Marcus Vinícius de Souza *
O que literatura tem a ver com medicina? Tudo. Tudo? Exatamente. Ambas se vinculam, para se desenvolverem, às humanidades. É a partir da interação médico/paciente, do narrador/leitor, que as falas (e os silêncios) são interpretados.
Essa “leitura” é o norte, a bússola, o que se busca para compreender, de forma mais profunda, o texto, ou seja, o paciente. E a medicina, mais do que nunca, precisa disso.
Essas aproximações de saberes já têm feito parte do currículo de algumas faculdades de medicina, tanto no Brasil quanto no exterior, normalmente a partir do nome “medicina narrativa”.
São disciplinas ofertadas aos alunos como mecanismos de se estudar a importância de o médico saber interpretar o paciente, muito além de números presentes em resultados de exames clínicos ou em prontuários. Afinal, a vida, em si, não está nesses documentos.
A ideia é verificar, assim como ocorre na literatura, informações, pistas, por vezes, sutis expressas pelos pacientes (personagens) que muito contribuem para a produção de diagnósticos (análises) mais completos, além do ganho no processo de humanização, extremamente necessário na relação entre esse profissional da saúde e seu paciente, haja vista que este passa a ser mais bem observado por esse médico-leitor.
A medicina narrativa exige do profissional médico um trabalho de escuta atenta ao que o paciente tem a expressar, assim como um texto de literatura exige uma leitura atenta para uma compreensão mais profunda dos discursos ali inseridos.
Talvez, devido a essa importância, é que algumas faculdades e universidades cobram de vestibulandos a leitura de textos literários para se fazer um vestibular, como o da Faculdade Albert Einstein e da USP (Fuvest) – neste, a cobrança é para todos os cursos.
Em Minas Gerais, o vestibular da Faculdade de Medicina da Ciências Médicas (FCMMG), além de avaliar a leitura de dois livros literários para a realização de questões objetivas, tem explorado pelo menos um deles na prova de redação. Assim, o vestibulando se vale das habilidades de interpretação de texto e as aplica na escrita do texto dissertativo.
Nesse sentido, o hábito da leitura e sobretudo o estudo literário contribuem para que o estudante construa um repertório sociocultural que transcende à escrita da redação. A falta desse repertório, inclusive, é um dos maiores problemas que caracterizam uma redação como fraca e insuficiente.
No caso dos exames e vestibulares para medicina, em virtude da grande concorrência, tal contexto se torna ainda mais importante. Para se ter uma ideia, a nota média de redação no Enem 2021 foi de 643,16 segundo o INEP.
Nesse caso, foram contempladas as notas de todos os estudantes, não só os aspirantes ao curso de medicina. Ainda assim, os dados evidenciam a qualidade da escrita e interpretação dos jovens, que, no momento, são nota 6.
A boa notícia é que o estudo das obras pode ser iniciado a qualquer momento, e a evolução na escrita daqueles que leem os autores de cada estilo e período literário é exponencial. A chance de ir bem nos vestibulares quando a leitura das obras pedidas nos exames é feita é grande. Vale a pena!
Por isso, quando lhe perguntarem o que a literatura tema ver com a medicina, a resposta está nas pesquisas acadêmicas, nos vestibulares e na vida. Seja no contexto da medicina narrativa, seja nas provas que tiram o sono de muitos vestibulandos, tais áreas de conhecimentos mantêm-se parceiras, pois privilegiam a humanização do indivíduo.
* Escritor, professor, músico, mestre em estudos de linguagens e “oustanding educator” pela Universidade de Chicago (EUA).