A responsabilidade criminal no Brasil e no mundo





O tema é tão controverso e complexo que não me arriscaria a expor uma posição pessoal. Há que se passar por estatísticas e conhecer a população mais pobre, como vivem os menores de 18 nos rincões mais carentes. Muitos até descalços, 12 anos ou menos, portando armas, vendendo drogas e praticando toda sorte de delitos. A maioria deles sem estudar, sem saneamento e vivendo em desagregação familiar, e cursando a pior de todas as escolas: as ruas. A matéria também passa pela psicologia e pela antropologia; opiniões devem ser pesadas com bom-senso e conhecimento da prática em outros países.

Enquete recente deste O Progresso, que apontou 90% a favor e 10% contra a maioridade aos 16 anos, mostra resultado igual ao de pesquisa em larga escala nacional, uma semana depois, pela “Folha de São Paulo”: “Nove em cada dez apoiam maioridade penal aos 16”, diz o título da matéria (22 de junho, pág. B7). Há uma elite – no sentido vernacular, “melhor qualidade em um grupo social” (Houaiss), e não o coloquial riqueza  – bem esclarecida que é contra a redução por razões que vão desde a falta de condições carcerárias para abrigar os menores, que cedo ingressariam (embora provavelmente já vivessem) na “escola do crime”. E há um arremedo de elite que não conhece nada, apenas brada com o “charme discreto” contra, e mal consegue discutir o assunto. Há que se distinguir uns e outros. A grande massa que parece se guiar pela vivência pessoal é mais favorável, enquanto outra elite opina também pela redução. (Sem cair em partidarismos, por favor).

Sempre detestei as doutrinas sociais mais reacionárias apoiadas no distanciamento científico (na minha época de escola, “epistemológico”), mas é preciso estar de cabeça fria para refletir sobre o que defensores e detratores da proposta de emenda constitucional (PEC) pensam. Nos EUA, onde morei, vi menores sendo presos com algemas, depois de ouvirem a ladainha da 5ª emenda da Constituição – aquele “você tem direito de permanecer calado, tudo o que você disser…”. Pena que os últimos acontecimentos de fundo racista macularam essa imagem, à sombra de um preconceito que é rescaldo da Guerra da Secessão, quando escravagistas queriam se separar do resto do país. A polícia branca falhou. E matou cruelmente um jovem negro.

Meu filho mais velho tem nacionalidade americana e mora em Seattle. Disse-me que há ao menos duas crianças, de 12 e 13, no corredor da morte, o temido “death row”, condenação que somente por indulto pode ser comutada. Para nós, é um exagero brutal, mas há ainda o agravante de uma questão peculiar à legislação de certos Estados americanos: a pena de morte. Dados de países europeus levantados pela CRIN (“Child’s Right International Network”, ou Rede Internacional dos Direitos das Crianças) apontam a idade em que o menor pode ser processado criminalmente em cada país: Alemanha: 14, se há convicção do discernimento do menor sobre o que faz; Andorra: 13; Áustria, 14; Bélgica, 14; Bulgária, 14; Dinamarca, 14; Espanha, 14; Finlândia, 15; França: não há uma idade absoluta, mas já entre 8 e 10 anos há supervisão, assistência e educação quando ao autor do delito é imputado o discernimento, o “saber o que está fazendo”; Grécia: de 13 a 15, reformatório, e de 15 em diante, prisão; Inglaterra e Reino Unido, em quase todos seus países, 10; Islândia, 15; Irlanda: 12; Itália: 14, Liechtenstein: 14; Mônaco: 13; Noruega, 15; Países Baixos (Holanda à frente): 12; Polônia, 17; Portugal, 16; República Tcheca: 15; Rússia, 16; Suíça, 10. (Fonte: www.crin.org/en/home/ages/europe).

Ao leitor devo esclarecer, mais uma vez, que não deixo juízo de valor de minha parte, dentro de meu proposto “distanciamento”, dada a complexidade do assunto. Expus acima apenas a um levantamento feito por uma organização internacional de defesa dos direitos das crianças. Mais uma vez, não sou capaz (e duvido quem tenha dados para fazer essa contraposição) de discutir se nesses países a criminalidade, especialmente a infantil, diminuiu, nem quais as condições especiais reservadas para eles, discussão que envolveria um estudo monumental. Trato apenas de colocar os números que tenho às mãos sobre a mesa. No Brasil, há gente muito bem informada e fundamentada que se opõe à PEC que tramita no Congresso. Juntam-se os que têm um conhecimento superficial e pueril sobre o assunto, mas que são contra, erguendo bandeira política, fazendo eco ao seu grupo social.

Outra possibilidade foi aventada e descartada: um plebiscito. De acordo com diversas pesquisas, uma suposta votação resultaria em um tsunami a favor da redução. Mas sufrágio é sufrágio, ponto. Haveria ainda uma questão controversa: menores a partir dos 16 anos já são eleitores e podem votar – “in rem propriam”, no jargão forense. O mesmo povo que elege presidentes da república e governadores votaria com a sua consciência. Por fim, perdoem-me pela insistência em me abster de opinar sobre o assunto, mas, isenção à parte, parece-me delineada a tendência popular.

Caberá ao Congresso decidir e, como se trata de uma EM (emenda constitucional), não haverá poder de veto da presidente. Os opositores da medida deverão apenas resignar-se, assim como tiveram de se conformar os que não ficaram satisfeitos com os resultados do último pleito para cargos majoritários ou com alguma lei ou emenda de que discorde, caso vingue a PEC. Ou se respeita a Constituição e a democracia ou tudo não valerá mais nada – seja o resultado qual for.