Da reportagem
Fã de animes e sem oportunidade de comprar brinquedos, Gabriel Oliveira dos Santos – um menino de apenas nove anos, morador da região do Jardim Santa Rita de Cássia, em Tatuí – passou a criar os próprios bonecos para poder brincar em casa e na escola.
A partir de dobraduras e colagens de papel, o garoto já confeccionou 36 bonecos. A maioria deles é de personagens do “Naruto”, um mangá criado pelo mangáka Masashi Kishimoto. Também há criações do anime “Dragon Ball”, de Akira Toriyama – ambos de origem japonesa.
“Eu amasso o papel, desenho, pinto, recorto e colo”, explica Gabriel, destacando confeccionar os brinquedos com materiais baratos existentes na casa, como folha de caderno, cola branca, tesoura e lápis de cor, enquanto as versões originais dos bonecos podem variar de R$ 40 a R$ 600 cada.
“Eu queria muitos os bonecos do Naruto, mas minha mãe não podia comprar. Então, primeiro, tentei juntar um dinheiro, mas, quando consegui a quantia e fui comprar, o valor do boneco já tinha subido. Aí, comecei a fazer os meus”, contou o garoto.
Para a confecção dos bonecos, Gabriel usa uma técnica chamada “papercraft”, utilizada para a criação de miniaturas de personagens a partir de dobraduras e colagens de papel.
Ele conta ter aprendido a confeccionar os bonecos com a ajuda de um amigo que também gosta muito de animes e fez um curso de “papercraft” em São Paulo.
“Ele veio passar uns dias em casa e me ensinou a fazer. Isso já faz uns quatro anos. Aí, como não podia comprar os meus brinquedos, eu me lembrei de como fazia os bonecos e comecei a fazer os personagens. O primeiro foi do Naruto mesmo”, lembra Gabriel.
O garoto explicou que, pela cultura pop japonesa, ele é classificado como um “otaku”. O termo é usado para definir as pessoas que se interessam pelos animes (desenhos animados) e mangás (histórias em quadrinhos) e consomem produtos culturais japoneses.
Gabriel é aluno da Emef “Paulinho Ribeiro”, no Tanquinho, e, no contraturno escolar, realiza atividades no Complexo Educacional “Professor Acassil José de Oliveira Camargo”, pelo Projeto “Ayrton Senna”, onde a professora de artes visuais Rosemeire Oliveira descobriu o talento do menino.
“Ele é um garoto que sempre se destacou nas aulas de desenho. Tudo que eu passava de atividade, ele fazia com facilidade e com traços diferenciados para a idade dele. Sempre o elogiei por isso, e acho que foi assim que ele confiou em mim e perguntou se podia me mostrar os bonecos”, conta a professora.
Segundo Rosemeire, o estudante resolveu levar os bonecos de papel para a sala de artes visuais e mostrá-los à professora. Ela disse ter se “encantado” pelas peças e acabou incentivando o garoto a expor o trabalho.
“Ele tirou de dentro da mochila dele diversos bonecos e colocou na minha mesa. Quando vi, fiquei impressionada. Como professora de artes, reparo em tudo – nos desenhos, nas formas etc.), e o trabalho dele me chamou a atenção pela riqueza de detalhes”, completou.
Depois da descoberta, com o incentivo da professora de artes visuais, Gabriel ministrou uma oficina de “papercraft” aos colegas e promoveu uma exposição das miniaturas no “hall” de entrada do complexo educacional.
De acordo com o professor e coordenador pedagógico do projeto, Altair Vieira, a arte do aluno e a confecção das miniaturas de animes vai ao encontro dos objetivos das atividades oferecidas pelo complexo educacional no contraturno escolar, e, por isso, foi “bastante incentivada”.
O complexo soma ginásio de esportes, campo de futebol, área de lazer com piscina e 11 salas internas, atendendo, atualmente, 478 estudantes do ensino fundamental I (1º ao 5º ano) no contraturno escolar.
O espaço ainda oferece atividades e oficinas como letramento, leitura, informática, lógica e experiências matemáticas, natação e outros esportes, educação artística, recreação, meio ambiente e música.
“Descobrimos o dom do estudante por acaso; a professora viu, gostou muito e veio nos mostrar. E esse é nosso objetivo: descobrir talentos nas mais diversas áreas e incentivá-los”, ressalta o coordenador.
O garoto também recebeu apoio da diretora do projeto, Cristina Maciel, que prontamente autorizou a realização das oficinas e da exposição com as peças produzidas pelo estudante.
“O Gabriel é um ótimo aluno. Nós ficamos encantados com o trabalho dele, e estamos incentivando-o a criar cada vez mais peças. Até os outros alunos estão entrando na onda e fazendo alguns bonecos. Agora, ele foi convidado a expor o trabalho no Museu Histórico ‘Paulo Setúbal’”, acentua a diretora.
Além do incentivo à arte, Rosemeire afirma que a história do aluno, em situação de vulnerabilidade social, acabou se transformando em uma grande corrente de solidariedade dentro e fora do projeto.
“Quando ele me contou que não podia comprar os bonecos, fui até uma loja de animes para comprar e dar de presente para ele. Mas, ao contar da história, o lojista também ficou emocionado e doou dois bonecos para o Gabriel”, conta a professora.
Apesar de ter conseguido alguns dos personagens em brinquedo, Gabriel classifica o estímulo que recebeu da professora como o principal incentivo para continuar fazendo os desenhos e dedicando-se ao aperfeiçoamento da técnica de colagem.