Brexit, Trump, Brasil e o neofascismo





A reviravolta no referendo do dia 23 de junho no Reino Unido, que decidiu pela saída (“Brexit”) da União Europeia, foi um incidente que surpreendeu. O premiê David Cameron, durante a campanha, havia prometido realizar a consulta popular, a fim de agregar votos ultraconservadores ao seu eleitorado. Cumpriu a promessa, e amargou a derrota. Fez o que prometeu, ao contrário de políticos de países em que promessas são comumente abortadas após a posse. Honrou sua palavra, que é sagrada entre os anglo-saxônicos, e anunciou a renúncia. Perdeu o Reino: em 2012, a União Europeia recebeu o Prêmio Nobel por mais de 60 anos em defesa da paz, da democracia e dos direitos humanos.

A iniciativa ultraconservadora pode conduzir à dissolução da UE, e já cria sérios problemas políticos e econômicos para o Reino, e por tabela para o mundo. Como reflexo desse tombo, em países como a Itália já se ensaiam passos para a retirada. Em paralelo, um visível retrocesso ultraconservador nos EUA, país de ligações filiais com o Reino Unido. O fenômeno catalisador da ultradireita atende pelo nome de Donald Trump, “capo” de um conglomerado de empresas que lhe dá um rendimento (declarado) de 250 milhões de dólares anuais.

O pré-candidato republicano parece ter uma gana incontrolável pelo poder, levantando bandeiras xenofóbicas e ultranacionalistas não muito diferentes das que moveram o Brexit. Tanto na Grã-Bretanha quanto nos EUA já está semeado o medo, a discórdia que alimenta os instintos mais preconceituosos e que abre uma ferida vulnerável à contaminação em ampla escala.

É possível detectar os mesmos sentimentos surgidos na Itália após a 1ª Guerra, uma ideologia que foi buscar suas origens bem lá atrás, entre os espartanos, remontando à pureza racial e defesa intransigente de seus ideais pela força. Depois surgiu sem nome, sem lenço nem documento, durante o Império Romano. No século 20, reaviva-se o “fascios”, símbolo da autoridade penal na Roma antiga, adotado pelo fascismo. Mussolini seduziu o responsável por milhões de mortes, a bordo de um antissemitismo cruel e a ideia de imperar sobre toda a Europa: Adolf Hitler, que louvava a cultura helênica, em especial a de Esparta, e criou seu nacional-socialismo. Já o fascismo de Mussolini tinha laços com pensamentos de Platão e, claro, Augusto e Júlio César, do Império Romano.

No Brasil, ressurgem os ventos fascistas, tanto faz se entre os que se dizem “de direita” ou “de esquerda”, salvo raras exceções de autenticidade. Seja com os deputados da chamada “bancada da bala”, incensado por alguns, apesar do passado e da conduta reprovável, seja com a “da bíblia”, representada por uma ala radical de algumas “igrejas evangélicas”, que levam para a vala comum as correntes dos que seguem verdadeiramente a palavra de Cristo. Mas não é só nesses agrupamentos que aparece o que já é claramente um retrato do neofascismo. Há os radicais que, ligados a agremiações que carregam nomes socialistas, comunistas, ou adotam a “bandiera rossa”, parece se envaidecerem ao serem chamados de stalinistas, referência ao “Guia Genial dos Povos”, o soviético Joseph Stalin. No fundo, se neofascistas e stalinistas não são dois lados da mesma moeda, como gêmeos univitelinos, ao menos com certeza compartilham alguns genes comuns de seus DNAs.

Se, no Reino Unido, o Brexit foi definido pelos votos dos mais velhos e conservadores, assim como a ascensão da candidatura Trump, no Brasil o retrocesso se dá em ordem inversa, e tem arrebatado jovens de diversas classes. Há o discurso niilista (de negação geral) do funk, os “black blocs”, pseudoanarquistas, e parte do Congresso ou personalidades do poder, travestida de uma autodeclarada esquerda que vem se revelando no dia a dia no mais das vezes de mãos dadas com os grandes capitalistas. Por fim, o cheiro do radicalismo fascista chega às nossas universidades. Ao contrário dos idosos conservadores, com Brexit e Trump, ele vem nas atitudes dos mais jovens.

Uma reportagem na TV mostrou um professor da Unicamp dando uma aula “clandestina”, porque a minoria radical lhe tirou e de seus alunos o direito de realizá-la como sempre. Após escrever uma longa e complexa fórmula na lousa, o professor viu, lado a lado, um aluno apagar tudo, como quem canta “não vai ter aula!” Na USP, professores do Instituto de Física divulgaram uma carta aberta com referências ao “autoritarismo fascista do movimento estudantil controlado pela esquerda” – obs.: seja lá o que isso for! – e mencionam “a forma truculenta e autoritária” como os “estudantes grevistas” têm atuado dentro da universidade, incluindo “assembleias minoritárias de estudantes” para decidir em nome de todos pelas greves e piquetes. (Eu acrescentaria ao texto dos colegas: protofascistas, algo como “arremedos de fascistas”).

Temos consciência da enorme responsabilidade de fazer parte do corpo docente de uma das melhores universidades da América Latina, que custa aos pagadores de impostos cerca de 15 milhões de reais por dia”. E um recado: para aulas dadas serão consideradas presenças por comparecimento, e para os ausentes, faltas – evitando as surradas e absurdas reposições “fake”. Aulas “clandestinas” aconteceram na Ufscar e na USP São Carlos, fora as regulares de institutos do Butantã que resistem ao uso da força pela minoria e separam o joio do trigo. Há quem queira rasgar a Constituição sem sequer tê-la lido. Podem ser novos os tempos, mas as ideias muito velhas.