Da reportagem
Os jurados do 27º Concurso Artístico e Literário de Natal, promovido pelo jornal O Progresso de Tatuí, chegaram a se emocionar com o “amor pela cidade” demonstrado pela maior parte dos participantes do certame.
Neste ano, nas duas categorias, houve 1.680 inscrições, distribuídas entre 1.432 desenhos e 248 redações. Apenas dois trabalhos foram desclassificados, por não integrarem o ensino fundamental (regra do concurso).
Foram 29 instituições de ensino participantes, entre públicas e particulares, que trabalharam o tema “Tatuí no Natal”, nas duas categorias.
Os vencedores em cada grupo de anos são premiados em dinheiro, com os valores divididos entre os vencedores do 1º ao 9º ano em desenho e redação. As entregas das premiações e dos certificados são feitas pelos patrocinadores da ação cultural.
Segundo o regulamento, o concurso segue com o objetivo de privilegiar ainda mais os anos de estudo que participam com mais inscrições – redistribuindo as premiações conforme esse critério.
Desta forma, em 2022, os segmentos dos trabalhos ficaram assim divididos em desenho: 1º e 2º ano no primeiro grupo; 3º e 4º no segundo; 5º e 6º no terceiro; e, encerrando, 7º, 8º e 9º no quarto.
Em redação, a separação ficou da seguinte forma: 1º, 2º e 3º ano no primeiro segmento; 4º ano isolado (pelo segundo maior número de inscrições entre todas); 5º ano também isolado (pelo maior número de trabalhos); e, finalmente, 6º, 7º, 8º e 9º no grupo de encerramento.
No total, os vencedores levaram R$ 2.400 em prêmios, distribuídos para cada grupo de trabalho, que receberam R$ 300 cada. Os três melhores trabalhos de cada categoria são reproduzidos neste especial, constando, além do nome do aluno, os dos professores e das escolas.
Os jurados
A comissão julgadora esteve formada por oito nomes de reconhecido prestígio e conhecimento em suas áreas: em desenho, os artistas plásticos Rafael Sangrador, Mingo Jacob, Fábio Antunes dos Santos e Jaime Pinheiro; e, em redação, os escritores Cristina Siqueira, Henrique Autran Dourado e Mouzar Benedito, além do jornalista Cristiano Mota.
O artista plástico Fábio Antunes dos Santos concorda com o sentimento de admiração e amor por Tatuí nos desenhos de 5º e 6º ano que julgou. E viu mais: o laço de pertencimento à cidade.
“A cada desenho em que vejo símbolos da cidade sendo representados, as crianças estão reconhecendo as virtudes da cidade e, de alguma forma, sentem que pertencem a um lugar que tem história”, avalia.
Ele comenta ter achado muito interessante a preocupação de retratar Tatuí como a Capital da Música e a Terra dos Doces Caseiros.
Algo que o deixou muito contente foi que, ao contrário do que imaginava, apesar de ser ano de eleições, não houve nenhuma manifestação política.
Ele ressalta que, na edição passada, havia menção à violência, armas, algumas conotações a roubos, violência. “Dessa vez, não vi nada disso. O tema foi de muito amor e solidariedade, o verdadeiro espírito do Natal”, comemora.
“Sobre o primeiro lugar, o desenho tem uma composição muito agradável, com traços firmes e delicados. A cena abraça o símbolo da cidade de Tatuí referente à música, mas um carrinho de doce não deixa de lembrar das delícias da cidade”, analisa.
“Tatuí é música, é doce, é cultura, é arte! Esse concurso é vital para as crianças na medida em que se tem contato com o ato de criar e elaborar uma mensagem de Natal, seja no desenho, seja na escrita”, segue Santos, que também é publicitário e ilustrador.
“Aguardar ansiosamente o dia em que vai ver seu trabalho publicado para a cidade toda é enorme, e O Progresso está de parabéns por seguir com este concurso há 27 anos”, complementa.
Jaime Pinheiro conta que, para a avaliação dele, que julgou os desenhos do 7º, 8º e 9º ano, tem como principal critério identificar onde o autor está se colocando na obra, sua visão e sua percepção”.
Isso porque, explica, “o concurso, além de um estímulo à criatividade e à produção artística, é também uma reflexão sobre o Natal e como ele se manifesta em nossa cidade, o que representa uma enorme responsabilidade, pois são muitos ângulos a serem observados”.
Pinheiro observou que parte das obras revela o sentido comercial que o Natal ganhou ao longo dos anos. “Mas, outros desenhos trazem questionamentos, críticas, e alguns demonstram uma ligação com a santidade da data”, destaca o artista plástico.
“Como o regulamento do concurso pede uma visão relacionada à cidade, temos também que considerar esse item, que está presente”, pontua.
Ele elogia a dedicação dos professores e de boa parte dos alunos. “Principalmente o esforço de orientação dos mestres”, diz.
Contudo, alerta: “Pelo menos na categoria que julguei, neste ano, me pareceu que nas idades maiores o interesse diminuiu. Talvez, reflexo dos tempos ou da comercialização da data, onde um personagem se sobrepõe ao aniversariante, que é Jesus”.
Por fim, Pinheiro viu-se, para escolher o vencedor, frente a dois trabalhos “muito belos, mas com valores diferentes”. “Usando todos os critérios que comentei, um deles foi escolhido, mas resolvi dar um presente especial para o outro: um brinde para servir de estímulo e que acredito que vai ser bem utilizado”, revela.
Não obstante, ele ressalta ter visto também presente o espírito natalino em alguns trabalhos. “Parabenizo os participantes e, especialmente, os professores, que também vêm nesta ação a beleza desta data tão importante para nossa espiritualidade!”.
O jurado Mingo Jacob avaliou os desenhos de 3º e 4º ano. Para ele, o “verdadeiro espírito natalino”, especialmente a celebração do nascimento de Jesus Cristo, esteve presente nos trabalhos, assim como o amor a Tatuí.
Mas, também, “enfocam muito o momento familiar, como a ceia de Natal”. “Não vejo quase o aspecto comercial do Natal, a não ser os presentes, que é uma cultura natalina. Apareceu muito pouca referência ao caminhão da Coca-Cola, o que considero salutar”, sustenta.
“A lembrança dos valores cristãos é importante, principalmente na idade infantil dos alunos”, observa, lembrando a faixa de idade dos estudantes que julgou.
Mingo também identificou o amor e o sentimento de orgulho e pertencimento a Tatuí na representação dos seus símbolos. “Com certeza, os símbolos de Tatuí são muito lembrados nestes trabalhos, como nossos prédios históricos: a fábrica São Martinho, o museu ‘Paulo Setúbal’, o Conservatório, além da Igreja Matriz e até mesmo a feira de artesanato realizada mensalmente na Praça da Matriz”, observa.
Ele identificou que, “na grande maioria dos trabalhos, a elaboração foi bastante pessoal, mas que, naturalmente, alguns recebem influência dos pais, professores e até do colega de classe”.
Em seu método de julgamento, Mingo leva sempre em consideração a coerência com o tema, a idade do aluno, a aptidão artística e a criatividade.
“Vou fazendo uma triagem, eliminando os trabalhos mais fracos. No final, ficam de cinco a seis que considero quase como empatados. Como tenho que escolher um, o item criatividade é o critério de desempate”, revela.
Sobre o concurso, o artístico observa ser “muito importante o incentivo que as crianças recebem para as artes; com isso, sempre aparecem novos talentos para a arte e a cultura”.
O artista plástico e professor Rafael Sangrador observou ser possível perceber que alguns participantes utilizaram ferramentas para deixar o desenho mais perfeito, como moedas, para dar o contorno “bem redondinho aos rostos”, e réguas.
Pela faixa de idade baixa, de 1º e 2º ano, Sangrador não levou em consideração noções mais avançadas, como perspectiva, mas, mesmo assim, observou que alguns estudantes têm noções e talento para isso, como a vencedora.
No que diz respeito à semelhança de trabalhos, o jurado não vê grande problema. “Eles trabalham em classe, veem que um coleguinha usou uma cor, uma forma, há influência. Isso ajuda a criar. É importante”, defende.
“Eu mesmo, quando estou dando aula, peço que meus alunos vejam não só o que criaram, mas o que os outros fizeram também. Isso ajuda no aprendizado”, explana. “Explica a semelhança no que trabalham”.
No que diz respeito ao amor à cidade, ele diz sentir que os alunos gostam também da escola. “Eles incorporam o que há de Tatuí que faz parte do cotidiano delas com ênfase”, afirma.
“Já a noção de pertencimento eu não acho que crianças nesta idade tenham percepção do que isto significa, mas identificação com a cidade delas elas têm. É uma espécie de pertencimento, de orgulho”, completa.
Sangrador também ressalta o trabalho dos professores. “É preciso valorizá-los não somente na questão salarial, mas no incentivo profissional, com a escola em boas condições”, avalia. “As autoridades precisam dar boas ferramentas, uma escola pensada, cursos de aperfeiçoamento”.
Para Sangrador, o Concurso Artístico e Literário de Natal cresce a cada ano não só em quantidade de participantes. “Percebo que as crianças esperam este momento para poder participar. O importante não é só quem ganhou, mas o ‘agito’ que causa no ambiente escolar”.
“O concurso é algo que não pode parar. Para mim, deveria ser levado aos institutos de preservação para tombamento como bem imaterial do município”, sugere.
Ler e escrever
O escritor Mouzar Benedito, que julgou as redações do 4º ano, afirma que levou em consideração a criatividade, a presença das informações relevantes e a qualidade da escrita.
“Obviamente, levando-se em consideração as limitações que uma criança nesta fase ainda tem. Mas, encontrei muita coisa boa”, revela.
“Escolhi a redação mais espontânea, a mais completa, mas fiquei em dúvida entre três no meu processo seletivo”, conta. O que diferenciou o trabalho vencedor foi a forte presença de informações de Tatuí, mas, principalmente, a identificação da cidade como a Capital da Música. “Unindo tudo, era um trabalho com estruturação melhor e qualidade de texto muito boa, considerando uma criança do 4º ano”, avalia.
Mouzar gostou muito do final também. “Para mim, uma redação tem de terminar de forma inteligente e até brincalhona, provocativa”.
Algo que tocou Mouzar no trabalho vencedor foi que, no encerramento, a autora diz que, mesmo que se um dia for embora de Tatuí, jamais vai se esquecer dos Natais na cidade. Por isso, comum a outros jurados, o escritor percebeu o amor por Tatuí que os participantes do certame demonstraram.
“É um sentimento de pertencimento muito forte, bonito de se ver. A referência ao Pinheirão (na Praça da Santa) é quase onipresente quando se fala em Natal em Tatuí”, diz.
“Senti o lado religioso também, mais o lado de confraternização familiar muito presentes, além do perfil turístico de Tatuí, citando as orquestras do Conservatório”, sustenta.
Segundo Mouzar, o Concurso Artístico e Literário de Natal “é muito importante, por desenvolver nas crianças o jeito gostoso de escrever e desenhar. Para um concurso, é um incentivo para ler, escrever, pintar”.
Ele se disse lisonjeado por ter participado do corpo de jurados e brinca que se sentiu como o técnico de uma seleção de futebol. “Eles têm de escolher os melhores. No meu caso, só um! Se estivessem todos ruins, seria fácil. Por isso, fui fazendo pré-seleções”, conclui.
Jurado na categoria redação do 6º, 7º, 8º e 9º ano, três fatores chamaram a atenção do escritor Henrique Autran Dourado em alguns trabalhos: o sentimento de amor e pertencimento a Tatuí, a importância de ler muito para escrever bem e a presença do verdadeiro espírito natalino.
“O Pinheirão, o caminhão da Coca-Cola que está sempre presente, a Praça da Matriz são elementos que fazem parte do cotidiano desses jovens, e os participantes se sentem identificados com eles. Há um sentimento de amor e pertencimento a Tatuí, isso ficou claro em muitas redações”, reconhece.
Quanto à necessidade de ler muito para escrever bem, ele ressalta a dificuldade com a faixa etária que julgou.
“Eles não estão muito afeitos à leitura e muito menos à redação nesta idade, mas percebi que, com a pandemia, houve alguns reflexos de melhora. Em Tatuí, não dá para fugir muito do Pinheirão, do caminhão da Coca-Cola, mas houve pessoas que conseguiram extrapolar. A que escolhi conseguiu criar uma imagem do Papai Noel para só revelar lá adiante. Achei muito bonita”.
“Criou a situação de uma pessoa doente, enxerguei um traço melancólico, o que é difícil no Natal. E aí aparece esse senhor que a tira desse estado. Achei positiva, um movimento de criatividade”, revela.
Autran Dourado sentiu também que os professores devem ter orientado muito no sentido da criatividade. “Fiquei muito satisfeito no geral. Os professores deveriam orientar a ler muito, ler, ler. Porque é lendo que a gente aprende os estilos, as regras. Na redação criativa, isso é fundamental”, complementa.
No entanto, ele observa algumas “deslizadas” em gramática e estilo, próprios do momento de aprendizado, mas achou interessante não ter vislumbrado “erros grosseiros, que muitos adultos cometem”.
Para Autran Dourado, o Concurso Artístico e Literário “é fabuloso, e que se repita todos os anos, porque podemos ter ideia das flutuações no aprendizado”.
“Outro sentido bonito é a competição. Faz parte da vida. A gente compete todo dia. O espírito é entrar e disputar. Entrar para disputar e tentar. Pode ser escolhido ou não”.
Ele conta nunca ter visto algo desta magnitude em São Paulo (onde residia antes de vir a Tatuí para administrar o Conservatório), “envolvendo uma cidade inteira, com alunos se esforçando para vencer”.
O jurado aposta que, nesta época, daqui a 50 anos, o próprio concurso estará inserido como tema, junto com o Natal. “Vai acontecer, e espero que dure para sempre”, encerra ele, para quem julgar os trabalhos o faz “sentir bem, fazendo parte da vida tatuiana”.
O jornalista, escritor e professor Cristiano Mota, que avaliou as redações do 5º ano, admitiu o desafio do trabalho entre todas as vezes em que participou como julgador.
Segundo ele, “a questão não é escolher um vencedor em si, o que não deixa de ser difícil, mas pelas questões que o trabalho suscita e merecem reflexão”.
“Neste ano, optei por premiar o trabalho que representasse uma soma de questões que envolvem a noção geral que se tem do Natal.
Um aspecto que me chamou muito a atenção é que todo o simbolismo está presente, nos seus aspectos comercial na maioria das vezes, e, no religioso, em raras ocasiões”, explica.
“São signos transmitidos nos meios sociais (família, igreja, escola) externalizados pelos alunos em seus textos. Além da ternura, do amor ao próximo, do sentimento de felicidade, união e confraternização, as crianças mencionam elementos que são transmitidos – e ensinados – a elas quase que naturalmente, porque estão enraizados na nossa cultura”, continua.
Mota sentiu que os participantes têm como rito uma série de quesitos, como suprir as necessidades comerciais, de compra de presentes, consumo de comidas típicas e visitas a espaços que funcionam no Natal.
“A impressão que se tem, ao ler os trabalhos, é que as crianças sentem que precisam cumprir uma série de tarefas, quando deveriam apenas aproveitar”, analisa.
“Por outro lado, não faltam indicadores de que as “crianças de hoje em dia estão mais conscientes dos seus papéis na sociedade e de que as realidades podem ser múltiplas, mesmo no Natal, época que a maioria associa com fartura de comida”.
“Em muitos textos, os alunos externalizam preocupações com moradores de rua, mencionando, inclusive, participação em ações como distribuição de balas e doces, realização de festas comunitárias, entre outros”, diz.
Por isso, conta, optou por selecionar um texto que “ultrapassa o senso comum pela incorporação da criatividade, mas não só isso: enfatiza, e eu diria que até resgata, entre as crianças, o verdadeiro sentido do Natal de que o maior presente da vida são as pessoas e não as coisas”.
Assim como outros jurados de redação, Mota elogia o concurso pelo estímulo à escrita. “De qualquer forma, o que é muito positivo e extrapola qualquer análise educacional, é o estímulo à escrita. Em tempos em que a informação circula por meio de áudios curtos e microtextos, é excepcional ver que as crianças são estimuladas pelo concurso a escrever, não só praticar a caligrafia em si, mas pensar”, sustenta.
Ele ressalta, ainda, o papel dos professores, com “engajamento a trabalhar com as crianças nas salas de aula, reforçando unidades das ementas”.
Cristina Siqueira observou que mesmo as crianças que não nasceram aqui e vieram para a cidade acompanhando as famílias, já apresentam laços com o município.
“Elas adotaram a cidade. Amam Tatuí!”, diz. Cristina sentiu, através das redações, que as crianças “gostam de passar o Natal aqui, de estar entre seus amigos e convidar os parentes de fora para curtir a cidade”.
Para escolher o vencedor, ela admite ser sempre muito difícil. “Mas, fui levada pela criatividade, originalidade, capricho na apresentação e o modo pessoal de interpretar o evento”, descreve. Cristina julgou as redações do 1º, 2º e 3º ano.
Em relação ao “espírito natalino”, no entanto, ela não o sentiu como um ponto forte. “A festa natalina gira em torno da ceia, dos presentes, do caminhão da Coca-Cola e à ida ao Pinheirão (na “Praça da Santa)”, observa.
“Creio que isto se reflete nas crianças de todos os lugares; vivemos em uma sociedade de consumo e a espiritualidade se coloca de maneira prática e mecânica. Se compararmos, poucos alunos se referiram a Jesus e à caridade”, acrescenta.
Ela lamenta o fato, por achar “importantíssimo haver o resgate ao espírito natalino, lembrando que a espiritualidade deve ser cultivada ao longo da vida e não só no Natal”.
Em relação ao trabalho das escolas, Cristina sentiu “as mãos dos professores e das famílias”, o que acha natural. “O que não pode haver é o trabalho feito ‘pela mão do gato’. O trabalho dos professores e dos pais é importantíssimo na condução deste tema”, opina.
Para ela, o Concurso Artístico e Literário de Natal é de efetiva importância: “Outras empresas deveriam se espelhar neste empenho de valorização da literatura, das artes”.
“Estímulo e motivação para o exercício da língua portuguesa despertando a sensibilidade deveriam ocorrer o ano todo. O incentivo partindo das forças econômicas e políticas da cidade transformaria fundamentalmente a sociedade e deveria ser constante”, conclui a escritora.