“Antigamente”, “no meu tempo”, “naquela época” são expressões comuns, sempre repetidas pela geração atual de pais e avós, para dar início a exemplos entre a realidade atual e o passado.
Invariavelmente, as comparações ressaltam, em favor do pretérito perfeito, a melhor educação, a camaradagem, o respeito aos mais velhos, a honestidade e, claro, a segurança, de fato então existente.
Interessante é que muitos incentivadores do crescimento são os mesmos a lamentar os problemas típicos das grandes cidades… Tatuí ainda não é grande, mas já convive com problemas correlatos faz tempo.
Um deles chamou muito a atenção – e continuará a chamar, certamente – na semana passada, quando centenas de garotos se reuniram numa caçada pelas ruas centrais, tendo como presas três outros adolescentes.
Desnecessário apontar que a horda juvenil a perambular constantemente pelo centro tem intimidado a população, receosa de se aventurar pelas ruas, especialmente nas noites de sexta e sábado. “Antigamente”, isso não existia… Será?
Quem já ganhou ainda que tímidas ruguinhas e cultiva algumas madeixas platinadas (ao menos os sortudos que ainda não refletem a luminosidade lunar em seus cocurutos), sabem bem que a praça Martinho Guedes (a Praça da Santa), em especial, sempre exerceu grande atração sobre a juventude.
Ela sempre esteve ali. Quando as modernidades chegavam ao interior – com destaque para as ruins, obviamente -, ela estava lá para experimentar. A primeira porção de cocaína, os comprimidos que “deixavam louco”, a então assustadora heroína… Isso, além da democrática e eficiente pinga, ora afrescalhadamente denominada cachaça…
Todos os jovens frequentadores da noite serviam-se dos produtos alucinógenos e saíam detonando a Cidade Ternura? Não, e todos os “tiozinhos” também são testemunhas disso.
Havia ali mesmo, na Santa, a boatinha “Thunder”, do Alvorada Clube, servindo de trilha sonora a tantos encontros e romances que marcaram vidas para sempre…
Pertinho dali, funcionava o Tatuí Clube, também atraindo centenas de garotos e garotas, talvez um tanto apartados socialmente pelas distinções financeira e indumentária, não estampada pelas marcas “OP”, “OA”, “Fiorucci” (não raro do Paraguai)…
Contudo, nem pela aparente segregação social havia conflito. As brigas eram raras, quase nunca acabando em sangue, tampouco em tentativa de linchamento.
Que mudou, então? Fora o próprio crescimento, que trouxe uma nova população, alheia às “tradições caipiras”, muitos fatores influem. Nesta semana, O Progresso abordou a questão, por enquete em seu site.
As opções de respostas apontaram que a grande maioria das pessoas crê na negligência dos pais como principal causa da “desordem” juvenil, seguida por “ausência de fiscalização” e “falta de opções de lazer”.
São hipóteses concretas, baseadas em opiniões de agentes de segurança e demais profissionais envolvidos com as crianças e o adolescente. Porém, está claro que o maior problema – como quase sempre – é a falta de educação.
Sim, falta de educação em sentido amplo, não somente o formal, escolar. Algo não insano de se concluir seria que o crescimento não pode ocorrer somente em termos populacionais, senão, em exata sincronia, em ofertas de trabalho e lazer, saúde e educação públicas de qualidade.
Os “doidões”, os “briguentos”, tal os “galinhas” e as “periguetes”, os “trambiqueiros” e os jovens delinquentes, sempre vão existir. O ideal seria, contudo, existir mecanismos de se impedir o crescimento desnecessário dessa parcela sempre perdida da jovem população, que um dia será adulta e, por sua vez, determinará os rumos da cidade, do país…
Não há dúvida: as opções de lazer poderiam contribuir, sim, como também a revisão da responsabilidade legal relativa aos menores. Entretanto, ainda não há nada mais efetivo que a educação, formal e familiar.
A falta de educação em casa – é importante observar – não se trata meramente de negligência, mas, em muito, por má interferência do Estado na vida particular e pela própria ignorância e desapego pela responsabilidade.
Muitos pais querem dividir exageradamente a carga da educação dos filhos com o Estado – senão carregá-la toda sobre a escola – e, para piorar, a legislação relativa aos menores se esmera no politicamente correto, chegando ao ponto de estimular os filhos a ameaçarem os pais diante da possibilidade de uns tapas na bunda.
O resultado é esse que se esparrama pelas ruas: uma cidade despreparada para a absorção de tanta gente, impondo ações paliativas, com resultados tão contundentes quanto enxugar gelo – a despeito das boas intenções e competência dos órgãos de segurança e das demais autoridades ligadas à criança e ao adolescente.
Culpa de quem? De todos nós. Só não têm culpa as próprias crianças e adolescentes. Mais que tudo, esses jovens merecem uma coisa: um futuro decente. E não seria nas ruas, andando feito zumbis, onde eles encontrariam esse futuro.
Sim, os tempos são outros, e, agora, talvez os filhos daqueles antigos frequentadores do Alvorada e do Tatuí Clube sejam eles os segregados, impedidos de sair às ruas, à noite, por medo – e compreensível zelo – dos pais. Como se diz, o passado não tem volta. Resta trabalhar pelo futuro, de maneira que pelo menos os netos da geração 80 tenham oportunidade de viver numa cidade não necessariamente grande em tamanho, mas rica em lazer, trabalho e, principalmente, educação.
Sonhar ainda é possível.