Reflexões em forma musical
A ideia de escrever este artigo foi o “Rock in Rio 2015”. Não pelo “cover” do insubstituível Freddie Mercury, falecido líder e corpo e alma do Queen, assim como Paul e John para os Beatles! O tal cover veio apenas para chamar a atenção para o grupo, já meio combalido, uma espécie de sebastianismo pop. Freddie foi único, ouça o LP com a soprano Montserrat Caballé, grande diva lírica!
Após a “introdução”, o “1º tema”: o retrocesso ideológico e moral, neste momento em que fisiologismo se alia à corrupção com acenos imaginários ao socialismo, indesejável para os donos do poder (lembrando a poeta Cecília Meireles, sobre a liberdade: “que ninguém sabe o que seja”). Matéria de uma rede de TV (19/09/15), na internet: “Solteiras (sic), amigas aproveitam (sic) calorão no Rock in Rio para ficarem de sutiã”. Não seriam “solteiras” e “aproveitam”, preconceito das jornalistas? As moças, alegres e sadias, poderiam também ser casadas, divorciadas ou gays. Os tais sutiãs eram do tipo que as meninas de hoje chamam “da vovó”: enormes, uma opção para o velho bustiê, sem alças, colante e bem mais sensual, que teria passado batido, é “uniforme” de verão carioca. Foram então as alcinhas das enormes peças? Que efeito exerceriam essas alcinhas no imaginário masculino – e, cabe dizer, no freio moral das jornalistas?
Não passo de mero leitor curioso, mas creio que posso remeter o assunto aos seguidores do pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939). Antes, porém, vou buscar outra associação: a capa do CD de uma cantora que eu nem conhecia, Karina Buhr – a internet faz e destrói ídolos rapidamente, como a TV faz, vide a peça “Roda Viva” (1968), do Chico Buarque. A capa do CD mostra Karina exibindo pequeníssimos seios, algo como mamas masculinas. Pois a maior rede social da Internet censurou a foto – assunto a pensar mais adiante, o novo fundamentalismo. Que dizer das capas de LPs de Gal e Betânia, décadas atrás, pondo à mostra seios que nem de longe foram imoralidades?
Arrisco-me sob a inspiração do ilustre neurologista de Freiburg, Herr Freud, criador da arte de escarafunchar consciente e inconsciente, ego, id e alter ego. Na foto de Karina, seus seios não eram eróticos, representam a virtude da maternidade. Pano pra manga para especialistas: a chave está no seio-símbolo maternal (caberia ao Édipo freudiano, em seu desejo oculto pela mãe, preservá-la com o objetivo de ocupar o papel do próprio pai). Reflexos do falso moralismo de hoje em uma sociedade em que, por um lado, as liberdades de opção sexual avançam, contrastando com um puritanismo sem precedentes. E teríamos de remeter à análise, no caso da capa censurada, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, o jovem bilionário de origem judaica que trocou sua fé por um obscuro ateísmo fundamentalista. Algum software poderoso deve existir na rede para rastrear formas que lembrem seios, genitálias, glúteos, além das denúncias castradoras de internautas que realizam eles próprios a “purificação” da rede social. Não bastaria excluir a postagem ou o autor de seus perfis e deixá-la ao livre-arbítrio alheio? Há nessa “patrulha” um perfil castrador, gesto tipicamente ditatorial e também com um pé no complexo edipiano, ao tentar proibir que cada um opte pelo que quer ver.
“Tema secundário” e “desenvolvimento”: em 1957, meu pai foi com minha mãe a Paris. Anos depois, ela contou-me que havia boates de strip-tease, todas com fotos de vedetes expostas, mas as crianças que passavam de uniforme, com suas malinhas escolares, sequer olhavam: não mais lhes despertavam a menor curiosidade. No Rio de Janeiro, nos anos 1970, havia o teatro desnudo de Zé Celso Martinez Corrêa e Antonio Bivar, e praias onde a juventude podia sublimar sua revolução política, de costumes e artística cujo símbolo maior, as “Dunas da Gal” eram elevações na areia de uma obra para jogar esgoto a dois km da praia de Ipanema. Ali era o ponto de encontro da “intelligentsia”, dos rebeldes com causas. Nas “Dunas”, qualquer um fazia amigos, dividindo o espaço com Gal Costa, Caetano, Monique Evans, Claudia Ohana, Regina Casé, Evandro Mesquita e tantos outros. O hoje deputado Fernando Gabeira retornou do exílio direto para a areia posando com uma minúscula tanguinha de crochê, entre algumas moçoilas de topless (quem não se lembra da musa Janis Joplin saindo do mar, como uma Iemanjá moderna?). Foi dali, também, que o mundo viu uma foto que repercutiu aos quatro ventos: o barrigão de nove meses emoldurado por um discreto biquíni da linda Leila Diniz, presenteada com uma música do Milton Nascimento (“Leila”, ou “Venha ser Feliz”). Hoje, futuros papais divulgam suas mãos e beijos carinhosos no barrigão das “future-mamans” de seus anunciados rebentos – e até nossos modernos censores anônimos aplaudem essa beleza! Será que eles “permitem” essa exposição materna, que simboliza uma criança que irá nascer, porque não poderia ser filho deles, já que será fruto de outro pai?
“Coda” (seção final da música): nos anos 1990, a “lambada”, uma dança inspirada na salsa caribenha, temperada com maxixe e samba de gafieira, virou coqueluche no país. Uma revista de São Paulo fez uma matéria com depoimentos como o de Inezita Barroso – que fez críticas radicais, fiel à sua raiz. Eu disse que era outro modismo com prazo de validade carimbado. Um religioso, meu primo Frei Betto, foi na mosca: “O pecado é muito mais do que uma dança de corpos colados”.