Da reportagem
O caipira “Nhô Lau”, personagem que “dá vida” a um boneco criado pelo artista plástico, cenógrafo e professor tatuiano Jaime Pinheiro, pode ser reconhecido como Patrimônio Cultural Brasileiro.
A obra, conhecida a partir da quarentena pelas redes sociais do artista plástico, está classificada para a etapa final do 34º Prêmio Rodrigo de Melo Franco de Andrade, premiação que reconhece, em nível nacional, “ações de excelência para preservação e promoção do Patrimônio Cultural Brasileiro”.
O concurso foi aberto, em outubro deste ano, para todo o país e totalizou 435 ações inscritas. A lista dos finalistas saiu na terça-feira, 9, e traz o trabalho do tatuiano como um dos nove selecionados do estado de São Paulo, entre os 124 classificados para a final nacional.
A iniciativa do artista plástico foi batizada de “Convivendo com Nhô Lau” e está concorrendo na categoria “ações de excelência na preservação e salvaguarda do patrimônio cultural adaptadas ao contexto da pandemia”.
O certame é promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada à Secretaria Especial da Cultura (Secult) e ao Ministério do Turismo (MTur), e contemplará 12 ações em todo o país. São dez prêmios de R$ 20 mil e duas menções honrosas.
Pinheiro conta que soube do concurso pela tatuiana Sônia Rampim, coordenadora de educação patrimonial do Iphan, em Brasília. Ela avisou o artista sobre a abertura do certame e incentivou-o a inscrever a ação.
O professor também diz ter contado com apoio e incentivo da aluna Hitamara Tamizou. Segundo Pinheiro, ela ficou responsável por juntar os materiais e inscrever a ação “Convivendo com Nhô Lau” no concurso.
“Tenho que dar crédito à Hitamara, ela que me incentivou e correu atrás das documentações exigidas, arquivos e uma série de coisas que precisamos enviar para concorrer à premiação”, acrescentou Pinheiro.
Nhô Lau é um boneco inspirado na figura do caipira, confeccionado por Pinheiro há quase 20 anos.Ele criou a peça com materiais reciclados, para mostrar aos alunos como era a construção de bonecos e, em um segundo momento, usou o personagem no TCC (trabalho de conclusão de curso) dele.
Com isso, alguns amigos do artista já conheciam o boneco, entretanto, Nhô Lau chegou ao grande público a partir de março de 2020, com o início da quarentena, determinada em virtude da pandemia.
Para passar os dias em isolamento e levar divertimento aos amigos e seguidores, Pinheiro usou o boneco que já tinha em casa e “deu vida” a um novo companheiro.
Usando técnicas de iluminação, composição e cenário, ele passou a criar fotografias que mostravam cenas cotidianas ao lado do “amigo” caipira e, nos meses mais rígidos da quarentena, fez postagens diárias, contando como passava os dias em confinamento.
O cenógrafo, que tinha rotina agitada, com muitos compromissos, disse que a ideia de usar o personagem surgiu por acaso, entre o terceiro e o quarto dia de isolamento, como uma forma de passar o tempo.
A primeira postagem com o companheiro foi feita no dia 20 de março, por volta das 20h, no Instagram (@jaimepinheiro58) e no Facebook. A foto mostra Pinheiro ao lado de Nhô Lau, em casa, à mesa, com uma taça de vinho para cada um, e a legenda: “Burlando o confinamento I: Sexta-feira ouvindo ‘causos’. É bom ter amigos que estão sempre juntos. Valeu, Nhô Lau!!!”.
Somente pelo Facebook, em poucos dias, foram quase 400 reações e mais de 60 comentários de amigos e conhecidos do artista, que entraram na brincadeira e deram ainda mais vida ao personagem criado por Pinheiro.
Depois disso, vieram várias publicações, mostrando como os amigos estavam vivendo no isolamento, com momentos tocando viola, contando “causos” de assombração, ou simplesmente assistindo televisão, fazendo refeições, cortando o cabelo ou aprontando alguma “peripécia”.
As imagens sempre mostravam situações cotidianas. Em algumas cenas, somente o personagem aparecia em ação; em outras, Nhô Lau estava ao lado do criador. Em comum, todas tinham nas legendas características de uma “boa prosa”.
As postagens também traziam cenários com objetos e símbolos em referência às tradições caipiras, desde as falas e vestes do boneco até detalhes como a tradicional caneca esmaltada, conhecida como “ágata”, para um cafezinho.
Pinheiro salienta que as publicações tiveram como inspiração os avós, nascidos e criados em meio à tradição “cabocla”. A ideia, segundo o artista, era de “criar emoção, estimular comentários, valorizar as tradições, sensações, levantar boas lembranças, trocar ideias e conhecimentos”.
Por meio das redes sociais, as situações vividas entre os amigos ganharam alcance mundial. Pinheiro apontou ter diversos seguidores ao redor do mundo que acompanhavam as publicações diariamente.
“Tive muito retorno com as publicações do Nhô Lau. Tenho amigos no Japão, em alguns países da Europa, nos Estados Unidos, inclusive, do pessoal de teatro de animação da Rússia e da Alemanha, que gostaram das publicações e entenderam a questão cultural rural do personagem”, argumenta o artista.
O trabalho de Pinheiro também foi reproduzido no jornal O Progresso de Tatuí, entre os meses de abril e outubro de 2020 – período em que foram realizadas as postagens -, por meio da coluna “Quarentena do Nhô Lau”.
Além disso, o alcance das postagens rendeu ao artista a oportunidade de ajudar em projetos sociais. Com as publicações, Pinheiro foi convidado a participar do projeto “Manifesta Arte em Rede” – iniciativa que arrecada fundos a comunidades carentes -, participou de palestras em escolas e de diversas outras ações falando sobre a cultura caipira.
“Ele também foi artigo de TCC de uma universidade de Brasília e tema de um bate-papo pela Universidade Federal de Santa Catarina, como uma nova modalidade de teatro de animação na pandemia”, adicionou o artista plástico.
Para Pinheiro, a oportunidade de estar concorrendo a um prêmio nacional com o personagem Nhô Lau “ressalta o valor da cultura caipira para todos os brasileiros”.
“É impressionante o quanto essa cultura está viva dentro da gente, e o Nhô Lau veio dessa memória afetiva das pessoas que pertencem a este meio. Ele representa as nossas histórias”, acrescenta.
As iniciativas selecionadas na etapa estadual serão avaliadas pela Comissão Nacional de Avaliação, formada pela presidência do Iphan e por 20 jurados que atuam nas áreas de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural. O resultado está previsto para o dia 17 de dezembro.