Bastaram as restrições de convívio social impostas pela pandemia terem arrefecido para que, ato contínuo, diminuíssem as agressões contra as mulheres – também denominadas “violência doméstica”.
Esta consequência é obviamente positiva, mas, ainda assim, não deixa de fazer pensar o quanto ainda há gente perturbada e de índole animalesca no mundo – inclusive, em Tatuí.
Para se ter ideia, reportagem publicada pelo jornal O Progresso de Tatuí nesta quarta-feira mostrou que, somente entre estes dias 13 e 15, três boletins de ocorrência dessa natureza foram registrados na Delegacia Central, conforme levantamento deste periódico.
Na quinta-feira, 13, a GCM foi acionada pela assistência social da UPA (unidade de pronto atendimento) para atender a uma mulher de 43 anos que chegara ao local relatando ter sido agredida pelo marido, um homem de 39 anos.
Conforme o boletim de ocorrência, à GCM, a mulher afirmou ter procurado atendimento médico após sofrer puxões nos cabelos, pontapés e empurrões que a fizeram cair no chão. Ela ainda disse aos guardas que queria processar o marido e relatou que ele ainda estava na casa, “alcoolizado e drogado”.
O homem foi encontrado na residência, encaminhado ao Pronto-Socorro Municipal e, posteriormente, à Delegacia Central, onde negou o crime. Segundo o boletim, ele sustentou ter sido agredido pela esposa com o cabo de uma enxada.
Segundo a Polícia Civil, os dois envolvidos apresentaram lesões leves, pela ficha de atendimento médico. A mulher, com suspeita de gravidez, precisou ficar em observação na UPA.
Na DC, o delegado plantonista Rafael Witzel de Medeiros determinou a prisão do acusado por lesão corporal e violência doméstica, com possibilidade de pagamento de fiança de um salário-mínimo, R$ 1.212.
No dia seguinte, sexta-feira, 14, uma equipe da Polícia Militar foi acionada para atender a uma ocorrência de violência doméstica entre uma mulher de 30 anos e o companheiro dela, de 24, na vila São Cristóvão.
Conforme a PM, o casal ainda estava se agredindo quando a viatura chegou. Em boletim, a equipe que atendeu à ocorrência relata que a mulher segurava o esposo pelas calças, enquanto ele tentava se desvencilhar.
Os dois foram levados ao PS Municipal, atendidos e liberados em seguida. Na delegacia, ficou registrada ocorrência de violência doméstica e os dois terminaram novamente liberados.
Já no sábado, 15, uma equipe da Guarda Municipal atendeu a uma ocorrência de violência doméstica na região do Jardim Santa Rita de Cássia. Uma mulher de 32 anos informou que estava voltando para casa, com a irmã dela, quando o ex-companheiro tentou atropelá-las.
A vítima ainda disse que o homem não poderia se aproximar, por ela já ter medida protetiva contra ele. Aos guardas, a vítima relatou que o ex-marido estava em um carro, na rua da casa dela, e teria saído bruscamente com o veículo, atingindo-a e à irmã, que acabaram caindo de joelhos e tiveram ferimentos leves.
O homem teria ido embora do local e voltado quando as vítimas conversavam com a GCM. Aos guardas, ele mostrou um documento judicial de revogação da decisão que havia deferido a medida protetiva. O homem ainda negou ter tentado atropelar as mulheres.
As duas e o homem foram encaminhados ao pronto-socorro para exames e, em seguida, compareceram à Delegacia Central, onde as vítimas não quiseram apresentar queixa. Eles foram ouvidos e liberados.
São casos lamentavelmente corriqueiros, mas que bem exemplificam a realidade perversa enfrentada por inúmeras mulheres desde sempre, mas que teve sensível piora após o confinamento de “casais” em suas residências – o que não deveria ser tão incoerente como parece.
A mesma reportagem apontou, por sua vez, que o total de investigações criminais relacionadas à violência doméstica entre janeiro e novembro de 2021 apresentou queda na comparação com o mesmo período de 2020. Os dados são do relatório mais recente da SSP (Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo).
De acordo com as estatísticas divulgadas pelo órgão de segurança, a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) local instaurou 440 inquéritos por violência doméstica nos 11 meses do ano passado, contra 508 entre janeiro e novembro de 2020.
Em contrapartida, o número de flagrantes efetuados nos mesmos 11 meses subiu de 60, em 2020, para 65, nos 11 meses de 2021 – o que representa aumento de 8,33%. O mesmo aumento, de 60 para 65, ocorreu no número de pessoas presas em flagrante de 2020 para 2021.
O levantamento da SSP ainda aponta que foram efetuadas duas prisões por mandado nos 11 meses de 2020 e nenhuma no mesmo período do ano passado. Nos 11 meses de 2020, também foi realizada a apreensão de uma arma de fogo, o mesmo número de janeiro a novembro de 2021.
O aumento dessas ocorrências também foi apontado pelos relatórios da Patrulha da Paz, programa especializado no atendimento e proteção de mulheres vítimas de violência, mantido pela Guarda Civil Municipal em parceria com o Núcleo de Justiça Restaurativa, por meio de convênio com a prefeitura.
Para a Secretaria Municipal de Segurança e Mobilidade Urbana, o isolamento social foi um dos fatores que contribuíram para o aumento dos índices.
Afora o fato de muitos, até então, não viverem mal somente porque mantinham distância dentro da própria casa, os números só reforçam a necessidade dos dispositivos de proteção às mulheres.
Contudo, não só a elas: também às crianças, idosos e demais “vulneráveis” porque, a considerar-se a selvageria, tanto não é possível confiar na humanidade de muitos trogloditas por aí quanto esperar que nem mesmo o fim total da pandemia seria capaz de encerrar com as agressões.
De qualquer maneira, o confinamento tem contribuído, sem qualquer dúvida, com a fúria dos agressores. A aferição atual o comprova em números muito claros, decrescentes ao mesmo passo das flexibilizações sociais.
E, finalmente, este é mais um motivo que deveria levar “todos os cidadãos de bem” a posicionarem-se contra a pandemia: para que menos mulheres e indefesos continuem apanhando!
Mas, como fazê-lo? Já sabendo-se que, entre todos os meios, a vacinação é a resposta mais eficiente contra o vírus, é preciso se vacinar por “completo” – senão pela própria vida, pelo menos pela vida menos miserável de tantas vítimas de agressão covarde.