A língua eterna e o trogloditismo digital

Recentemente, o Nube (Núcleo Brasileiro de Estágios) divulgou a realização de pesquisa sobre o conhecimento da língua portuguesa especificamente por jovens. As conclusões do estudo apontaram, de maneira nada surpreendente, a lástima em que se encontra a última flor do Lácio no campo da comunicação juvenil.

Conforme o Nube, que oferece vagas de estágio e aprendizagem em todo o país, “estamos expostos a nossa língua nativa desde pequenos e, em todos os níveis escolares, passamos por matérias voltadas a elevar esse conhecimento”.

“Mesmo assim, nem todos obtêm o êxito necessário no aprendizado e acabam se prejudicando no mercado de trabalho”, ressalta a empresa.

Diante disso, a pesquisa questionou: “Como você avalia seu domínio de português?”. O estudo ocorreu entre 4 e 15 de junho, com 27.945 jovens de todo o país, com faixa etária de 15 a 26 anos.

Como vencedora absoluta, apareceu a opção: “Tenho bons conhecimentos e isso me ajuda na carreira”, com 77,60%, ou 21.685 dos votos. Entretanto, para os selecionadores, “essa não é bem a verdade vivida no mundo corporativo”. Isso porque, segundo o Nube, mais de 40% dos candidatos são eliminados logo na primeira etapa das dinâmicas por erros ortográficos.

“Essa disparidade se deve, principalmente, a fatores como a autopercepção e autoestima dos jovens, os quais, por navegarem bem nas redes sociais, acreditam fazer bom uso da língua. Todavia, no momento de utilizar a norma culta, se perdem”, avalia Lizandra Bastos, analista de treinamento do Nube.

Na sequência, 20,34% (5.685) responderam: “As regras sempre me atrapalham e acabo cometendo pequenos deslizes”. Apenas 1,49% (417) admitiu: “Assumo ser meu ponto fraco e não consigo achar forma de resolver isso”.

Para quem reconhece as dificuldades, o Nube orienta: estudar e praticar, começando com os conteúdos mais simples e, após compreendê-los, evoluir para os mais difíceis.

“Não existe fórmula mágica, mas incorporar a leitura de livros e revistas à rotina, por exemplo, já fará uma grande diferença”, incentiva a especialista.

A divulgação da empresa acrescenta que esse foi o caminho utilizado por Yuri Correa Pinho, atualmente com 19 anos e consultor de oportunidades do próprio Nube.

“Quando tinha 14 anos, fui concorrer a uma vaga de aprendiz e precisei fazer uma redação de conhecimentos gerais. Ao final, o gestor me chamou e me deu, como ‘feedback’, a quantidade de falhas gramaticais”, conta ele.

Sem saber como se aperfeiçoar, o jovem conversou com a mãe e a professora de português, as quais o incentivaram a começar a ler. “Iniciei com a saga do ‘Harry Potter’ e me apaixonei. Assim, peguei gosto pela coisa. Tinha muitos problemas com acentuação e pontuação e vi o quanto melhorei”, lembra.

Desde então, reitera o Nube, o estudante de publicidade e propaganda “enxerga o quanto sua escrita progrediu”. “Para entrar na empresa, fiz um ditado de 30 palavras e me equivoquei em apenas duas. A margem era de até sete desacertos”, afirma, satisfeito.

Ainda de acordo com o levantamento, 0,57% (158) revelou: “Detesto português, e isso tem me atrapalhado a conseguir boas vagas”. Segundo Lizandra, “há uma saída para mudar esse pensamento”.

“É preciso identificar quais fatores estão provocando essa percepção e repulsa. Se, realmente, for uma defasagem, as soluções virão por meio de formas diferentes de estudar e muito trabalho pessoal, para reverter esse quadro”, orienta.

“Se comunicar é uma necessidade humana e, nos espaços profissionais, parte da nossa credibilidade é construída também pela forma como abordamos os diversos temas cotidianos e nos fazemos entender”, frisa o estudo.

“Portanto, evite gírias e palavrões em sua rotina e lembre-se: quanto mais corretamente usar o idioma, mais fácil e natural isso se tornará”, aconselha a analista.

A intenção da pesquisa era identificar as dificuldades encontradas pelos jovens na busca de emprego, particularmente quando precisam se expressar por escrito nos processos de seleção.

Entretanto, certamente, os resultados não se restringem a essa faixa etária, sendo justo concluir que a dificuldade no manejo da língua pátria é real desde a tenra até a terceira idade.

O diferencial, talvez, é que a deficiência tende a piorar, na medida em que a atual juventude, com sorte, ainda atingirá a longevidade, levando consigo o analfabetismo crônico potencializado pelas redes sociais.

Não se trata de implicância com os “Face” da vida, apenas da importância de se reconhecer que o simples ato de postar mensagens não implica, necessariamente, em saber escrever com competência.

Neste sentido, o estudo esclarece que as redes sociais geram a falsa impressão de que, por si só, servem como exercício e consequente aprendizado da língua portuguesa – como das demais, em outras partes do mundo.

Não é assim – pode até ser o inverso, a depender de onde e com quem se compartilham as mensagens. Mas, sem dúvida, a comunicação é essencial e tem sido superpotencializada pelos novos meios e instrumentos eletrônicos.

Fundamental, portanto, é jamais nos esquecermos de que um instrumento, por mais moderno que seja, será sempre e somente um instrumento. O conhecimento é outra coisa, muito mais importante e significativo, até porque atemporal e alheio às tecnologias

Das pinturas rupestres, que marcaram em pedra os primórdios da comunicação humana, às postagens e trocas de mensagens digitais, propagadas exponencialmente pelas redes sociais, algo segue inalterado e fundamental: a necessidade de se fazer entender, seja na parede das cavernas ou na telinha dos celulares.