“Grève”, em francês, palavra de origem gaulesa (“grava”), na antiguidade significava “procurar emprego”, mas no século 19 passou a designar paralisação coletiva do trabalho. Com a Revolução Industrial (entre 1760 e 1840), o trabalho coletivo era o motor das indústrias e tudo o que se produzia no mundo. Sob pressão da classe operária, na virada dos séculos 19/20 muitos países passaram a reconhecer o direito de greve.
Talvez o registro mais antigo de paralisação seja o de 1152 a.C., com Ramsés III, quando artesãos interromperam o trabalho por falta de pagamento. Não só recuperaram os salários atrasados como também receberam como “agrado” um aumento salarial. Há registros pictóricos, mas um dos mais conhecidos é “The Strike” (a greve), óleo de Robert Koehler (1886).
Uma das mais amplas greves gerais aconteceu na Polônia de 1981, liderada por Lech Walesa, operário depois eleito presidente da república (1990-1995), e foi um dos símbolos do fim do domínio comunista na Europa Oriental. No Brasil, o direito de greve foi na maior parte do tempo suprimido, e apenas tolerado nos poucos governos mais condescendentes.
A força das greves seduziu as massas de trabalhadores e tornou-se um forte meio de ação, como bem descreve Friedrich Engels – que com Marx, 1848, redigiria o “Manifesto do Partido Comunista”. Engels, sobre o movimento londrino, escreveu: “Pelo seu número, a classe trabalhadora tornou-se a mais poderosa da Inglaterra, ameaçando os mais ricos. O proletário inglês tomou consciência de sua força…”
Marx publicou seu “A Pobreza da Filosofia” – título que ridicularizava o “A Filosofia da Pobreza”, do anarquista Proudhon, que via o exercício da greve como crime. Com as greves, surgiram os neologismos: os “strikebreakers”, ou fura-greves, que se recusam a aderir, sendo às vezes violentamente impedidos de trabalhar e até agredidos por seus companheiros. Surgiram ainda piquete (de “picket line”, “fila de estacas”), barreira, e os piqueteiros, que impedem pela força a opção contrária, impondo a vontade e interesses políticos de seu grupo a todos os demais.
No Brasil, a primeira grande greve, em 1917, eclodiu no eco da Revolução Russa. Em 1988, a Constituição Federal, em seu artigo 9º, conjugado com a lei nº 7.783, do ano seguinte, assegura o direito de greve a todos os trabalhadores. A greve é considerada legítima desde que tenha caráter temporário e pacífico, e que o empregador e entidade patronal sejam avisados 48 horas antes, ou 72, no caso de serviços essenciais. O instituto da greve não contempla os piquetes, apenas o direito de os grevistas tentarem persuadir os colegas de trabalho a aderirem ao movimento. Grevistas podem arrecadar fundos e exercer a livre divulgação, mas são proibidos de violar direitos e garantias. Não podem impedir o livre acesso ao trabalho nem causar danos a propriedades ou pessoas, ao passo que os empregadores não podem frustrar a realização ou a livre divulgação do movimento paredista.
Na atual crise econômica, a mais severa por que o Brasil já atravessou, são constantes as violações dos direitos, piquetes e depredações em manifestações. A reboque dos operários, a massa estudantil – falo quase que exclusivamente dos que frequentam universidades públicas e gratuitas, claro – passou a fazer uso de paralisações, usando das mesmas garantias legais. Mais ainda, a greve estudantil, apesar de intramuros, de anos para cá passou a servir mais como um instrumento político-partidário do que estudantil, passando ao largo dos interesses universitários.
Vivi meu tempo escolar sob uma ditadura até sair do Brasil, em 1977, com a repressão e a censura ainda imperando. Greve? Tínhamos medo de morrer, de pau de arara e masmorra. Foi somente como professor da USP, em 1988, que vim a participar da minha primeira greve. Grevistas chegaram das três universidades públicas do Estado em muitos ônibus ao Palácio Bandeirantes, blindado por PMs com seus lindos cavalos e aqueles longos cassetetes de madeira (chamados “MEC-usaid e abuseid”, nos tempos da ditadura). O reitor José Goldenberg conversava no gabinete com o então governador Quércia, e conseguiu um acordo para incluir na lei do orçamento anual (LOA) um percentual fixo da arrecadação do ICMS para as três universidades. Para 1989, a LOA estabeleceu a fatia de 8,4%; em 1993, chegou a 9%; e alcançou os atuais 9,57% em 1995.
Hoje, com a inflação em alta e a arrecadação do Estado em queda livre (o rombo é de 3,3 bilhões), fora os orçamentos comprometidos em mais de 100% com a folha de pagamento, a crise na academia parece insolúvel. Apesar do sucesso de campanhas salariais de anos passados, a atual parece fadada ao fracasso. Para piorar, não tem foco: a pauta universitária se confunde com a política estadual e mesmo nacional, o que serve para pulverizar objetivos e enfraquecer o principal. Pior ainda, os maiores interessados na greve são os estudantes – curiosamente, os principais prejudicados -, afrontando todas as garantias legais e impedindo o acesso de todos às aulas, rezando uma ladainha confusa, transmitida ano a ano como uma unção batismal a cada ingresso de calouros. Está faltando estudo no país, e isso se estende à questão política: fazem de palavras de ordem sindicais genéricas suas bandeiras, sem compromisso realista com a luta por conquistas possíveis. Estudantes são embalados pelo vento e se sentem revolucionários, mas quando muito são pequenos Quixotes delirantes que não chegam aos pés dos pesados moinhos.