Da reportagem
Não foi nas condições que ele sonhava, mas o jovem tatuiano Lucas Cardoso realizou, na noite de quinta-feira da semana passada, 14, na Arena Pantanal, em Cuiabá (MT), a primeira partida como atleta profissional de futebol.
Devido ao surto de Covid-19 no elenco do Guarani, o goleiro teve a oportunidade de estrear pelo time campineiro na derrota diante do Cuiabá. A partida foi válida pela 35ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série B.
Para estrear profissionalmente aos 19 anos (ele completa 20 anos em 6 de abril), Cardoso começou a treinar futsal no Clube de Campo, em 2010. Após breve passagem pela Associação Atlética XI de Agosto, retornou à equipe campestre e migrou aos gramados.
Aos 13 anos, o goleiro fez um teste no Primavera, de Indaiatuba, e foi aprovado, mas,devido à pouca idade, não pôde ficar alojado.“Eu ‘batia’ e voltava alguns dias da semana e continuava jogando no Clube de Campo”, conta Cardoso.
No ano seguinte, o treinador do Primavera deixou Indaiatuba e foi contratado pelo Guarani, levando o então adolescente de Tatuí para um teste no time campineiro.O jovem foi novamente aprovado, pôde ficar alojado e, desde então, reside em Campinas,há cinco anos.
Cardoso destaca a possibilidade de ter feito a primeira partida da carreira justamente pelo Guarani, campeão brasileiro em 1978 e que já revelou vários craques, como Careca, Evair, João Paulo, Neto, Amoroso e Luizão.
“É um sonho realizado, não somente estrear profissionalmente, mas estrear pelo Guarani. É o único campeão brasileiro do interior, um celeiro de diversos craques e com uma torcida apaixonada, que tem o Guarani como patrimônio”, exalta.
“Glorifico a Deus por essa oportunidade.Um dia que jamais sairá da minha memória. Recebi diversas mensagens de familiares e amigos.Todos acompanharam e puderam desfrutar desse momento tão especial comigo”, comemora.
No período em que defendeu o Clube de Campo, Cardoso era treinado pelo técnico Carlos Eduardo de Alvarenga Viana, o Duza. Ele conta que, há dez anos, o atual goleiro treinava como lateral-esquerdo.
“Depois de passar um tempo, ele resolveu jogar no gol e, graças a Deus, deu tudo certo na carreira dele”, recorda.
Diante das dificuldades de estrutura adequada para goleiros, Duza conta que o amigo “Boqueirão” ajudava nos treinamentos de Cardoso. O técnico também destaca uma conquista do Clube de Campo, em 2012, contra o Genoma, equipe de base do Internacional, de Porto Alegre, na época. Cardoso defendeu a última cobrança de pênalti que deu o título aos tatuianos.
De acordo com Duza, Cardoso “é um garoto educado, muito dedicado e comprometido com aulas de futebol”. Segundo ele, desde aquela época, sabia que, pelo potencial, o garoto tinha grandes chances de tornar-se atleta profissional.
“Hoje, no futebol, para se se tornar um profissional,é preciso dedicação,não faltar aos treinos e querer aprender a todo momento”, aponta.
Duza ainda entende que a conquista pessoal de Cardoso motiva e demonstra aos jovens tatuianos de que é possível chegar ao futebol profissional.
“Sempre converso com os atletas de que futebol é persistência. Nem sempre o melhor será profissional,porque, muitas vezes, o ‘diferente’ fica acomodado”, declara o treinador.
Surto
Na véspera da estreia de Cardoso,21 companheiros do tatuiano não podiam entrar em campo, dentro os quais 17 estavam contaminados pelo coronavírus. Na oportunidade, quatro jogadores testaram positivo e um grupo com 18 atletas embarcou para a capital mato-grossense.
Horas antes da partida, o departamento médico do Guarani foi informado sobre mais seis exames positivos. Os atletas foram isolados e somente 12 permaneceram aptos a jogar.
Em protocolo da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), acordado com os clubes, cada equipe tem de ter, no mínimo, 13 jogadores disponíveis, para que o time adversário não seja declarado vencedor por “WO”.
Com tantos desfalques, o Guarani solicitou que o volante Lucas Abreu, que não estava relacionado para o jogo, embarcasse em um voo de Campinas para Cuiabá, às 18h. O jogador desembarcou no aeroporto e, de carro, chegou ao estádio apenas 18 minutos antes de a bola rolar, às 21h.
Abreu e o atacante Rafael Costa foram os únicos jogadores no banco de reservas do “Bugre” contra o terceiro colocado do campeonato.
Logo no início do jogo, aos nove minutos do primeiro tempo, o lateral-direito Cristovam foi expulso, deixando o time com dez atletas em campo. A partida terminou com o placar de 4 a 0 favorável ao Cuiabá.
Em entrevista coletiva no dia seguinte, o presidente do Guarani, Ricardo Moisés, afirmou que pedira o adiamento da partida para o dia 27, uma quarta-feira, mas não foi atendido.
“Entramos em contato com a CBF, explicamos que só tínhamos 12 jogadores (com condições de jogo) concentrados em Cuiabá e fundamentamos o pedido. Em conversa com a CBF, eles informaram que só haveria a possibilidade de adiamento para hoje (sexta-feira)”, disse.
Conforme Moisés, diante desse cenário, em conversa com o departamento de futebol, os atletas infectados alegaram que gostariam de retornar o mais rapidamente possível a Campinas, para receberem os cuidados adequados.
“Por isso, optamos por fazer esse sacrifício que o Abreu fez, de chegar em cima do jogo, em prol da coletividade, de todo o elenco, e de diminuir o sofrimento que esses atletas estavam em Cuiabá”, explicou o presidente.
Até a 31ª rodada da Série B, encerrada no dia 28 de dezembro, o Guarani estava na sexta colocação, com 47 pontos, dois a menos que o Juventude, com 49, o primeiro dentro da zona de acesso para a Série A do “Brasileiro”.
Após o Réveillon, o Guarani teve 22 jogadores infectados pelo coronavírus, incluindo o goleiro tatuiano. Desde então, a agremiação participou de quatro partidas, somando um empate e três derrotas.
Com esses resultados, a equipe caiu para a décima posição, com 48 pontos, sete atrás do Juventude(agora com 55), que segue ocupando o quarto lugar na classificação. O Guarani tem mais três jogos e pode chegar a 57 pontos.
“Matematicamente, ainda temos chances, e vamos jogar acreditando que é possível. Porém, antes, dependíamos apenas de nós e, hoje, já dependemos de uma combinação de resultados”, observa Cardoso.
Ele reconhece que a pandemia se tornou um marco negativo, provocando diversos prejuízos. No aspecto esportivo, o goleiro entende que a Covid-19 foi prejudicial para o time de Campinas garantir o acesso.
“Estávamos na briga e, diante de confrontos diretos, perdemos diversos jogadores.A maioria era titular, que vinha jogando e estava com ritmo”, aponta.
“Tivemos que ir à Arena Pantanal com as peças que tínhamos.Alguns jogadores recém-recuperados da Covid-19 – inclusive, eu -, e isso foi crucial para as derrotas nos últimos jogos”, sustenta.
Cardoso defendeu a meta do Guarani na 51ª edição da Copa São Paulo de Futebol Júnior, considerada a principal competição de base do país, em janeiro de 2020. Posteriormente, ele foi integrado ao elenco profissional e não entrou mais campo.
“Minha última partida foi na ‘Copinha’, no dia 9 de janeiro do ano passado. Houve a parada pela pandemia e os campeonatos da base retornaram em setembro, mas eu não ‘desci’ para jogar. Fiquei mais de um ano sem disputar nenhuma partida oficial”, relembra.
O tatuiano é o quarto goleiro da equipe, mas, com os testes positivos dos arqueiros Gabriel Mesquita, Jefferson Paulino e Rafael Pin (que já estava concentrado em Cuiabá) foi escalado pela primeira vez pelo técnico Felipe Conceição.
A próxima partida do Guarani, válida pela 36ª rodada da Série B do Brasileirão, acontece na tarde desta quarta-feira, 20, às 16h, contra o Vitória, “em casa”, no estádio “Brinco de Ouro da Princesa”, em Campinas.