“A Escolha de Sofia” é um livro de autoria do norte-americano William Styron, também conhecido por seu “Darkness Visible” (mal traduzido para “Perto das Trevas”). Narra sua luta contra a depressão bipolar – ora na mania, quando se sentia eufórico e poderoso, ora no fundo do poço. Nesse percurso, pródigo em pensamentos suicidas, ele afinal encontra a sonhada cura. Um relato digno de suas melhores narrativas. Lembra a música do filme “M.A.S.H.”, de Altman, sobre a escolha maior: “suicídio é indolor / e traz muitas mudanças / e eu posso pegar ou largar se eu quiser”.
“A Escolha de Sofia” talvez tenha sido seu livro mais vendido e apreciado, um romance bem nova-iorquino. Publicado em 1979, trata do relacionamento entre três pessoas que dividem um quarto em uma pensão no Brooklyn, bairro com grande população judaica. Um aspirante a escritor vindo do sul se relaciona com um judeu e sua amante polonesa, Sophie, católica que foi levada à força com suas crianças ao campo de Auschwitz na II Guerra, mas escapou. Especialmente após o filme homônimo estrelado pela excelente Meryl Streep, Styron tornou-se figura controversa por causa de sua visão pessoal sobre o Holocausto, tida como não muito “politicamente correta” (ou, diria em hebraico, “kosher”).
Falando de literatura, lembro “Escolha o seu Sonho”, da nossa Cecília Meireles. Nesse livro, a autora borda com habilidade sobre palavras que ilustram seus sentimentos de felicidade, o lado onírico (dos sonhos), a solidão e a escolha de sonhar como caminho da felicidade. Esboça críticas a diversos pensamentos relativos à liberdade, à morte, aos ideais cívicos da França revolucionária (“Liberté, egalité, fraternité”) e ao nosso “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”, do Hino da Proclamação da República, letra de Medeiros e Albuquerque com música do grande Leopoldo Miguez. Este último havia sido o grande vencedor do concurso para escolha do Hino Nacional Brasileiro. O resultado do certame, contudo – ouvido o “clamor popular” por Deodoro – foi alterado para dar lugar ao atual, de Francisco Manuel da Silva com letra de Osório Duque Estrada (incorporada oficialmente apenas em 1922). Havia escolha em “ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil” no Hino de Miguez, embebido nos mesmos ideais positivistas do “Ordem e Progresso” e nos pensamentos maçônicos que vieram do Império, atravessaram a Proclamação e permearam a República.
E eis Clarice Lispector refletindo sobre sua escolha do dia: “Hoje eu queria ler livros que não falam de gente, mas só de bichos, de plantas, de pedras: um livro que me levasse por essas solidões da natureza, sem vozes humanas, sem discursos, boatos, mentiras, calúnias, falsidades, elogios, celebrações…” As angústias da nossa genial Lispector estão marcadas desde a infância com a estampa de sua família judia que foge da Ucrânia, e em seus périplos até vir parar no Brasil, país que adotou como seu.
A escolha está em Mateus, 22:14: “Portanto, muitos são chamados, mas poucos, escolhidos!” (da Bíblia de João Ferreira de Almeida, primeira tradução para o português diretamente dos cinco idiomas das escrituras sagradas. A do Antigo Testamento foi concluída por Almeida em 1681 e o conjunto dos volumes impressos apenas em 1819). Os escolhidos serão os contemplados com a graça divina.
Nos evangelhos, o verbo escolher e suas conjugações têm um sentido todo especial. “Maria escolheu a parte certa, que não lhe será tirada”, em Lucas 10:38, refere-se ao estado contemplativo, de encontro em patamar superior com o Pai. Marta reclamou ao Senhor que Maria só fazia contemplá-lo, ao passo que ela, sozinha, cuidava dos afazeres da casa. Muitas traduções interpretam a resposta de Cristo como “a melhor parte”, mas a expressão não sugere a mais preguiçosa ou proveitosa? Não, é mais correto “a parte certa”, a contemplação do Senhor (“agathen merida”, em grego, a segunda palavra com diversos significados). Conheci um professor doutor em teologia da Universidade de Chicago que dominava os três idiomas das Sagradas Escrituras: aramaico, grego e hebraico, a depender do Testamento e do livro. Ele me esclarecia muitas dúvidas quanto ao sentido das passagens e as traduções corretas, mas infelizmente perdi o contato.
Há a escolha dos indecisos: quem nunca brincou de “uni duni te, salame minguê, um sorvete colorê, o escolhido foi você”? Joga-se aí ao acaso alguma opção pouco previsível a depender do número de possibilidades e do objeto com que se inicia a contagem. Ah, e o bem-me-quer, mal-me-quer de criança, despetalando uma margarida, das primeiras brincadeiras de sonhos de amor infantis, plenos de inocência!
Aleatória é palavra que vem do grego “alea”, sorte – haja vista a famosa frase “alea iacta est”, usada em latim pelo grande Imperador Julio César ao decidir atravessar o rio “Rubicone”, entre a Itália e a antiga Gália Cisalpina. Na música aleatória (“alea”: sorte), os elementos temáticos, rítmicos e estruturais (combinados ou em sua totalidade) são escolhidos ao acaso pelo intérprete. Conhecida na época como música de vanguarda, teve como marco o “Music of Changes” (1951), de John Cage, mas experiências já haviam sido feitas por Mozart (séc. 18) e mesmo Rameau (séc. 17/18)!
Saber escolher é uma virtude. Muitos preferem o conformismo, o “seja o que vier”, como Julio Cesar, lançando sua tropa ao rio Rubicone. Fazer escolhas conscientes, sem jogar ao acaso, ao subjetivo ou à paixão, é que leva na maior parte das vezes ao acerto e ao sucesso.