Bullying em Tatuí é abordado em ciclo de palestras

“Seja Aluno Nota 10” busca orientar alunos sobre consequências de ataques

Alunos da Emef “Sarah de Campos Vieira dos Santos” participam da palestra (Foto: Divulgação)
Da reportagem

Como forma de combater a prática do bullying em Tatuí, a prefeitura iniciou, na semana passada, o ciclo de palestras “Seja um Aluno Nota 10”. O intuito é orientar os estudantes sobre a responsabilidade e as consequências da agressão tanto para quem a pratica quanto para quem sofre o bullying.

A primeira instituição a ser contemplada pela atividade foi a Emef “Sarah de Campos Vieira dos Santos”, no centro. Ela recebeu, na quinta-feira da semana passada, 18, o palestrante Jonas Cardoso, com 20 anos de experiência em palestras nas redes educacionais. Ele também é colaborador da revista “Nosso Amiguinho”, mantido pela Casa Publicadora Brasileira.

O ciclo de discussões sobre o tema seguiu durante esta semana para os alunos entre o primeiro e o quinto anos de escolas municipais.

De acordo com a professora formadora Isabelle Karolline Chaves de Oliveira, todas as unidades escolares da rede municipal realizam ações para prevenção ao bullying.

Uma delas é o projeto “Ciranda Literária”, a qual contempla obras específicas para abordar o tema, além de equipes de psicólogos e assistentes sociais, que vêm realizando palestras e formações em relação à temática e à cultura de paz.

Entretanto, as palestras realizadas pelo projeto “Aluno Nota 10” estão sendo destinadas às 15 unidades escolares de ensino fundamental I

Para Isabelle, é preciso entender que a formação da escola vai muito além daquilo que é o conteúdo escolar. Ela disse acreditar que “a escola é um espaço que produz e reproduz questões da própria sociedade”.

Desta forma, segundo ela, “o espaço escolar é um importante ‘lócus’ de trabalho para desconstrução de conceitos e ações naturalizadas de forma que se constituem de maneira institucionalizada nos diferentes espaços da sociedade. Nesse sentido, a escola torna-se um importante meio para formação de um cidadão”.

“Em relação à violência, trata-se de um problema estrutural de nossa sociedade, que vem sendo admitido de diversas formas, seja ela física, psicológica ou moral”, observa ela.

“O bullying é a representação disso no espaço escolar, no qual um sujeito é submetido a situações vexatórias, atos de agressão ou intimidação, causando consequências profundas na qualidade de vida da vítima dessa violência, como isolamento social, transtornos físicos ou emocionais”, acrescenta.

Ex-aluno da Emef “Eugênio Santos”, Carlos Enzo de Souza disse já ter sofrido com o bullying na época em que estudou na instituição. No entanto, contou que, com a ajuda dos pais e da coordenação da escola, “tudo foi resolvido da melhor forma”.

“Sempre fui um aluno que gostava muito de estudar. Então, acredito que isso incomodava algumas pessoas. E, durante o recreio, eles zombavam de mim”, contou.

Atualmente com 18 anos, Souza defende a importância de levar até as escolas assuntos referentes ao bullying por, segundo ele, entender que, ao contrário dele, muitos sofrem calados.

“Já ouvi da mãe de um amigo meu que, no tempo dela, isso era comum nas escolas, e que as brigas eram sempre resolvidas lá mesmo. Lembro-me de ter achado muito estranho isso, porque minha mãe sempre me ensinou a respeitar os meus colegas e nunca me envolver em brigas”, salienta.

Casos envolvendo a prática de bullying têm se tornado frequentes em ambientes escolares. No início deste mês, um menino de 13 anos, morador da cidade de Praia Grande, morreu após ter sido espancado por colegas dentro da escola.

De acordo com Isabelle, quando as unidades escolares da cidade recebem relatos da vítima de bullying, os pais do aluno agressor são chamados para uma conversa.

Nela, são conscientizados sobre o problema e as ações a serem tomadas pela escola, além de imputar a eles a responsabilidade de acompanhar o desenvolvimento do filho. Também, segundo ela, são orientados a buscarem auxílio de psicólogo.

No entanto, ela conta que, em caso de reincidência, o fato é encaminhado ao Conselho Tutelar, podendo até a família do “aluno vítima” abrir um boletim de ocorrência contra os responsáveis pelo “aluno agressor”.

“É importante ressaltar que o aluno vítima e a família dele são respaldados pela unidade escolar em todo o processo”, salientou.

Ao jornal O Progresso de Tatuí, a psicóloga Mariana Rosa contou que as vítimas nas escolas podem ser crianças, adolescentes e até os próprios professores, os quais, segundo ela, muitas vezes, são atacados nos grupos de WhatsApp pelos pais dos alunos.

Ela explicou que há comportamentos que podem ajudar a família a identificar sinais de bullying na vivência escolar dos jovens. “É importante observar se o apetite mudou, se a pessoa está mais isolada ou demonstrando ser excluída pelos colegas. A queda de rendimento escolar é mais um motivo de alerta”, aponta.

Ela acentua que a primeira reação da vítima é desenvolver ansiedade. E que, após um tempo, esse sentimento cresce, e ela começa a viver em “estado de alerta”.

De acordo com ela, a maioria dos casos é motivada por preconceitos, sobretudo, o racial ou social. “Quando o bullying atinge um nível que esgota os recursos da vítima e ela não recebe o devido apoio, tende a desenvolver uma depressão que, agravada, também pode levar a pessoa a atentar contra a própria vida”, ressalta.

Ela esclarece que a pessoa com depressão ou ansiedade acaba liberando mais cortisol no organismo. Desta forma, pode começar a desenvolver gastrite, ter crises de asma, doenças de pele e outras manifestações físicas. “É o que a psicologia chama de doenças psicossomáticas”, observa.

“Muitas crianças chegam a ter episódios de pânico. E isso é muito difícil de lidar, porque a primeira impressão que dá é de que a criança está tendo um problema cardíaco. Aí, vai no hospital e o coração está funcionando bem”, acentua.

Lei

A lei 13.185, de 2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, já previa a figura do bullying, determinando que escolas, clubes e agremiações recreativas assegurem medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate à violência e à intimidação sistemática.

No início deste ano, foi sancionada a lei 11.841/2024, segundo a qual o bullying pode ensejar pena de multa. Já o “cyberbullying” (quando ocorre no ambiente virtual) pode render reclusão de dois e quatro anos ou multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

De acordo com a psicóloga, as escolas devem ter um programa de combate ao bullying, por meio de ações educativas, planos de prevenção e outras políticas.

Em casos de agressão, a unidade de ensino pode responder civilmente por danos morais e materiais junto com os pais do agressor.

Conforme levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 23% dos brasileiros declararam ter sofrido bullying em algum momento da vida. Assim, indica, “esse tipo de violência se apresenta como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo”.

De acordo com o órgão, essas taxas são muito perigosas, ainda mais se a depreciação levar a vítima à autodepreciação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, caracterizando a segunda maior causa de mortes entre jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. E o bullying pode estar relacionado a essa estatística.

De acordo com levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz no final de novembro do ano passado, desde 2003, o Brasil registrou 11 episódios de ataques com armas de fogo em escolas. Deste total, 87% dos atiradores sofreram bullying nas instituições e foram movidos pelo “desejo de vingança”.

De acordo com Mariana, em casos de bullying, é comum que o foco esteja na vítima e no impacto que as agressões estão causando na vida dela. No entanto, frisou, “é importante lembrar que o agressor também precisa de ajuda e atenção”.

“É preciso entender que a prática dos ataques pode ser uma forma que o indivíduo encontrou para lidar com seus próprios conflitos internos, buscando chamar a atenção dos outros e se sentir mais poderoso ou importante”, salienta.

“É errado lidar de forma somente punitiva com o praticante de bullying, pois não leva em consideração a situação singular dele, tanto a pessoa que pratica quanto a que sofre nesse processo”, acentua.

A mãe de um aluno em idade escolar no município, ouvida pela reportagem, contou já ter sido surpreendida com um bilhete da direção da escola na qual o filho dela estuda.

“Fui chamada para uma reunião e, quando a professora falou que o meu filho estava praticando bullying com um colega de sala, fiquei surpresa, pois eu não o eduquei para ser sem educação com as pessoas”, relatou.

De acordo com ela, após ter “uma conversa séria com o filho”, entendeu o que estava acontecendo com ele. “Eu me separei do meu ex-marido quando o meu filho tinha apenas sete anos. Ele era acostumado a presenciar agressões verbais e até mesmo físicas, constantemente. E isso deve ter ficado na cabeça dele como algo natural”, relatou.

Encaminhado pela escola a uma psicóloga, ela relatou que o filho “mudou completamente de comportamento após passar pelas consultas”.

“Se não fosse pela orientação da professora, eu nunca saberia que o meu filho estava com esse sofrimento dentro dele. A adolescência é uma fase difícil, em que vem à tona todo o sofrimento guardado pela criança. E saber de tudo isso pela médica salvou o meu filho”, afirmou.

Em Tatuí, todas as unidades escolares contam com o apoio de assistente social e psicólogo. A dupla de profissionais tem, segundo Isabelle, a função de realizar palestras, rodas de conversas, formações com o corpo docente e discente, sendo a questão da violência e a “cultura da paz” um dos temas abordados por eles na escola.

“Estabelecemos todo um trabalho de prevenção a partir da conscientização e diálogo com profissionais capacitados para isso”, sustenta a profissional.

Para a professora, “a cultura da violência que gera o bullying nada mais é do que uma consequência da cultura individualista, marcada pelas pedagogias acríticas”. E enfatizou que “o processo de desconstrução não é simples, no entanto, necessário para a construção de uma sociedade ética e justa”.

“A violência está estruturada de tal forma em nossa sociedade que se tornou institucional. Como profissional da Educação, percebo o quanto essas falas impactam na qualidade de vida dos sujeitos, do aumento exponencial de suicídios entre jovens, bem como na negligência com a temática. Porém, já há alguns anos, vem sendo desconstruída, até o momento que não existirá”, acentuou.

O Tribunal de Justiça de São Paulo promove a campanha “Não se Cale”. A ação acontece sempre em 18 de maio, no Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes.

O objetivo, segundo a ação, é informar crianças, adolescentes, pais e responsáveis sobre os tipos existentes (incluindo o bullying sexual), os sinais e o que fazer nesses casos.

“Esse é um problema de toda a sociedade, com reflexos no comportamento da vítima, na sua relação com familiares, colegas de classe e professores. É no ambiente escolar que grande parte dos casos acontece e pode gerar atos de violência nas escolas e comunidades”, explica a juíza Ana Carolina Della Latta Camargo Belmudes, idealizadora da campanha.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) atende de forma anônima vítimas de bullying, por meio do disque 188. Os usuários são ouvidos por voluntários durante 24 horas por dia. Também é possível conversar via e-mail e chat pelo site www.cvv.org.br