Da reportagem
Tatuí tem potencial para auxiliar a RMS (Região Metropolitana de Sorocaba) a melhorar o processo de captação de órgãos e tecidos e, consequentemente, ampliar o número de transplantes.
Na área do aglomerado urbano – que corresponde a 27 municípios –, a OPO (Organização de Procura de Órgãos) do Hospital Regional “Dr. Adib Domingos Jatene”, de Sorocaba, contabilizou 45 vidas salvas com o auxílio do município, de janeiro a junho deste ano.
Quem informa é a médica Suame Cecato Kono, que atua como emergencista/intensivista em instituições de saúde em Sorocaba. A profissional esteve em Tatuí na noite de quinta-feira, 9, para ministrar a palestra “Doação de órgãos, captação e transplante pela ótica da sociedade”.
O evento aconteceu na Câmara Municipal, com início às 19h e o objetivo de promover a conscientização de potenciais doadores e seus familiares.
De acordo Suame, a tendência atual é que tanto a captação como o transplante aumentem justamente em função das atividades das entidades envolvidas. No país, a estrutura na qual está organizada o SPO (Sistema de Captação de Órgãos) envolve o SNT (Sistema Nacional de Transplante), a CNCDO (Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos), as OPOs e as CHIDOTTs (comissões intra-hospitalares para doação de órgãos e tecidos).
Toda essa rede, na região, é comandada pela organização do hospital sorocabano, instituída em fevereiro do ano passado, por determinação da Secretaria de Estado da Saúde, através do Sistema Estadual de Transplantes.
As principais atribuições do órgão são: realizar busca ativa de potenciais doadores; realizar visitas presenciais diárias em diferentes hospitais; realizar entrevistas e apoio familiar; colaborar na manutenção hemodinâmica; coordenar a retirada cirúrgica de órgãos e tecidos; e participar na capacitação e treinamento de outros profissionais, incluindo a temática da morte encefálica e a comunicação de más notícias em situação de crise.
Suame destacou que a RMS e Tatuí, em particular, têm grande potencial no que diz respeito a melhorar os números do país. Dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos) dão conta de que, de janeiro a junho deste ano, foram realizados 4.247 transplantes no Brasil. Destes, 467 com órgãos de doadores vivos e 3.780, de falecidos.
O estado de São Paulo é o que lidera o ranking de potenciais doadores. São 1.761 pessoas em condições de doar. No entanto, as doações efetivas, de janeiro a junho, somaram 529.
“A tendência é melhorar com ações como esta apresentação”, iniciou a médica intensivista. De acordo com ela, a iniciativa é necessária porque, na RMS, a questão está “bem defasada” em comparação com a capital.
Em outras palavras, o número de doação que se efetiva em transplante é bem menor na região de Tatuí do que na metrópole.
Para reverter esse quadro, Suame explica que a equipe da OPO realiza ações diariamente e percorre cidade por cidade da RMS para melhorar o indicador de transplantes.
“As doações ocorrem menos por conta da própria conscientização das famílias, da cultura e, no nosso caso, até em função da logística”, conta a profissional.
Segundo ela, muitos municípios têm dificuldades de acessar os familiares ou mesmo de proceder a busca pelos órgãos em tempo viável para que o transporte do órgão e o transplante possam ser efetivados. “Enfim, há vários fatores que contribuem para que esse quadro perdure”, acrescenta.
Na avaliação da médica, o panorama regional pode mudar se houver aumento da capacitação dos profissionais envolvidos, a ampliação da rede de captação e o envolvimento de múltiplos profissionais da área da saúde, como os enfermeiros e os psicólogos.
Os primeiros são responsáveis por auxiliar no processo de acolhimento como burocrático; os segundos, no apoio às famílias para ajudá-las a passarem pelo processo de luto. Mas, o mais importante: que os parentes possam respeitar a vontade dos doadores.
De forma a ajudar os profissionais, a médica trouxe outras três enfermeiras para conversar com eles. Participaram da palestra as enfermeiras Juliana Fernandes da Silva, Júlia Divina Rocha e Mônica Fernanda Bofe, que integram a OPO.
A organização conta com seis profissionais, sendo que três ficam na retaguarda, atuando em regime de 24 horas. O motivo é que não há uma hora predefinida para o surgimento de um potencial doador. Desta maneira, é preciso que uma equipe permaneça de sobreaviso, para iniciar os procedimentos.
Uma das barreiras a serem superadas na região é a questão da condução do paciente. Conforme Suame, muitas equipes não sabem como devem conduzi-lo, o que pode ocasionar em uma infecção e na não conclusão do protocolo. “Às vezes, a família se recusa, por falta de atenção, a permitir a extração do órgão ou tecido para a doação”, comentou.
Entre os fatores que fazem as famílias não respeitarem a decisão dos entes falecidos, está o tempo necessário para que o corpo seja preparado, o órgão seja retirado e o velório aconteça. Dependendo do caso, o processo pode demorar até 24 horas para ser finalizado.
“Isso tudo nós acabamos esclarecendo nas entrevistas, quando vamos fazer a solicitação para as famílias, pois só elas podem autorizar a extração dos órgãos”, acentuou a médica intensivista.
Por outro lado, há casos em que os parentes buscam o sistema de doações voluntariamente, como ocorreu com Valéria Rodrigues, mãe de João Guilherme Moraes Rodrigues, que se tornou doador de órgãos em junho deste ano.
O menino faleceu aos 14 anos em função de parada cardiorrespiratória por conta de pneumotórax espontâneo. O pneumotórax é a presença de ar entre as duas camadas da pleura (membrana fina e transparente, de duas camadas, que reveste os pulmões e o interior da parede torácica). Ele resulta em colapso parcial ou total dos pulmões.
Valéria esteve na palestra como convidada para prestar um depoimento que emocionou o público. “Hoje é o dia do aniversário dela”, contou o vereador Maurício Couto, responsável por organizar o evento no município.
Foi ele que trouxe a Tatuí a equipe do hospital sorocabano e apresentou, na mesma data, projeto de lei para estimular a doação de órgãos no município, por meio de campanhas de conscientização.
João Guilherme precisou ser hospitalizado no dia 19 de maio deste ano, depois de sentir uma dor de garganta. Em seguida, apresentou problemas respiratórios, sendo entubado. “Estive com ele a todo momento. E tive a honra de poder me despedir do João”, disse a mãe.
Valéria relatou ter vivenciado todos os passos explicados pelas profissionais do “Adib Jatene”. Rezou e ajudou o filho a rezar três Ave Marias, uma oração baseada nas Escrituras, despediu-se do menino com um beijo e, mesmo em um momento de dor, optou pela doação.
Para o organizador do evento, o relato da mãe é fundamental para incentivar outros familiares. Couto disse que o núcleo no entorno do doador, quando está falecido, tem grande participação e importância na decisão de salvar outras vidas.
“A conscientização e a comunicação entre a família são fundamentais para garantir que os desejos do potencial doador sejam respeitados e que a doação possa salvar vidas”, disse o organizador.
A conscientização é importante porque a indicação de doação no RG é um ato simbólico, como explicou a médica. Suame reforçou que a autorização depende da família e que, em função da Covid-19, o número de doações caiu.
“Agora, estamos em uma crescente. Melhorou um pouco, porque, na pandemia, perdemos bastante, porque não podíamos fazer captação e transplante, ao mesmo tempo que a lista aumentou”, comentou.
Para equalizar essa “balança”, a médica informou que a OPO está percorrendo mais cidades, uma vez que é possível expandir o número de transplantes de órgãos e tecidos em função da capacidade da região.
“Nossa equipe é pequena, mas a tendência é que a Secretaria de Estado da Saúde e a Central Estadual de Transplantes nos dê o número mínimo de recursos humanos para podermos viabilizar um crescimento das atividades”, argumentou.
Tatuí faz parte da rede de captação e, conforme Suame, contribui bastante para os procedimentos. O município possui comissão intra-hospitalar própria, responsável por acionar a organização, acolher os familiares e preparar a unidade hospitalar para a extração. “Nem todos os hospitais da região têm, mas os que contam nos ajudam muito”, apontou.
A médica, que está à frente do setor há sete meses, informou ainda que não dispõe de um histórico contendo o número total de doações ou pacientes do município que se tornaram doadores. Entretanto, destacou que os rins e as córneas são os mais requisitados não só na RMS, mas no país. E mencionou que um único doador é capaz de salvar nove vidas (dois rins, um fígado, um pâncreas, duas córneas, um coração e dois pulmões).
Além de Suame, participaram do evento a enfermeira Selma Eva Silvério, docente do curso de enfermagem da Faesb (Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara); Carla Daniela Martins Fiuza, coordenadora do curso de enfermagem na Escola Técnica “Dr. Gualter Nunes”; e a coordenadora do curso de enfermagem do Colégio Cenep, Ana Paula Siqueira, que compuseram a mesa dos trabalhos junto com o organizador.
Também compareceram à palestra os vereadores Cintia Yamamoto Soares, João Eder Alves Miguel e Jairo Martins; e a empresária Alessandra Gonzaga, convidada do cerimonial.