E quatro anos depois de tanto dissenso, desinformação e desmedidos perigos à democracia, o país chega a mais uma eleição geral neste fim de semana, podendo novamente expressar seu desejo quanto a um caminho de futuro, se ainda mais sectário ou menos extremista.
Antes, contudo, é essencial reafirmar o direito de cada cidadão concretizar suas escolhas sem qualquer interferência ou pressão, seja pelo bombardeio virtual de mentiras, pelo ufanismo de rebanho ou pela ameaça velada (ou explícita) de líderes políticos e/ou religiosos – senão, pior, pelo puro medo de perder a ajuda financeira do estado ou mesmo de levar um tiro.
Por certo, aqui, não vai nenhuma indicação de preferência partidária e menos ainda “contra” alguma candidatura – salvo se, inequívoca e indisfarçadamente, alguma delas já seja identificada – pela população em geral e não por este veículo em particular – como comprometida com a violência, ideias totalitárias e desejo por disruptura constitucional.
Não sendo o caso, é de se reiterar a importância do direito às opções de cada um, tal como a segurança a ser garantida a todo e qualquer brasileiro no exercício do voto. E mais: o respeito aos resultados obtidos nas urnas – apontem quem apontarem como vencedores.
Não se trata, portanto, dessa baboseira com a qual se tem tocado muita gente nos últimos anos de um lado a outro, da esquerda à direita – como se isso pagasse contas da população, como se lhe garantisse escola decente para os filhos, como se lhe reservasse vaga em hospital, como se lhe assegurasse a carteira de trabalho assinada, como se não lhe colocasse na condição de torcedor, quando, na verdade, cada eleitor é um protagonista do jogo, da história de seu país!
Na prática, para uma associação bem clara, seria possível imaginar estas eleições como um grande dérbi esportivo, com torcedores não indo ao estádio, mas às urnas, carregando suas bandeiras e vestindo suas camisetas de times, esperançosos de poderem comemorar a vitória.
Não por acaso, a se observar o pleito desta maneira, as eleições também são chamadas de “festa da democracia”, marcada pela disputa, brincadeiras e até provocações, sim, mas, muito além, pela alegria, civilidade e, claro, cidadania, imbuído com a qual todo indivíduo – em rara oportunidade – sente-se decisivo e importante para a nação.
Nesse jogo, sobretudo e mais importante, todos são iguais: têm o mesmo direito, figuradamente, a chutar para o gol uma vez. Têm, portanto, o mesmo privilégio ao voto, sejam ricos ou pobres, brancos ou pretos, mulheres ou homens; todos valem a mesma coisa (algo que somente a democracia garante, fundamental “relembrar”!).
A disputa, por este aspecto, é saudável, até prazerosa. O problema, muito sério, começa quando a torcida adversária deixa de ser vista como tal, passando a ser compreendida como inimiga e, por consequência, alvo a ser atacado e, se possível, eliminado.
Esta mudança deletéria de paradigma nas regras do jogo democrático pode ser entendida como muitas coisas – reflexo, certamente, de deterioração moral e cívica -, mas nunca como algo a ser levado na esportiva.
É gravíssimo, portanto, quando ataques a “torcidas adversárias” acontecem em escalada por todo o país. Episódios desta natureza paleolítica têm sido tão comuns que, lamentavelmente, não pouparam nem Tatuí, onde a caravana de um candidato a deputado andou levando pedradas no sábado passado, 24.
Não importa quem seja ele, o partido e o cargo pleiteado; importa a agressão, a violência e o franco comportamento vândalo instigado pela polarização política.
É este fenômeno grotesco, medonho, absolutamente nocivo a envenenar a vida pública (e até pessoal) que precisa ser observado e – aqui, sim! – extirpado.
Repetindo, para não dar margem a interpretações superficiais: não só as pessoas têm
direito a torcer para quem bem lhes entender, mas “todos” os candidatos precisam ter segurança e liberdade para concretizar suas campanhas e, por fim, assumir os cargos conquistados sem nenhum risco.
Qualquer atitude fora dessas “quatro linhas da Constituição” é nada além de puro e simples desrespeito às regras do jogo. Porém, nestas alturas do campeonato, influi de maneira determinante o peso da torcida, formada pela soma de cada brasileiro.
O problema é que parte dela parece estar indo ao estádio não para torcer, mas para buscar apenas o resultado que lhe interessa, mesmo que isto implique em quebrar as pernas dos inimigos – aliás, “ainda” adversários para a maioria.
Reconhecendo o perigo, vale um exercício reflexivo, francamente a favor das virtudes somente garantidas pela democracia – e, afinal, da “graça do jogo”: imagine, eleitora, eleitor, por exemplo, que você é palmeirense, são-paulino, corintiano, santista e, entusiasmado, vai ao estádio torcer por seu time, naturalmente esperando a vitória.
Neste caso, a conquista seria ainda mais relevante porque implicaria em levar a taça de um campeonato – como a Copa do Mundo – que acontece somente a quatro anos. Emocionante, empolgante e, assim, motivo de festa! Tudo ótimo!
Porém, o gostinho da vitória seria o mesmo se os times disputassem em pé de desigualdade? Certamente, só quem aprecia gosto por sangue teria o “sim” como resposta.
Na verdade, muito mais urgente não é nem deixar de soltar rojões por time que busca a vitória com faltas e jogo sujo, mas buscar dissuadir essa parte da torcida, levando-a a reconhecer que vale muito mais a continuidade do campeonato democrático que a tomada da taça pela força; que, mais vital ainda, é manter a oportunidade de ir aos jogos para torcer em segurança e paz!
A propósito, que “graça” teria prestigiar algum time se o torcedor já soubesse, de antemão, que a conquista é certa – como ocorre em todo e qualquer país sob ditadura ou autocracia, onde os campeonatos eleitorais acontecem somente para cumprir tabela?
Cada eleitora e eleitor com real senso de esportividade, consciente e honesto, por conseguinte, precisa decidir e se posicionar na defesa do jogo limpo – ou seja, a favor da bola e contra o porrete, pelo respeito à Constituição e contra o tapetão.
Concluindo a reflexão do ponto de vista da “família”, tão focada em discursos, embora desconsiderada na prática, é de se reconhecer que ninguém levaria os filhos a uma “arena” cheia de torcidas organizadas para a violência, armadas não com bandeiras e cornetas, mas com revólveres, prontas a te matar e à sua família se não aceitar cantar o hino delas e beijar-lhes as chuteiras…
Por derradeiro, corintianos, palmeirenses, são-paulinos, santistas ou torcedores de quaisquer outros times – eleitoras e eleitores! – é brutal a necessidade de, muito além de qualquer agremiação, torcer pela vitória (e manutenção) da democracia!
Somente ela vai garantir que você possa continuar indo aos estádios sem medo, apenas para se divertir com a família e, de quatro em quatro anos, escolher seus representantes no maior certame nacional: as eleições diretas e livres!