Ainda há quem não tenha compreendido a importância do investimento em arte para se sustentar, em resumo, não só o que de mais sublime e elevado o ser humano já produziu e pode ainda produzir, mas para a manutenção da própria civilidade.
Isto porque toda expressão artística carrega a virtude de instigar – senão despertar –, entre outras virtudes, a sensibilidade, a criatividade e a tão castigada empatia. Torna, portanto, o ser humano uma pessoa “melhor”.
Só por isso já mereceria todo o apoio dos governos mundo afora – pelo menos daqueles que se preocupam de verdade com o povo e com o futuro de si mesmos.
Não por acaso, a arte, junto à imprensa, é um dos primeiros “fazeres” da sociedade livre a ser atacada pelos movimentos autoritários, avessos à tal liberdade de expressão, à pluralidade de ideias e, sobretudo, à democracia de fato.
Criminalizar a arte, portanto, é objetivo maior, até certa obsessão de quem busca o pensamento único e, por este, a tomada de um poder absoluto. A arte é então inimiga, por ser intrinsecamente libertadora.
Claro, isto sem dar maior atenção ao óbvio de que a falta de talento e o excesso de ignorância só podem gerar antipatia natural quanto a tudo a externar um mínimo de erudição e aptidão mais elevados.
Importa mesmo é o reconhecimento – e convicto apoio – da arte como um caminho e um poderoso instrumento de desenvolvimento pessoal e humano em geral.
Mas, não apenas: a arte, tal como o esporte em muitos aspectos, também pode ser “transformadora de vidas”, abrindo possibilidades inesperadas, principalmente a jovens menos favorecidos em termos sociais ou mesmo familiares.
Na semana passada, o jornal O Progresso de Tatuí apresentou, em reportagem, um belo exemplo dessa realidade, por meio da história de uma jovem estudante local que, pela arte, busca um justo e merecido belo futuro.
Vanessa Camargo, tatuiana de 18 anos, sonha em tornar-se desenhista profissional e ter a oportunidade de viver da arte. Autodidata, ela procura emprego na área e a formação necessária à profissionalização.
A jovem conta ter interesse pelo desenho desde os quatro anos, quando começou a fazer os primeiros traços em restos de papéis encontrados pela casa, usando lápis e outros materiais improvisados.
Contudo, o interesse em trabalhar com arte surgiu neste ano, quando o talento dela acabou descoberto pelos professores da Escola Estadual “Professora Altina Maynardes Araújo”, onde a jovem estuda.
No começo do ano, ela participou do projeto “Comunidades Criativas”, do Instituto CCR, uma ação cultural e educacional que utiliza o grafite como meio de expressão. Mais de 30 alunos da unidade inscreveram desenhos no projeto.
O trabalho dela ficou em primeiro lugar, sendo reconhecido em votação aberta, pela internet, como a melhor ilustração. O título deu à estudante o direito de grafitar a criação dela no muro da escola, transferindo a obra do papel à parede e transformando-a em uma artista de murais.
“Sempre fui muito tímida, então, não mostrava muitos os meus desenhos. Mas, com o concurso, os professores acabaram vendo meu trabalho e, sabendo que estou desempregada, começaram a me incentivar a buscar trabalho na área. Foi então que percebi que poderia viver do que eu mais gosto de fazer”, conta Vanessa.
Para a obra vencedora, ela desenhou rostos de pessoas – no caso, representando a diversidade cultural e religiosa. “Sempre gostei de criar rostos. Às vezes, uso modelos como inspiração, mas gosto mesmo é de criar os personagens e as histórias deles”, revela.
Conforme Vanessa, o concurso e os professores, na verdade, voltaram a despertar nela a vontade de se tornar desenhista profissional, um sonho que parecia impossível até então.
Devido a problemas familiares pelos quais passou durante a infância e parte da adolescência, ela acabou afastada da convivência com os pais. Professores da escola “Altina” acompanharam as dificuldades de Vanessa e ofereceram ajuda das mais diversas formas, inclusive, incentivando-a a continuar com os desenhos.
“Sempre fui uma pessoa reservada, não falava nada com ninguém, apenas com algumas amigas mais próximas. Mas, os professores me ajudavam”, acentua a jovem.
Uma das principais incentivadoras é a professora Josiane Araújo, a qual ofereceu abrigo à jovem, dando-lhe um lar. “Ali eu fui acolhida e passei a me sentir segura”, revela.
Durante todo este período, Vanessa se dedicou aos desenhos. Contudo, houve uma grande mudança nas ilustrações. Os trabalhos, até então feitos na maioria em preto e branco, passaram a ganhar cor e os rostos, a ter sorrisos.
“Eu usava o desenho como uma forma de ‘fugir’, e criava histórias para os personagens, para me ajudar a lidar com tudo o que ocorria. Então, acredito que, por isso, os desenhos eram mais sérios. Hoje, já gosto de colorir e dar mais vida à arte”, reconhece.
Mesmo tendo apoio na casa da professora, a qual chama de “mãe”, a intenção da jovem é encontrar um emprego, conquistar independência financeira e alugar uma casa para morar sozinha.
“Já sei desenhar e amo o que eu faço, mas queria trabalhar em algum lugar em que pudesse desenvolver minhas habilidades. Gosto muito de fazer isso, então, não me vejo trabalhando em algo que não seja nessa área”, sustenta a jovem.
O emprego também a ajudaria a adquirir materiais profissionais para aprimorar as técnicas de desenho. Atualmente, ela ainda usa os lápis e materiais que ganha na escola.
Embora tão jovem, a tatuiana Vanessa e seu sonho, mais uma vez, reforçam o poder da arte – se ainda não o de mudar uma vida, certamente o de proporcionar esperança e, assim, como ela mesma indica, “dar cor” a uma nova realidade!
Além, pela história da talentosa garota, ressalta-se o quão também é fundamental a “empatia” e as ações por ela resultantes – atitudes verdadeiramente “humanas” e tão sublimes quanto as mais belas expressões artísticas, feito a praticada pela professora Josiane.
Pelo exemplo dessas duas tatuianas, que se ilumine um pouco a consciência de quem ainda vive em preto e branco e que, por justiça, arte e generosidade, o futuro seja radiante e multicolorido à estudante e sua professora.