“A Night in Tunisia” é talvez um dos mais tocados e gravados standards de jazz da história. Foi composto em meados dos anos 1940 pelos lendários Charlie “Bird” Parker, saxofonista, e Dizzy Gillespie, trompetista. Sarah Vaughan, uma das grandes damas do jazz, criou o subtítulo “Interlude”, quando a gravou (1953) com letra escrita por Ella Fitzgerald. Mais de 500 CDs que incluem a música foram gravados em versão instrumental ou com voz, por estrelas como Art Blakey, Bobby McFerrin, Count Basie, Miles Davis, Stan Getz, Ray Brown e muitos outros, com ou sem a letra (T. livre do A.): “A lua é a mesma lua que você vê lá em cima / incandescente com sua luz ao frescor noturno / mas quando brilha à noite, na Tunísia / ela ilumina como nunca brilhou igual”. A ritmada linha do baixo na introdução, uma sequência harmônica que é campo rico para improvisação, sob medida para o saxofone e o trompete, instrumentos dos compositores Parker e Gillespie.
A inspiração do tema remete ao famoso luar de Tunis, capital da Tunísia, que lá é imbatível, como também o brilho do sol, dizem os que conhecem o país. Por isso mesmo, e por suas praias lindas, o país de pouco mais de 10 milhões de habitantes tornou-se um resort confortável para os europeus: o mais setentrional país da África tem sua costa no Mar Mediterrâneo, a apenas 55 minutos de voo (370 km) de Roma, na Itália. O jornal “The New York Times”, em sua seção de turismo, diz que o país africano “é conhecido por suas praias douradas, tempo ensolarado e grande luxo a preços convidativos” (voando de Roma para Tunis, um casal hospedado em um belo hotel 4 estrelas vai pagar R$ 2.800 por pessoa, por uma semana). O cenário paradisíaco contrasta com os 40% de terra em pleno deserto do Saara, e a arquitetura moderna casa com respeito com as heranças do passado, o berço da civilização de Cartago, em Tunis, criada há quase 3.000 anos pelos fenícios. Tomada pelo Império Romano no século 3, constituiu-se domínio da dinastia Husainid (1705), até sua ocupação pela França (1881), país de que a Tunísia se declarou independente em 1956. Há bairros judeus e muçulmanos em Jerba, além de preciosas ruínas históricas. Tudo isso faz do turismo uma atraente fonte de arrecadação do país, com bom IDH (índice de desenvolvimento humano), em 90º lugar.
No dia 26 de junho de 2015, o luxo e as belas praias foram esquecidos, apagaram-se a lua e o sol ímpares da Tunísia, e ninguém ouviu os solos de Parker e Gillespie ou a voz de Fitzgerald. No hotel Imperial Marhaba, na bela cidade de Sousse, leste do país, 38 pessoas, em sua maior parte vindos de diversos países da Europa, foram fuziladas, tombando diante de um cruel atentado terrorista que também feriu pelo menos 36 pessoas. Um dos assassinos (não se sabe ao certo quantos mais), portando um fuzil russo Kalashnikov, foi morto no local. O prédio hospedava 565 turistas, quase todos europeus, e vídeos amadores registraram o tiroteio e a fuga em massa: tudo era pânico, terror e morte. (Saindo um pouco do tom da música, França, Kuwait e Síria também foram alvos dos violentos ataques). Uma luz de alerta já havia sido acesa: em 15 de março de 2015, pouco mais de três meses antes da tragédia de Sousse, terroristas invadiram o Museu Nacional Bardo, mantendo turistas como reféns e matando 22 pessoas e ferindo outras 50, com uma ameaça: “Voltaremos!”. O Estado Islâmico e a organização Levant (ISIL) reivindicaram a autoria do ataque, mas a polícia local credita o assassinato em massa ao Okba Ibn Nafaa, espécie de braço do Al-Qaeda – esta última, responsável por muitos ataques, a começar pelo assassinato em massa e destruição das monumentais Torres Gêmeas de NY, no voo suicida de 2003 conhecido como 9/11, data que se tornou sinônimo de terror. Ainda antes da Tunísia, no dia 7 de janeiro deste ano, 12 pessoas foram assassinadas cruelmente em Paris, na sede do jornal de humor e crítica “Charlie Hebdo”.
O que está em cena, neste momento, são o crescimento e o avanço assustadores do Estado Islâmico. Sob esse título, terroristas alucinados maculam o islamismo, religião de gente que, em sua maioria, segue o bem e os pensamentos de seu grande líder, Maomé, cujo livro sagrado, “Alcorão”, não difere muito do “Antigo Testamento” e do “Torá” judaico. Na insanidade e ignorância, possuídos por um fanatismo demoníaco e animalesco, esquecem-se das palavras de Maomé para matar, sempre em nome de qualquer coisa que nem de longe é religião. E essa ira descabida não se volta apenas contra o ocidente, ela quer derrubar símbolos históricos, as ruínas de seu próprio passado, acumulando um bárbaro conjunto de crimes contra a humanidade. Espera-se que os líderes mundiais se unam para, com urgência, darem fim a uma organização criminosa digna de figurar entre os atores dos piores episódios de barbárie da história da humanidade. Na legítima defesa de um mundo que se quer livre e em comunhão com o bem.
Quando a paz voltar a reinar na Tunísia, poderemos tornar a sorrir ao se reacenderem a lua e o sol, suas praias e sua beleza. E que soe alto a voz de Ella Fitzgerald (T. livre do A.): “… palavras não bastam para contar uma história / exótica demais para ser contada / cada noite, cada vez mais profunda / em um mundo de eras arcaicas. / As atenções do dia parecem esvair-se / o final do dia traz conforto, / cada linda noite na Tunísia / onde as noites são plenas de paz”.
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