Gabriel Rossi *
Recentes estudos indicam que 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com algum tipo de transtorno mental. Estão depressivos, ansiosos, estressados, fatigados. A pandemia, assim como a caixa de Pandora aberta por ela, nos lembra que somos finitos e frágeis.
E trabalhar em casa, cuidar dos conflitos entre a vida profissional e a familiar, reduzindo as interações sociais e elaborando mais horas sob circunstâncias estressantes e incertas, trouxeram consequências negativas à saúde mental e à subjetividade de muitos indivíduos.
Nós, que não pertencemos à geração Z (jovens que nasceram entre 1995 e 2010), por exemplo, fomos culturalmente ensinados que sucumbir à doença significa calaçaria, preguiça, desleixo.
O estigma sobre o tema nos persegue e buscamos sublimar o sofrimento psíquico no trabalho, muitas vezes o transformando em sentido para nossas vidas. Uma forma, nem sempre eficiente, de evitarmos a doença. Contudo, isso parece estar mudando.
Desde influenciadores e celebridades que testemunham abertamente sobre problemas emocionais enfrentados, até as conversas que parecem descompromissadas na hora do café de um escritório qualquer, o tema aos poucos vai deixando de ser um tabu. Já era sem tempo.
Marcas agora são vistas como agentes sociais. Marcas não estão dissociadas de questões urgentes da sociedade. É imperativo que aperfeiçoem e, quiçá, repensem, suas relações com empregados e parceiros.
O discurso pasteurizado e o tal do “propósito” da boca para fora não são mais suficientes. Mudanças e ajustes organizacionais, assim como medidas práticas sérias e constantes, devem ser perpetuadas em busca do bem-estar daquele que trabalha para as marcas.
É urgente, sobretudo, que líderes façam constantemente o seguinte questionamento: a atmosfera interna cultural desse lugar incentiva ou se impõe contra o sofrimento psíquico?
Não estamos tratando aqui simplesmente de uma questão ético-moral. Há uma correlação direta entre a saúde mental dos colaboradores e a perenidade mercadológica.
Bons exemplos saltam aos olhos: um gigante do setor de alimentos encoraja o debate intergeracional sobre o tema e começa a colocar em prática medidas que dão mais flexibilidade de escolha, inclusive de horários, ao empregado.
Uma outra marca do setor de moda, cujo nome remete às geleiras no Chile e na Argentina, incentiva, entre muitas outras coisas, as atividades físicas das mais variadas.
Cuidar de gente não é mais questão de escolha. Trabalho não é, ou não deveria ser, sofrimento. A fibra moral das marcas, observada cada vez mais por um microscópio pelo consumidor, passa por melhorar a saúde mental do seu público interno.
Vivemos um dos maiores desafios da nossa sociedade contemporânea. Chegou a hora das boas iniciativas mostrarem as caras. Quem se esquivar disso corre o risco de ficar fora do jogo.
* Sociólogo, pesquisador e professor de comunicação e consumo da ESPM.