuniões e debates para o estudo e compreensão dos fluxos internos das principais instituições que atendem a este público, até que possa ser traçada uma forma de padronizar os procedimentos de atendimento.

O grupo de trabalho conta com representantes das secretarias dos Direitos Humanos, Família e Cidadania, da Educação, da Assistência e Desenvolvimento Social, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), do Conselho Tutelar de Tatuí, da Justiça Restaurativa, do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e de organizações da sociedade civil.

O protocolo terá um organograma constando todos os setores tidos como portas de entrada de denúncias, como escolas, centros de referência, delegacias, Conselho Tutelar e outros. Cada órgão será identificado com descrição da função do setor e quais os procedimentos inerentes a cada um deles.

O assessor da Secretaria de Direitos Humanos, Família e Cidadania, Willian Alexandre Nunes da Silva – um dos membros da comissão -, informa que a intenção é desenvolver um trabalho de rede, incluindo todos os órgãos envolvidos.

Segundo a comissão, em Tatuí, a exploração deste tipo de serviço ocorre principalmente entre as crianças e adolescentes que ficam nos semáforos vendendo balas, doces ou pedindo ajuda financeira.

Somente nesses locais, a CMETI estima que os casos tenham dobrado em 2022, na comparação com o período anterior ao da pandemia (2019). O órgão municipal não cita números, mas avalia o crescimento como decorrência da crise gerada pela Covid-19.

Bosso e Silva destacam que a compra dos produtos oferecidos nos semáforos não ajuda as crianças e adolescentes de maneira efetiva, e ainda pode estimular a permanência delas na rua.

Segundo eles, na maioria das vezes, as crianças estão sendo exploradas por adultos e expostas a outros tipos de violências físicas e sexuais, aliciamento e recrutamento à venda de drogas e ao próprio uso delas, fora as questões de saúde e riscos de acidente.

Além disso, eles relatam que, por conta da exploração do trabalho infantil, ainda houve maior índice de evasão escolar. “Infelizmente, muitos começam a trabalhar cedo, abandonando a escola e colocando as vidas deles em risco”, pontuou Silva.

Conforme a secretária dos Direitos Humanos, Família e Cidadania, Elaine Miranda, de forma paralela, a comissão ainda trabalha no incentivo à capacitação dos adolescentes que já podem ser contratados por empresas pelo Programa Jovem Aprendiz.

“A comissão também está planejando ações visando a inclusão das crianças e dos adolescentes na escola, nos projetos sociais e nos programas de aprendizagem, que são formas de trabalho, porém, com a proteção e o cuidado necessário”, sustentou a secretária.

Para finalizar, os representantes da comissão ressaltam que, ao se presenciar qualquer ato que se caracterize como trabalho infantil, deve-se entrar em contato com as redes de denúncias “Disque 100” ou “Disque 181”.

Como sempre, o melhor caminho passa pela educação, que, sim, precisa ser garantida, tal como iniciativas na área social, a partir de suporte do estado e, também, de empreendedores responsáveis socialmente. Para se garantir um futuro melhor, é preciso encarar e combater o pior do presente. E tem coisa pior que explorar crianças?