Papa Francisco entrou na roda





O título acima é mera lembrança da antiga canção infantil, e veio à cabeça trazido pelo senhor Jorge Mario Bergoglio, um argentino que há dois anos tornou-se o 266º papa da Igreja Católica.

Bergoglio decidiu adotar o nome papal Francisco, e, de forma bem pessoal, sem um número romano a segui-lo, desde logo denotando leve distanciamento de práticas antigas, cobrindo com sua fina seda imaginária coisas que podem ser associadas a riqueza e pompa. Recebeu a missão do cardeal Joseph Ratzinger, o hoje papa emérito Bento 16, em um momento de suma importância, em meio ao desenrolar de acordos, abraços e sussurros nos corredores da Santa Sé. Após anos de papado, havia um mundo a ser reerguido, e o homem escolhido para a missão de suceder Bento 16 chamou-se Francisco, nome não escolhido à toa: a Ordem Franciscana é conhecida pelos seus sacerdotes, que assumem a fogo o voto de pobreza e uma vida monástica de recolhimento e orações.

Hoje, o mundo gira em torno de marketing, de imagens, a mídia é poderosa. Mas ao invés de ser por ela isolado, Francisco consegue fazer dessa máquina cruel uma brisa de paz soprando a seu favor. No começo, achei que eram nuvens passageiras a troca do crucifixo de ouro pelo de madeira, a opção por vestes simples, o transporte coletivo, os aposentos discretos e humildes, o pagar o hotel de seu próprio bolso. Novos signos e símbolos passaram a mostrá-lo como o homem comum e sábio, um genuíno líder – um homem do povo que, mesmo graduado e com mestrado, ouvinte de música clássica e contumaz na melhor literatura – e como todo bom argentino, também é entusiasta de jogos de futebol.

Estudei em colégio jesuíta, e a ele devo uma formação que talvez não pudesse ter tido em nenhum outro da época. Contudo, fermentava um certo sentimento em relação aos padres que, para nós, eram um tanto ambíguos em sua posição contra a ditadura. Ainda abraçavam um conservadorismo já fora de época, de que nos salvavam professores de renome que investiam em seus alunos de forma extracurricular e até em suas residências!

Certo dia o colégio recebeu, em visita ao Brasil, o chamado “Papa Negro”, como até hoje é chamado o superior geral da Companhia de Jesus. Ao chegar, foi-lhe mostrado o novo e moderno prédio, na frente de outros mais antigos. A construção passou a abrigar administração, dormitórios para padres e ajudantes, salas de jogos e lazer. O superior teria observado: “Bonito prédio, mas o que os senhores fizeram por aquilo lá atrás?”, apontando para uma favela ao pé do morro.

Deu-me mais uma vez a impressão de que nossos padres estavam se afastando da própria filosofia jesuíta em sua origem, e a Ordem foi passando a não mais abrigar nossas aspirações. Boa parte de nós tornaram-se não praticantes ou ateus já no curso colegial. Passou-se bom tempo, e a Igreja Católica viu-se frente à ameaça de quebra do Banco do Vaticano, o que seria uma tragédia. Salvo pelo Banco Ambrosiano, ergueram-se forças para mudar, e foi eleito Karol Wojtyla, grande simpatizante da organização Opus Dei. Após seu papado como João Paulo 2º, Wojtyla teve como sucessor outro simpatizante do Opus Dei, Bento 16, que, durante seu curto exercício papal, não conseguiu resolver disputas internas, problemas financeiros e, principalmente, faltava-lhe o carisma popular de seu antecessor.

As palavras de Francisco, longe de sua erudição de berço, são simples, ele fala com o povo e constrói um perfil ímpar de pacificador, como voz desse binômio de perfeita harmonia: a sabedoria e o perdão. Coube a Francisco abrir-se para todos os cristãos, judeus, ateus, muçulmanos, oferecendo-lhes seus braços com palavras de irmão. E caberá a ele recuperar um prestígio que a Igreja Católica estava perdendo nas novas gerações, especialmente nos grandes centros urbanos. Abriu diálogo com os religiosos adeptos da Teologia da Libertação, movimento com que a Igreja havia rompido, convidando-a ao diálogo.

Francisco continua fiel à doutrina de sua Igreja, e como tal não cabe qualquer questionamento leigo, posto que é questão religiosa: para ele a vida começa a partir da concepção, matrimônio é a união entre um homem e uma mulher, e ponto. Contudo, em episódio recente, ele não foi compreendido por muitos: ao aproximar-se a Parada Gay de São Paulo (7 de junho), foi lembrada uma frase em que Francisco afirmou: “Quem sou eu para julgar os outros?”. Bastou para que muitos desavisados – ou maldosos – apontassem ali a “apologia ao pecado”, o que é um profundo engano: Francisco abençoa a todos, e, mesmo declaradamente pelo matrimônio católico, vê o movimento como uma manifestação de seres humanos, filhos de Deus, que fizeram suas opções ou cresceram com elas, e por isso sofrem toda sorte de discriminação e violência.

Infelizmente, poucos hoje sequer leem jornal, e muitos tiram conclusões precipitadas de títulos ou subtítulos, figurinhas e montagens, tomando como verdade o que se reproduz nas redes sociais. Guardadas as proporções e lugares, um admirado ministro do STF decidiu pela legalidade da “Marcha pela Maconha”, mas os apressados de sempre interpretaram isso de forma errônea: o fato é que o magistrado reconheceu o direito à manifestação pública, não tomou partido no uso da erva e muitíssimo menos sequer lhe acenou com apoio. As pessoas são o que se revelam desde seu interior, nos seus gestos, na sua honestidade e integridade em sua missão neste mundo. Mas os inconformados, pior do que Tomé, preferem nem ver para não crer. Cegam-se.

Habemus Papam, Franciscus!