Perto do encerramento do mês passado, Tatuí chegou a passar cinco dias sem nenhuma notificação de mortes causadas pela Covid-19 – isso depois de praticamente 16 meses sem trégua nas fatalidades. O período de desafogo ocorreu entre o sábado, 24, e quarta-feira, 28 de julho.
Sem absolutamente nada em consonância às labaredas do negacionismo que ainda queimam particularmente nas redes sociais – incinerando o bom senso, a lógica e a própria humanidade de muita gente -, é motivo de imensa esperança e contentamento a evidência inconteste de que a pandemia tende a arrefecer.
Mas (sempre o chatinho “mas”), também é imprescindível reconhecer a condição vital da vacinação em massa para a efetiva diminuição de óbitos, casos confirmados e hospitalizações causadas pela doença.
Esses dias sem óbito, portanto, refletem simplesmente o fato de que mais de cem mil tatuianos já tomaram pelo menos a primeira dose do imunizante. Ainda que, na sequência, outros falecimentos infelizmente tenham ocorrido, vieram a ser em número bem menos dramático que os anteriores.
Em paralelo, as confirmações de novos casos seguem em declínio – embora, também, porque muitos imunizados podem até ter contraído a doença, mas não procuraram o sistema de saúde, por não apresentarem sintomas.
Novamente: não se discute o aspecto positivo de tamanha mudança na realidade sanitária em Tatuí – e no país como um todo -, “mas” (novamente!) isto não implica em se concluir que os cuidados de prevenção já podem ser ignorados, muito menos que a pandemia acabou.
Na verdade, é ainda mais conveniente o apego a algo tão em falta nos últimos anos: pensar no próximo! Considerar que nem todos estão completamente imunizados – o que só deve ocorrer por completo no ano que vem – e, assim, não se esquecer de que qualquer “imune” pode carregar o vírus e contaminar “o próximo”.
Mesmo que sem saber – ou querer -, esta atitude, convenhamos, não é nada cristã – apelando a um termo tão usado com más intenções pela politicada negacionista, que ora apela até ao nome de Deus para minimizar as fatalidades, senão para tentar justificar a oferta de vacinas inexistentes a preços superfaturados.
Aliás, esse processo de negociar com o governo de maneira desonesta – que andam chamando de “intermediação” – já foi conhecido como roubar dinheiro público (a popular “corrupção”, assim chamada quando ainda existia, por exemplo, uma tal operação Lava Jato no Brasil. Lembram?).
“Intermediadores” à parte – civis ou militares -, é de se pensar que usar o nome de Deus para esse tipo de atitude, se não levar a cassação e prisão, certamente ainda abrirá as portas do inferno a muita gente algum dia…
(E essa data sempre chega, como dizem os próprios extremistas quando ecoam, neste país da “gripezinha” e de “maricas”, uma das muitas célebres frases de seu ídolo maior: “Todos nós vamos morrer um dia…”).
Por caminho totalmente oposto, segue uma outra multidão de seres humanos extraordinários – estes praticando o real amor ao próximo -, que estão se colocando em risco de morte, literalmente, para salvar vidas.
São estes profissionais – especiais, impagáveis, com as portas do “Céu” já abertas a eles – a receberem homenagem na edição de aniversário de Tatuí editada pelo jornal O Progresso.
Vários aspectos, histórias e personalidades são apresentadas no especial, todos, porém, com virtudes em comum: superação, dedicação, sensibilidade, profissionalismo e, sobretudo, muita gratidão! Gratidão pela ciência, pela saúde reconquistada e, claro, a Deus!
Uma das maneiras encontradas pelos próprios profissionais da Saúde para demonstrar gratidão e homenagear quem se doou ao limite à missão sagrada da medicina faz parte do especial, mas, antecipadamente, já figurou reportagem na semana passada: um mural de imagens exposto no Pronto-Socorro Municipal.
Justamente com o objetivo de homenagear os profissionais da Saúde, o PS “Erasmo Peixoto” criou um painel com fotos de membros da equipe em atuação no local e que vieram a falecer em decorrência da Covid-19.
Conforme a enfermeira Roberta Lodi Molonha, responsável técnica da unidade, a ideia de criar o espaço surgiu de “uma hora para outra”, com a intenção de “homenagear os falecidos pelo trabalho que realizaram no PS, além de incentivar e fortalecer os colaboradores atuantes”.
“Havíamos perdido a doutora Jaqueline e o nosso porteiro Elias Vieira para a doença, e ficamos abalados. Depois, perdemos a técnica de enfermagem Clara Moura, e a equipe ficou amedrontada, nervosa e abalada”, lamenta a profissional.
“Senti a necessidade de arrumar uma forma de dar forças para eles continuarem, daí surgiu a ideia da homenagem”, explica Roberta.
O painel, em uma das paredes do PS, foi inaugurado em abril deste ano, logo após a morte da técnica de enfermagem Clara Moura. Na data, o espaço reuniu os familiares dos funcionários falecidos e os colaboradores em uma noite de oração e “homenagens emocionantes”.
Segundo Roberta, a cerimônia serviu para dar ânimo à equipe, que àquela altura encontrava-se impactada pelo falecimento dos colegas e pelo estresse do trabalho na linha de frente do combate à pandemia.
“A equipe ficou emocionada. Além disso, alguns acabaram expondo os medos e angústias vividos e tiveram a oportunidade de, por um momento, demonstrar a saudade e a frustração por tantas vidas perdidas”, ressalta a enfermeira.
“Às vezes, na nossa rotina de trabalho dentro do pronto-socorro, temos que passar por cima desses sentimentos para continuarmos. A homenagem foi uma comoção geral entre todos”, ressalta Roberta.
A enfermeira ainda lembra que, na época, a equipe aguardava uma terceira onda da pandemia, e não sabia o que esperar no pronto-socorro quanto ao volume de pacientes e à gravidade da doença.
“Precisávamos que todos os colaboradores estivessem inteiros e fortes para continuar nessa guerra”, explica. Roberta ainda destaca que a instalação do mural tornou-se um marco na “humanização no ambiente de trabalho tão duro daqueles profissionais”.
“Apesar de não podermos trazer de volta pessoas tão queridas e que estiveram conosco por tantos anos, senti que, daquela forma, todos poderiam, mesmo que de uma forma triste, entender a importância e o valor dessas pessoas, e que estávamos tristes, sim, mas o serviço não podia parar, pois ainda temos uma longa caminhada pela frente”, reconhece Roberta.
Em consideração a tanta luta e dor, cada um que não precisa se sacrificar a esse ponto – todos nós que não somos profissionais da Saúde, portanto – deveria fazer o mínimo que lhe cabe, não apenas mantendo os cuidados pessoais, mas excomungando o negacionismo criminoso e rendendo reverência a esses santos profissionais.
Neste aniversário de 195 anos de Tatuí, o jornal O Progresso busca um mínimo neste sentido – o qual, frente a tanta abnegação e doçura, pode não ser muito, mas se concretiza em uma edição especial com profunda admiração e respeito!