Até o indivíduo supostamente maduro recusar-se a tomar vacina tendo como causa o medo da picadinha, vá lá – abstraindo-se o aspecto risível. A situação complica quando a recusa parte de motivos mais sombrios, senão preocupantemente questionáveis, como alguns a seguir em alta neste momento alucinante.
Um dos mais impressionantes sustenta a tese de ser ineficaz a vacina produzida a partir da China contra o novo coronavírus – quando não um veneno…
Mais esta teoria “conspiracional” – tal outras tantas quanto à incoerência – parece crer que a potência oriental, ao mesmo tempo, quer conquistar e destruir o mundo.
Seria interessante pensar que, se uma praga global dizimasse boa parte da população, isto não seria conveniente a quem busca maior mercado consumidor – tanto para suas réplicas sem virtude admirável quanto para sua internet 5G, já claramente mais eficaz e barata que a tecnologia norte-americana (se o Brasil não a considerar, será “apenas” mais um azar do país).
Longe de acabar com a civilização ocidental, seria muito mais oportuno à China, por conseguinte, apresentar a cura à Covid-19 antes dos demais países e sem qualquer desconfiança.
No enfrentamento à pandemia – e a bem do mercado -, sim, interessa também o lucro a ser absorvido pela Sinovac, responsável pela vacina Coronavac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, que promete ser a primeira a chegar ao mercado.
Não obstante, a corrida pela vacina não se resume a dinheiro, como também implica em reconhecimento à capacidade tecnológica dos países na disputa. É uma mostra de prestígio e “poder” em amplo sentido.
Daí o fato das interferências políticas e ideológicas “toscas” a sobreporem-se à saúde pública e, assim, à própria vida da população. Cabe bem o resgate de expressão marcante da contemporaneidade para exemplificar o descalabro: “E daí?”
Ou seja, e daí se essa vacina pode salvar vidas? É da China, é de São Paulo, é do Doria… Parecem ser estas as questões mais relevantes para os desmascarados, que aceitam mascar hidroxicloroquina feito balas Juquinha – sem confirmação definitiva de eficácia -, mas exigem “comprovação científica” da vacina chinesa…
Mesmo ignorando-se o fato de o presidente norte-americano, “quando doente”, não ter feito uso da hidroxicloroquina, é de se concluir, decerto, que o Instituto Butantan – reconhecido mundialmente pela competência e credibilidade -, está há meses brincando de casinha de cientistas malucos, ou, pior, atuando a favor desse tal projeto de dominação mundial “comunista”, só não mais hilário que irreal.
De resto, óbvio: qualquer medicamento carece de comprovação, assim como os responsáveis pela saúde pública não podem escapar de insuspeita expertise na área – lembrando estar à frente do Ministério da Saúde um general e não um médico.
A bem da justiça, contudo, é importante anotar que o general Eduardo Pazzuelo, nesta terça-feira, 20, anunciou a aquisição da vacina chinesa, demonstrando bom senso e consciência quanto à responsabilidade e ao cargo vital neste momento.
Mas, o que fez o presidente já no dia seguinte? Aqui em nossa vizinha Iperó, desautorizou o titular da Saúde e negou o anunciado no dia anterior… “E daí?…”
Para melhor compreensão, os fatos: o governador João Doria anunciou, na segunda-feira, 19, que a vacina contra o novo coronavírus, do Butantan, encontra-se em fase final de testes no Brasil.
Estudos clínicos com 9.000 voluntários, com idade entre 18 e 59 anos, mostram que apenas 35% tiveram reações adversas leves após a aplicação, como dor no local da picada ou de cabeça. Não houve registro de efeito colateral grave durante a testagem, segundo divulgado.
O desenvolvimento da vacina no Brasil foi iniciado em julho, por meio de parceria entre a biofarmacêutica Sinovac Life Science, com sede em Pequim, e o Butantan. A Coronavac é apresentada como um dos imunizantes mais promissores em fase final de estudo no mundo e feita com base em tecnologia similar à de outras vacinas produzidas com sucesso pelo Butantan.
A partir deste mês, a testagem do potencial imunizante contra o coronavírus está sendo ampliada para voluntários idosos, portadores de comorbidades e gestantes.
“A vacina Butantan é a mais segura em termos de efeitos colaterais. É a vacina mais segura neste momento não só no Brasil, mas no mundo”, afirmou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan.
Até dezembro, o Butantan receberá 46 milhões de doses da Coronavac, sendo 6 milhões já prontas para aplicação. Outras 15 milhões de doses devem chegar até fevereiro de 2021.
Esse primeiro lote seria justamente o adquirido pelo governo federal, o qual deveria distribui-lo por meio do programa nacional de vacinação.
Atualmente, o Brasil tem quatro testes de vacinas em andamento. Além da Sinovac, há uma em parceria entre a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, a ser produzida pela Fiocruz.
A Anvisa também já deu aval a estudos clínicos de uma vacina em desenvolvimento pela Pfizer e de outra, da Janssen, braço farmacêutico da Johnson&Johnson.
Fosse uma dessas outras opções já à disposição, certamente não haveria polêmica, mostra de que o país pode até não ter autoridades contra a vacina chinesa por medo da picadinha, mas tão somente por falta de sensibilidade e empatia – só não menores que a insensatez e o fetiche pelo poder.
Portanto, replica-se novamente a expressão da moda: “E daí?” E daí se a vacina redentora vier da China, de Oxford, da Pfizer, da Johnson&Johnson ou da casa do chapeleiro louco?
Não deveria importar, acima de tudo, que venha a proteger a população e a impedir mais seres humanos de morrerem antes do tempo?
Ou, quem sabe, não… Afinal, também como se diz neste novo anormal do Brasil, “todos vão morrer um dia mesmo”…