Muito interessante a reação de alguns ainda a apegarem-se ao extremismo para defender causas absolutamente incompatíveis com os próprios discursos – ou “narrativas” (palavra da chatíssima modinha do momento) -, sejam de defesa da democracia, da família ou da liberdade.
Não há nada de familiar – tampouco cristão – em estampar na camiseta a deturpação de uma frase bíblica, como “armai-vos uns aos outros”, por exemplo. Não obstante, com “narrativa” desse naipe, saiu-se às em nome “do bem”…
Quem bem é esse a apostar em violência, ruptura social e preconceito que não acaba mais para, supostamente, abrir espaço a um país melhor? Realmente, precisa estar muito fanatizado para orar com essa bíblia da bala.
Por sorte de Tatuí – em reflexo ao que se observa no Brasil -, a enquete da semana anterior promovida pelo jornal O Progresso deixou evidente a aversão da imensa maioria dos tatuianos a um golpe de estado, apontando apenas 13% a favor do enquadramento nacional à moldura nazifascista.
O resultado é por demais animador, valendo mesmo ser enfatizado, por mais desagradável venha ser à minoria saudosista do tempo das borrachadas – daquele em que era “legal” bater em mulher, humilhar negros e homossexuais e segregar deficientes (só para ficar em poucos exemplos).
Mas, então, onde está o problema? Fora o perigo de que o fetiche pelo golpe ainda não se recolheu totalmente à sua obscura alcova do masoquismo, segue a necessidade vital de a minoria entorpecida despertar, voltar à realidade, à normalidade.
Por ora, mesmo os fatos mais evidentes, inquestionáveis, ainda são sumariamente ignorados pelo contingente extremista, em nome do sonho verde-amarelo manchado de sangue.
Esse grupo, de maneira inacreditável, enxerga atrocidades no Supremo Tribunal Federal, mas ignora rachadinhas; demoniza a imprensa profissional, mas consome fake news sem medo de ser feliz; quer a morte sem julgamento de bandidos pés de chinelo, mas convive bem com as milícias na política nacional… (Novamente, só para citar alguns pontos – macabros).
Ou seja, o que é, para essa casta sectária, duvidar do resultado da enquete de um jornal? Nada! Se convivem bem – sem máscara, inclusive – com quase 600 mil mortos pela Covid-19, além da esculhambação geral na Educação, no meio ambiente, com a retomada da inflação e de outros tantos descalabros, o que é simplesmente desacreditar que os tatuianos não querem ditadura? Novamente: não custa nada!
Observando essa doida realidade, vem muito a calhar artigo do economista e mestre em filosofia Joel Pinheiro da Fonseca, intitulado “O mercado de ideias”, publicado na Folha de S. Paulo nesta terça-feira, 14. Escreve ele:
“Para que um debate público minimamente realista e produtivo ocorra, é preciso que as pessoas sejam alimentadas com informações corretas.
No passado, uma estrutura cara —e imperfeita— composta de checagem, treinamento profissional, códigos de conduta e reputação dava uma garantia de qualidade mínima à informação veiculada pela imprensa. As grandes empresas que dominavam o mercado faziam um trabalho de filtragem do que chegava ou não chegava ao grande público.
Hoje, os meios de divulgação, antes caros, se tornaram triviais. Qualquer pessoa com acesso à internet pode fazer perfis gratuitos nas redes sociais e veicular suas ideias. Qualquer um com conhecimento básico de edição de texto e imagem pode criar suas “notícias”, verdadeiras ou falsas, e difundi-las. O poder de filtragem da imprensa —cuja estrutura continua cara— caiu por terra.
O mercado é excelente para entregar às pessoas o que elas querem, sem juízos de valor, de comida a notícias. Num mercado de livre concorrência, os milhares ou milhões de fornecedores competirão para entregar notícias, opiniões e ideias que melhor satisfaçam o desejo dos consumidores. Isso significa que as melhores ideias vencerão? Será o mercado de ideias, por si mesmo, o melhor filtro para separar o verdadeiro do falso?
Isso aconteceria se o principal objetivo das pessoas ao consumir informação fosse conhecer a realidade. Infelizmente, sabemos que não é assim. O desejo de pertencer a um grupo e de confirmar as próprias crenças e valores muitas vezes fala mais alto.
A notícia que confirma a visão de mundo do leitor é aceita de pronto —dá até vontade de sair compartilhando por aí antes mesmo de checar—, já a que a contradiz o deixa irritado, exige de sua mente o esforço necessário para explicar, descontar ou desqualificar aquela informação que agride sua psique.
Como nenhum lado é dono da verdade, sempre haverá dados da realidade que contradizem o que gostaríamos que fosse verdade, seja qual for nosso grupo. Sendo assim, qualquer jornal sério irá fatalmente desagradar todos os leitores em algum momento.
Já o jornalista amador que mistura reportagem com opinião e sempre dá um jeito de dizer que um lado está certo e de atribuir as piores intenções aos adversários, esse terá clientela satisfeita. Com cada lado do espectro se fechando ao redor de suas fontes favoritas, o resultado é o fim progressivo de um chão comum de informações que possibilite o debate público. Sobram apenas as mostras de força.
Bolsonaro foi, no Brasil, o primeiro a explorar as potencialidades das redes sociais e aplicativos de mensagens (algo que o PT já ensaiara na época dos blogs, mas com muito menos penetração) para criar seu mundo paralelo. Ele não é, contudo, a causa do problema. Movimentos e políticos muito diferentes dele poderão ter a mesma proficiência das redes no futuro. Assim como nas drogas e nas junk foods, o problema está na demanda.
O gosto sem freios dos consumidores no setor da alimentação gerou a obesidade generalizada. Aos poucos criamos normas e promovemos conscientização para uma alimentação mais saudável. Algo similar é necessário na produção e consumo de informação.”
Perfeito! E, imbuído desta consciência, o jornal O Progresso reafirma seu compromisso de não apenas trabalhar com a realidade, mas de até, eventualmente, “desagradar” seus leitores – na fé (verdadeira) de que, sim, um dia a verdade “nos” libertará!