Na semana passada este jornal publicou um artigo meu intitulado “Eita Feriadaço Bão”, um quadro comparativo entre os feriados brasileiros, norte-americanos e ingleses. Dos três países, o Brasil é o de longe campeão, não apenas nos feriados nacionais quanto estaduais, como também nos religiosos exclusivos, como o Yon Kipur, o Hosh Hashaná e o Pessach judaicos, no Rio e em São Paulo (onde há ainda os dois dias islâmicos do Ramadã). Divagando pela matemática simples, imaginei um funcionário público de São Paulo de origem judaica e conjuguei todas as possibilidades. Primeiro, as férias de 30 dias, não existentes na Inglaterra ou EUA, mais o chamado 13º salário, pago em pecúnia, claro, já que não temos 13 meses no ano. Já são 60 dias, e o 1/3 de férias até podemos, para simplificar, retirar da conta. Há a licença-prêmio, 18 dias de folga anuais a serem usufruídos em três meses diretos a cada cinco anos, e os dez abonos anuais a que tem direito o servidor – ou seja, 78 dias no total. Há oito feriados nacionais, desde N. Sª da Aparecida até a Proclamação da República. Há feriados estaduais – no Rio, os dias da Consciência Negra e de São Jorge, entre outros, e em São Paulo o 9 de Julho, mais os enforcamentos de Carnaval e outros. Na hipótese de um servidor que professa a religião judaica, ele já soma 82 dias de folga, tirando os quatro feriados autônomos que a lei 9335/93 permite aos municípios determinar.
Já se “nosso” servidor é docente de universidade pública, acrescente-se o recesso escolar (mais dois meses), além de duas ou até quatro semanas até estimulada pelos alunos: a da Páscoa, a do Professor, a do Saco Cheio e a da Pátria, totalizando 110 dias, que somados aos 112 dias de folgas semanais remuneradas (sábados e domingos), já chegam a 224 dias, a maior parte do ano! Com os “enforcamentos”, a balança entorta de vez para o descanso. Ao terminarmos o fim de semana retrasado com quatro dias de folga, da Sexta Santa até Tiradentes, na segunda, e em vista da quinta, Dia do Trabalho, feriado emendado com a sexta passada, seriam oito dias de folga com dois de trabalho. Aí ficamos em uma sinuca de bico: ou se mantém o vício ou se trabalha, mesmo que personalidade privada como a organização social. Pois exatamente por se tratar de uma OS – sociedade civil sem fins lucrativos – a visibilidade tem que ser ainda maior. Mais ainda, a produtividade tem que ser exemplar, afinal é o cumprimento de 100% das inúmeras metas contratadas com o Executivo estadual que impulsiona o projeto e faz voltar o interesse do Estado ao trabalho do Conservatório, que é afinal a unidade para a qual a organização presta os serviços que a comunidade de músicos e estudantes, mais a população em geral, podem usufruir com a melhor qualidade.
Neste “feriadaço” do dia 1o de maio fizemos uma experiência diferente, visando à manutenção do ritmo acelerado de trabalhos (são 60 anos do Conservatório!). Mas cuidamos para conceder à maioria a possibilidade do descanso – crédito voluntário que no futuro poderá contribuir para as necessidades comuns da organização e empregados conscientes. Em números: 63,8% dos alunos, segundo pesquisa independente, moram em outras cidades e viajam duas a três vezes por semana para frequentar as aulas. 30,4% mudaram-se para Tatuí para estudar, totalizando 93,8% de alunos “de fora”. Como o índice de faltas é bem alto nesses dias encavalados, ficam comprometidos os ensaios dos grupos e aulas, daí a folga já marcada no calendário escolar.
Foi atribuída a cada gerência a decisão de dispensar sua equipe ou manter o trabalho na sexta-feira. Assim, para citar dois exemplos, as equipes de comunicação e recursos humanos (é época de fechamento da revista “Ensaio” e da folha de pagamento!) não foram dispensadas pelas suas gerências, por necessidade premente de serviço, enquanto outras deixaram em casa seu pessoal. As equipes que não trabalharam tiveram sua folga informal voluntária – é sempre bom frisar -, e podem revertê-la em favor do seu trabalho em necessidades futuras. A experiência foi válida, e carece ser analisada com maiores detalhes.
Há muitos anos, indústrias e grandes comércios de alguns países europeus estabeleceram chefias de seções com autonomia para exercer um regime de compensação por faltas, saídas antecipadas ou ingresso em serviço com atraso – sob o controle de pessoa responsável – em horas ou dias a serem contabilizados e compensados posteriormente. Antes, reinava absoluta aquela terrível maquininha que marcava um cartão chamado holerite, termo cunhado em nome de seu inventor, Herman Hollerith (1880). Uma vez inserido, uma alavanca fazia um furo na cartolina, marcando hora e saída do dia trabalhado. Mais adiante, a maravilha tecnológica passou a imprimir também as horas corretas de entrada e saída, dotando o controle de rigidez ainda maior. (Ainda não chegamos ao filme de Charles Chaplin em que o mestre americano ironiza os cacoetes da “maquinização” do homem). Quanto à experiência europeia da “chefia amiga”, o resultado foi um admirável aumento de produtividade. Aqui, a prática encontraria empecilhos na rígida legislação brasileira, mas nada impede que funcionários possam escolher trabalhar, ajudando a desfazer o mito do enforcamento, enquanto outros dispensados venham se mostrar colaborativos adiante quando necessário. Por fim, um célebre filósofo alemão do passado disse que é por meio de seu trabalho que o homem se realiza. Para nós, foi uma experiência, e quem sabe novo caminho.