Da reportagem
As denúncias de casos de estupro de vulnerável continuam crescentes no município. Levantamento feito a partir de registros da SSP (Secretaria da Segurança Pública), do estado de São Paulo, e pelo Conselho Tutelar de Tatuí mostra que o número de casos chegou a dobrar em 2020, na comparação com 2019.
Estatísticas recentes divulgadas pela SSP, referentes ao mês de novembro de 2020, mostram aumento de 133,33% nos indicadores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes em relação ao mesmo mês de 2019.
Conforme o levantamento do órgão, Tatuí registrou sete casos de estupros de vulnerável no 11º mês de 2020 e três crimes dessa natureza em novembro 2019 – os dados referentes ao mês de dezembro devem ser publicados no final de janeiro.
De acordo com o conselheiro tutelar Wilian Alexandre Nunes da Silva, a tendência é de que os índices de violência contra crianças nos meses de dezembro e janeiro sejam ainda mais altos, devido ao número de ocorrências atendidas no período.
Somente nos primeiros dias de janeiro, o Conselho Tutelar atendeu sete denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, entre as quais, quatro foram registradas na DC (Delegacia Central), como estupro de vulnerável.
Conforme dados disponibilizados pela DC, o primeiro caso do ano ocorreu na tarde de 1º de janeiro, no Jardim Europa. Uma jovem de 13 anos procurou o plantão policial no dia seguinte, acompanhada da mãe, para denunciar que fora vítima de abuso.
O acusado é um vizinho da vítima, de 24 anos. Segundo a PC, a menina teria ido à casa vizinha visitar uma amiga,de 14 anos, irmã do suposto agressor.
Ele cumpre pena no Centro de Detenção Provisória em Hortolândia, por tráfico de drogas, e estava na casa devido à saída temporária de final de ano.
No segundo dia do mês, três homens foram denunciados como suspeitos de abusar de uma criança de apenas três anos. O boletim detalha que a mãe da menina procurou a DC após identificar a presença de esperma na criança.
Os suspeitos moram na mesma casa em que a vítima e estão sendo investigados. A Polícia Civil também apreendeu peças intimas da criança (dez calcinhas e um short) para análise de material genético.
No dia 3 de janeiro, a vítima foi uma criança de seis anos, também do Jardim Europa. Em boletim, a mãe informa ter descoberto o abuso durante o banho, quando a criança disse estar com dores nas partes íntimas. A suspeita dela é de que o pai tenha abusado da menina.
O quarto caso registrado neste ano teria acontecido na manhã do dia 4 de janeiro, no Jardim Rosa Garcia II, envolvendo uma menina de 11 anos. A denúncia foi apresentada pela Polícia Militar, a partir de chamado de funcionários da UPA (unidade de pronto atendimento).
Conforme o boletim de ocorrência, a garota estava na unidade hospitalar, acompanhada da mãe, para passar por consulta, quando disse ter sido molestada por um tio.
Os boletins foram encaminhados à DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) para a continuidade das investigações. Todas as vítimas passaram por exames periciais e, em alguns, foram recolhidas peças para possível identificação de materiais genéticos.
Os resultados dos exames já foram encaminhados à DDM e, posteriormente, seguirão ao Poder Judiciário – contudo, não podem ser divulgados. O material serve de apoio para o processo de investigação e possível responsabilização criminal dos agressores.
Segundo Silva, em todos os casos, o Conselho Tutelar interveio, visando proteger as crianças do “risco imediato”. Nos casos necessários, as vítimas foram afastadas dos possíveis agressores (suspeitos apontados em boletim de ocorrência) e, encaminhadas à rede de atendimento, “para reduzir sofrimento e evitar a revitimização”.
Ele apontou que diversos aspectos interferem no protocolo de atendimento. Por isso, alguns casos são encaminhados para o registro da ocorrência na Polícia Civil, logo após a denúncia, e outros, não.
“Quando há evidências de abuso, já orientamos a família a registrar a ocorrência, e dali ela segue para o processo de escuta especializada. Já no caso de suspeitas, mas sem evidências, a vítima é ouvida pelos especialistas para depois ser iniciado o processo criminal, caso necessário”, explicou.
Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, conforme previsto no artigo 217 do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato “libidinoso” (apalpamento de órgãos genitais) com pessoa menor de 14 anos, mesmo que haja o consentimento da vítima. Acima de 14 anos, o estupro ocorre quando não há consentimento. A pena prevista é de 8 a 15 anos de prisão.
Ocorrências em 2020
Silva ressaltou que, em meio à pandemia da Covid-19 e da consequente quarentena, o Conselho Tutelar registrou aumento de 40%, em média, no índice de atendimentos relacionados à violência contra crianças e adolescentes de forma geral.
Nos 12 meses do ano passado, o conselho atendeu 544 ocorrências de casos diversos. Os mais recorrentes foram de maus-tratos, atendimentos sociais, negligências, orientações sobre guarda de crianças e abuso sexual infantil.
O número inclui chamadas recebidas pelo Conselho Tutelar através dos telefones do disque-denúncia, no plantão de atendimento e por meio da rede, composta pelas secretarias municipais da Saúde e da Educação, pela Assistência Social e pelos órgãos de segurança.
O pior aumento ocorreu nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. As ocorrências dessa categoria subiram 143,75% no período, saltando de 16, nos 12 meses de 2019, para 39, em 2020.
Cerca de 50% dos casos atendidos ainda estão em acompanhamento com psicólogos da escuta especializada, programa mantido pelo Núcleo da Justiça Restaurativa de Tatuí.
O número inclui apenas os casos de denúncias comprovadas, as quais foram registradas em boletins de ocorrência e tiveram atendimento com escuta especializada e os procedimentos para a garantia dos direitos da criança ou do adolescente.
O conselheiro apontou que, em mais de 90% dos casos notificados ao Conselho Tutelar, o agressor é uma pessoa da família ou “muito próxima da criança”. Também falou da importância de orientar as crianças sobre “partes do corpo que não podem ser tocadas”.
“Elas precisam saber que alguns gestos estão além do carinho de um ente querido. Para que saibam que, se forem tocadas em partes que não pode, elas precisam contar a alguém de confiança e denunciar”, declarou o conselheiro.
A segunda ocorrência com maior incidência durante os 12 meses foi de maus-tratos contra crianças e adolescentes. O órgão atendeu 21 casos em 2020, contra 16 em 2019 – o que representa aumento de 31,25%.
Os casos referentes à área social, como insalubridade do imóvel onde a criança vive, falta de condições sanitárias e outras situações de vulnerabilidade – que geraram encaminhamento para outros órgãos de assistência social -, somaram 255 denúncias no período.
“É um número bem alto. Nós vimos que a pandemia acabou agravando bastante os casos de vulnerabilidade social. No ano passado, nesta mesma época, tínhamos em torno de 90 casos nesta mesma linha de direitos violados”, relatou o conselheiro.
As ocorrências de negligências, com cuidados básicos de higiene e alimentação da criança, abandono de incapaz e outros tipos de violação de direito desta natureza, saltaram de 26 para 47 atendimentos nos 12 meses.
“Falta de cuidados com as crianças e, muitas vezes, o fato de deixá-las sozinhas em casa, alegando que não têm com quem deixar para poder ir trabalhar, fez com que muitas mães fossem advertidas neste período”, informou Silva.
Os números de orientação à família, sobre guarda das crianças e outras informações, também subiram no mesmo período. Conforme o conselheiro, o aumento foi de quase 80% nestas ocorrências, chegando a 72 atendimentos.
Seguindo as orientações do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), ocorreram mudanças na estrutura de trabalho e os conselheiros tutelares permaneceram em “home office” entre os meses de março e agosto.
Nos casos mais graves, os atendimentos presenciais foram realizados com horário marcado, na sede do conselho. As equipes também continuam o esquema de plantão, com média mensal de 172 atendimentos, nos 12 meses.
Os bairros com maior número de ocorrências no período foram: centro (61 atendimentos), Jardim Santa Rita de Cássia (46), vila São Cristovão (26), vila Angélica (24), Rosa Garcia II (23), Jardim Thomaz Guedes (20), vila Dr. Laurindo (18), Tanquinho (18), Rosa Garcia I (19), vila Esperança (13) e Pacaembu (15). Outras 256 denúncias ocorreram em bairros diversos.
Para o conselheiro, o isolamento social acabou expondo essa população à maior incidência de violência doméstica. Contudo,acentuou que outros fatores podem ter contribuído para o aumento dos números em Tatuí.
Segundo ele, o Protocolo de Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, lançado em maio de 2019, e as campanhas de incentivo à denúncia, como o “Maio Laranja”, são os principais responsáveis pelos índices crescentes.
O protocolo reúne normas e um fluxo de procedimentos para estruturação padronizada do atendimento e acompanhamento de diferentes situações envolvendo violência sexual, com o objetivo de levar ao sistema de justiça criminal as informações necessárias para que o agressor seja responsabilizado.
“Acredito que, com esse incentivo nas denúncias, os casos acabaram vindo à tona. Por outro lado, com o fluxo de atendimento, nós conseguimos atender melhor os casos que surgiram. O protocolo foi e está sendo muito importante no atendimento às violências e no combate à violência”, concluiu o conselheiro.