Felipe de Carvalho Araujo *
Lembro até hoje a primeira vez que li um livro que tratava mais de política do que fantasia. Havia me apaixonado por “Travessuras da Menina Má”, de Mario Vargas Llosa.
Como bom leitor, ao me encantar pelo texto, segui o rastro. “Conversas na Catedral” apareceu em uma simples busca e o charmoso título me custou R$ 39,00.
A dosagem foi astutamente desajustada para o lado do impacto do Estado nas relações humanas nesse livro. O escritor guiou nossos olhos para a política. Eu não sabia. Estava acostumado com mais distração, mais magia.
Naturalmente, há de se perceber uma concreta correlação com as situações da vida. Quem nunca culpou algum político quando as ruas enchem ou quando a luz some por horas, até dias? Mas entender a concepção dessa relação de forma estrutural é um ato político.
Llosa me fez questionar meu papel na sociedade sem me avisar. Não sei se gostei da sensação, mas julguei-a importante demais para ignorar. A partir daí, um arroubo muito mais direcionado tomou meus dias. Acessei textos que claramente me trariam novas perspectivas, menos distração.
Me edifiquei, acho que para nunca mais ser pego de supetão como o escritor peruano havia feito. E nos livros literários que vieram, cobrei que tivessem o mesmo impacto: a dosagem entre literatura e política, não necessariamente justa.
Llosa inaugurou em mim um apetite por um texto que me deixasse de frente com alguma versão minha que eu nunca havia visto antes. Que me fizesse questionar.
Em “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, encontrei o tom perfeito, e raro, entre esses dois mundos. Política e literatura, caminhando juntas, coladas, fundidas em prosa. A maestria do escritor alagoano em trazer tanta beleza e vida real na mesma linha. Gênio. Distrai e elucida ao mesmo tempo. Mas não é comum. Nem fácil.
Se você precisa do Estado, como a grande maioria necessita, tem que entender exatamente o que acontece ao seu redor. Mas não é isso que vemos. Há muitas distrações. Olhar a estagnação do que vivemos não é tão divertido.
Não há tantas emoções nos nossos dias quanto em uma hora fantástica no streaming. Mas é necessário encontrar esse (des)equilíbrio. Saber a hora de olhar mais para um lado do que para outro. Ou você acha que o dólar custará apenas R$ 6,00? Pode custar anos de retrocesso.
É tempo de estar atento. De não deixar a fantasia desviar nosso foco. Que nossos olhos percebam, mesmo sem vontade alguma, os sinais permanentes que acontecem aqui e acolá. Não é momento de distrair. Não agora.
* Roteirista, produtor audiovisual e escritor do romance “O Canto de Laranjal”.