De fulecos e caixirolas





O brasileiro é bastante inovador no uso de palavras estrangeiras em solo pátrio. O “nouveau saint” (novo santo, em francês) Anchieta, espanhol de nascimento (1534-1597), foi o autor de “A Arte da Gramática mais Usada na Costa do Brasil”, o primeiro livro sobre a língua tupi. Nosso idioma original, indígena, foi sendo mesclado ao lusitano, incorporando uma coisa aqui e outra ali, para ao final agregar os termos africanos, deixando-nos um vocabulário riquíssimo. Ninguém acha estrangeirismo falar de bidê (de “bidé”), abajur (“abat-jour”) ou charmosa (“charmant”), palavras vindas do francês. Pois todas já estão incorporadas ao nosso vocabulário, desde os tempos em que Paris era uma festa e ditava a moda em tudo. Um meio parente mineiro, contam, passou uns anos na França de Santos-Dumont. Ao sentar-se à mesa, para pedir uma comida bem mineira, disse “anguí de fibá” – ou seja, um angu de fubá.

Com o inglês aconteceu o mesmo, desde a época das grandes “railways” (estradas de ferro), montadas pelos bretões. Há lugares em que overol (“over-all”) é avental, dormente de trilho de trem (“sleeper”) é sulipa, mas, para desgosto do Alceu Valença e outros que defendem a causa, forró não vem de “for all”, festa supostamente aberta aos peões pelos americanos na base aérea de Natal, criada na Segunda Grande Guerra. Forró é palavra que já existia no Rio, “short” (olha aí de novo) para forrobodó ou forrobodança, gênero cultivado na virada dos séculos 19 e 20 pelos maxixes da Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e muitos outros.

A informática e a internet invadiram de vez a nossa língua, ou o que ainda restava dela. Muitas palavras se intrometeram no português por simples preguiça nossa, como deletar e “mouse”. (Em Portugal, preferiram rato e “écran”, em francês, para “mouse” e monitor). Mesmo os teclados fabricados no Brasil seguem as normas da ABNT mas não mudam o inglês das teclas. Editores de certo dicionário re-reeditam em moto perpétuo (que diria o célebre filólogo, criador das primeiras edições!). Incluem tudo, vale até o que passa longe de nossa ortografia oficial ou coloquial. Assim, editam milhões e milhões de novos dicionários, a serem levados (leia-se: vendidos) a todas as escolas, embaixadas, consulados, bibliotecas e afins, sobre oceanos de dinheiro.

Há vícios que poderiam ser evitados, como “sale 50% off”, comum até em lojinhas, expressão que não é mais coisa de lojas de grife (“griffe”) de shoppings (de “shop”, loja). E os “wi-fi” das cidades podem ser detectados por “apps” que localizam os “hotspots”, locais onde se pode captar um sinal gratuitamente! O problema é quando o brasileiro quer ser mais gringo do que os originais: copo americano e sanduíche americano são coisas que não existem nos EUA. Pior é quando resolvem enrolar a língua: aqui se fala uêifol (waffle), quando deveria ser uófol, soando quase como se escreve. Regra: a consoante dupla abre o som da vogal seguinte: “cradle” (crêidou) é bercinho, e “bladder” (bléder), bexiga. Fala-se Ronald “Rigan”, sabe-se lá o porquê, uma vez que se lido simples como se escreve, vai soar próximo ao correto, “Reigan”, para Reagan. Ah, maneirismos tupiniquins!

Quanto ao título de hoje: essa maluquice de o Carlinhos Brown ter “inventado” a “caixirola”, que nada mais é do que um caxixi ou uma das dúzias de chocalhos parecidos, é coisa de plástico e sem o som gostoso das bolinhas sacudindo no bambu trançado. Não sei quantos milhares ou milhões deles foram fabricados, apesar de usados em propaganda de governo, à parte os direitos do Brown (o inglês de novo…). Foi tudo para o lixo e não se fala mais nisso. A caixirola é invenção que, assim como as nossas leis, às vezes “pegam”, às vezes não. Não pegou.

Agora, ao se aproximar a Copa do Mundo, escolhe-se um animal bem conhecido dos brasileiros, o tatu, ou armadilho, entre portugueses, “armadillo”, para os espanhóis – dada a “armadura” que protege o corpo do animal. Tatu é um animal exótico para os europeus, e, digamos, a escolha parece ter sido acertada (já pensou se fosse outro animal genuinamente brasileiro, o urubu ou a anta? “Meno male”, como dizem os italianos daqui, que seja o tatu!). Tatu lembraria Tatuí, aqui interior de São Paulo, que se escrevia Tatuhy, aportuguesado do tupi-guarani. Animal forte, carcaça dura, pode ser bom para defesa, embora pesado demais para correr. E o apelido do bicho deveria ter sido ao menos pesquisado com cuidado. Apelidaram-no “Fuleco”, mas, talvez sem saber que a palavra existe popularmente (no Rio de Janeiro vem de longe!), e sequer foram aos dicionários! Fuleco era palavra usada no Brasil colônia, quando os senhores brancos queriam se referir a certas práticas de alcova malvistas, com suas mucamas. Getúlio Vargas teria proibido que o termo fosse usado “em locais públicos frequentados por mulheres”, e teria impedido o velho Aurélio de acrescentá-lo a seus escritos. Já os gringos, que não falam nossa língua, foram fuçar na internet, e descobriram, em vários dicionários, que fuleco, no popular, quer dizer ânus, achado que o jornal alemão “Die Welt” tratou de publicar e espalhar pelo mundo. Já fulecar, segundo o “Dicionário de Português” (Ed. Porto) e vários outros, seria um perigoso “perder tudo no jogo” – e nessa altura do campeonato, literalmente. Que nada disso venha avexar nossa seleção e agourar nosso time, mas uma pesquisa ampla, cuidadosa, pelos nossos comunicadores, teria evitado tais constrangimentos. Então viva o Brasil e viva o tatu!