Tornou-se comum ver pessoas criticando o agendamento de cesáreas sem argumentos consistentes. Parece modismo. A questão é que comprar ideias prontas e propagá-las por aí sem se aprofundar no tema é, no mínimo, uma inconsequência. Pode redundar em importante risco à saúde da mulher e do bebê.
Seja do ponto de vista médico, ético ou legal, o agendamento de cesárias é absolutamente correto, além de imprescindível em inúmeras situações. É imperioso, por exemplo, quando há sofrimento fetal com alto risco de mortalidade fetal intraútero. Esse é um caso no qual as condições de saúde do feto encontram-se extremamente deterioradas. Portanto, para salvaguardar a vida do feto, é vital a indicação de cesárea.
Da mesma forma, temos de considerar os riscos de agravos à saúde da mãe frente a uma pré-eclâmpsia grave ou determinada doença clínica. Existe, de outra parte, apenas para servir de exemplo, situações específicas, como nos casos de placenta prévia centro-total, que igualmente justificam o agendamento para o adequado atendimento destes casos.
Por outro lado, a vontade da paciente é soberana. É dela a autonomia para escolher um parto por via cesárea ou por via vaginal. Cabe ao médico
aguardar a plena maturidade fetal para que não haja risco de sofrimento ao feto depois de nascido, ou seja, ao recém-nascido. Nestas circunstâncias é
mais do que justificado o agendamento da cesárea.Devemos lembrar também que o agendamento de uma determinada cesárea deve ser feito com a brevidade necessária para atender à singularidade de cada uma das indicações consideradas. Por esta razão, existem situações em que o agendamento se faz para as próximas horas, quase um procedimento
emergencial, enquanto em outras, o agendamento pode aguardar dias ou até semanas. Nós não somos a favor do agendamento indiscriminado dos partos, sem motivo consistente. Não havendo indicação, óbvio, não há razão para o agendamento
de uma cesárea. Essa discussão é relevante e deve se dar em patamar de racionalidade, com transparência das partes envolvidas, quaisquer que sejam elas. Não pode ser contaminada por passionalismo ou fanatismo. Precisamos de responsabilidade
para a formulação de políticas de saúde adequadas à assistência ao parto.
As sociedades médicas de ginecologia e obstetrícia estão envolvidas e compromissadas a oferecer a melhor assistência ao parto sempre visando, em primeiro plano, o bem-estar da mãe e do recém-nascido. A imensa maioria dos médicos compartilha esse pensamento e tem prática elogiável. Isso fica ainda mais evidente se considerarmos a fragilidade estrutural do modelo de assistência obstétrica do Brasil, as mazelas do sistema público, do sistema de saúde suplementar e do obscurantismo de muitos gestores, aos quais, felizmente, obstetras e parturientes estão subjugados. Os obstetras fazem o melhor possível diante da realidade caótica que lhes é oferecida.
* Diretor científico da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo e presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia