Uso um alerta do Ministério da Saúde, órgão do governo, contra um vilão responsável pela morte de milhões de pessoas todos os anos no mundo inteiro: o cigarro. Faço aqui um paralelo com a prática da corrupção, palavra tão enraizada no Brasil que já carrega consigo um adjetivo de que nunca mais se libertará, pois além de cacoete repetido “ad nauseaum” (trad. liv.: até enjoar), tornou-se dela um amante inseparável: a corrupção é endêmica (ameaça contínua a uma população), uma moléstia infectocontagiosa. Artigos memoráveis, como “A taxonomia dos ratos”, do João Sayad (“Folha de SP”), livros, jornais, revistas, TV, tudo mostra que o país está contaminado como fosse por nova gripe espanhola, que matou 40 milhões de pessoas, ou por peste negra, que riscou do mapa 75 milhões. Mas toda endemia, alguma hora, perde para seu controle, como o sucesso na quase eliminação da poliomielite, que deixou incontáveis atrofiados e paralíticos. Há remédio para a corrupção? Sim. Toda endemia tem controle. Pode demorar um tempo, mas a doença pode ser reduzida com novas descobertas, como nos casos da Aids e da Zika, até conseguirmos sua redução a taxas insignificantes.
A Constituição de 1988, no inciso III de seu artigo 14, tem uma ferramenta já utilizada recentemente pela chamada Lei da Ficha Limpa, que foi um grande passo, talvez o começo de tudo, e por iniciativa popular (usada apenas quatro vezes!). O parágrafo 2º do artigo 61 estabelece que é necessária a subscrição de 1% do eleitorado nacional, ou seja, hoje, perto de 1,5 milhão de assinaturas comprovadas. A PGR (Procuradoria Geral da República) é órgão competente para, à frente do Ministério Público Federal, levantar essas adesões certificadas em forma de projeto de lei. De nada servem os abaixo-assinados que pululam nas redes sociais sobre coisas que só conseguem tumultuar e confundir, como as “emendas constitucionais de iniciativa popular”, ficção não contemplada pelo art. 60 da Carta Magna.
O MPF, para mais fácil compreensão, subintitulou este projeto “Dez medidas contra a corrupção”. A claríssima e muito bem estudada redação, feita pela mais alta “intelligentsia” jurídica, é cortante como o kataná, espada dos milenares xoguns orientais. Entre os alvos do projeto, estão (1) o “enriquecimento ilícito de agentes públicos”, o “acréscimo patrimonial injustificado de qualquer valor”, (2) “prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação”, (3) “aumento de penas e crime hediondo para corrupção de altos valores” (4) “responsabilização dos partidos políticos e criminalização do popular caixa dois”, (5) “reforma do sistema de prescrição penal”, “porta de saída para os poderosos, bem assistidos por seus famosos advogados”, (6) “celeridade nas ações de improbidade administrativa”, (7) “eficiência dos recursos no processo penal”, (8) “ajustes nas nulidades penais”, (9) “prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado”, e (10) “recuperação do lucro derivado de crime”. No site http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/ há depoimentos em vídeo de Jorge Hage, Nicolau Dino, Márlon Reis e membros da sociedade civil, como Maria Teresa Sadek, professora da USP, além do procurador-geral Rodrigo Janot. Claro, há também o costumeiro apoio de intelectuais e artistas, “comme il faut” (“como não poderia deixar de ser”), no Brasil.
É óbvio que, diploma legal a ser aprovado pelo Congresso Nacional, o sucesso da empreitada vai depender da quantidade final de assinaturas, caso do “Ficha Limpa”, com 1,6 milhão, à época (2010), idealizado por Márlon Reis, que também participa da elaboração do atual projeto. Ajudam as subscrições desde setores militares em defesa da legalidade, comunidades, clubes, escolas e, importantíssimo, as redes sociais como veículo para informação e retirada dos documentos. Pode-se encontrar, no site, todas as informações, depoimentos, explicações, gráficos, estatísticas e até um “assinômetro”, onde consta o número de subscrições confirmadas, que devem conter dados pessoais, nome completo e da mãe (para evitar homônimos) por extenso. Como não é uma corrente e menos ainda uma moção da Internet com pouco conteúdo e nenhum alcance, há um modelo de ficha com campos que podem ser preenchidos por até oito signatários, folhas que podem ser impressas em qualquer quantidade, e devem ser enviadas pelo correio no endereço do MPF disponível no site.
Não basta reclamar, espernear, esperar que pelas mãos de pessoas destemidas como o juiz Sergio Moro e o hoje desembargador Fausto de Sanctis, o MPF, sem nunca esquecer atuantes ministros do STF, façam tudo por nós nessa guerra. O presidente John Kennedy, figura emblemática da história norte-americana, cunhou uma frase célebre: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”. Bem antes dele, nosso almirante Barroso, um dos próceres da Guerra do Paraguai, resumiu: “O Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever”. Tento fazer meu pequeníssimo grão de areia contribuir para erguer essa obra, divulgando e coletando adesões. Se você se interessa, quer se assumir cidadão brasileiro em sua plenitude, visite www.dezmedidas.mpf.mp.br e conheça a propositura. Concordando, assine, convide outros interessados e tenha orgulho de ter participado. Custa apenas um selo dos Correios. Colabore para vermos um país mais digno para todos e aos que nos sucederem.