Martin Luther King





45 anos de falecimento e 50 anos de um sonho

Martin Luther King, Jr. (1929-1968), reverendo da Igreja Batista – como bem indica o nome que o pai lhe deu, homenagem à grande figura da Reforma, no século 16 -, foi, além de religioso, o líder da luta pelos direitos civis e pela liberdade do povo afro-americano, além de apologista da desobediência civil pacífica. Sofreu várias derrotas em sua batalha incansável contra o racismo na Georgia e no Alabama, e convocou a Marcha sobre Washington pelo Emprego e pela Liberdade em 1963, mostrando-se grande e inspirado orador, com sua verve e carisma contagiantes.

Naquele 28 de agosto de 1963, um discurso de menos de 20 minutos entrou para a história americana como um dos mais belos e emocionantes, ao lado do Gettysburg Address do Lincoln. Vale destacar alguns comoventes trechos, que traduzo livremente a seguir:

“Eu digo a vocês agora, meus amigos, que apesar de enfrentar as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho”. Pausa. A seguir, Mahalia Jackson, cantora gospel de poderosa voz de contrato, gritou: “Conte a eles sobre seu sonho!”. O reverendo pegou o “gancho” de Mahalia, abandonou o texto escrito e prosseguiu livre, improvisando com emoção: “É um sonho arraigado profundamente no sonho americano. Eu tenho um sonho de que um dia esta nação vai se levantar e viver o real significado de sua crença: que todos os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho de que um dia, sobre as colinas vermelhas da Georgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos donos de escravos poderão sentar-se à mesa como irmãos. Eu tenho um sonho de que até o estado de Mississippi, sufocado pelo calor da injustiça, pelo calor da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho de que minhas quatro crianças um dia viverão em uma nação onde eles serão julgados não pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tive um sonho hoje. Eu tive um sonho de que um dia, lá no Alabama, com seus racistas corruptos, com um governador de cujos lábios escorrem palavras de intervenção e negação; um dia, logo ali no Alabama, meninas e meninos negros poderão juntar-se as mãos com meninas e meninos brancos, como irmãs e irmãos. Eu tive um sonho hoje!”

Em 1964, por sua luta pelos direitos humanos e pela igualdade racial, King recebeu o Prêmio Nobel da Paz – justíssima homenagem, ainda que tardia.

Grande opositor da Guerra do Vietnã, King proferiu em Nova York, em 1965, outro discurso inspirado: “Além do Vietnã: a hora de quebrar o silêncio”, de que me valho para destacar um célebre trecho: “Uma verdadeira revolução de valores mostrará em breve as agruras do gritante contraste entre pobreza e riqueza. Com justa indignação, ela surgirá dos mares e revelará os capitalistas do ocidente investindo enormes somas de dinheiro na Ásia, África e América do Sul, apenas para auferir lucros, sem se preocuparem com a melhoria social desses países”. E encerra firme, após uma pausa tática: “isto não é justo!”

Em 4 de abril de 1968, em Memphis, estado de Tennessee, King foi brutalmente assassinado. Contra o autor da façanha, o atirador James Earl Ray, pesou ainda a suspeita de que teria agido em conluio ou a mando de agentes secretos, uma dúvida que persiste há 45 anos e que nunca será dirimida. Naquele dia, ao amanhecer, King foi à sacada do segundo andar do pequeno hotel onde estava hospedado, quando recebeu o disparo de um rifle no rosto, cuja bala terminou por atravessar sua coluna para se alojar no ombro. Logo depois estaria morto, mas a notícia já havia se espalhado como o fogo, provocando manifestações e protestos no país inteiro.

O reverendo negro Jesse Jackson (1941, Carolina do Sul), foi um seguidor dos passos de Luther King. Em 1983, Jackson disputou a indicação do Partido Democrata para a eleição à presidência dos EUA, final de uma luta que já vinha de alguns anos antes. Surpreendeu iniciando com um terceiro lugar no início das primárias e logo ultrapassou o segundo colocado. Mas perdeu as prévias para Walter Mondale, escolhido candidato pelo Partido Democrata, por sua vez derrotado nas urnas pelo republicano Ronald Reagan em 1981. Cheguei a ver discursos de Jackson na TV, ainda na pré-campanha. Uma emocionante chama de esperança traduzida em belas frases de efeito e um estilo professoral. Dificilmente, nos EUA, alguém tira de King e de Jackson o pódio dos oradores impecáveis e arrebatadores: o dom de fazer derramar lágrimas dos ouvintes, apontando uma réstia de luz, uma chance de que um país fundado por colonos brancos europeus poderia ser dirigido por um negro.

Em 29 de agosto de 2013, completados os 50 anos do libelo “Eu tive um sonho”, Barack Obama, primeiro presidente negro eleito nos EUA após duas tentativas anteriores de correligionários democratas, foi a estrela que reverenciou Luther King, participando de uma segunda marcha sobre Washington. Se não o fez com a emoção dos reverendos negros, falou do alto de sua formação superior em Columbia e Harvard, formado para as sustentações orais dos advogados americanos. Foi uma fala profissional. Na luta de King houve muitos avanços, sim, mas ainda há muito o que enfrentar. Na luta pela igualdade, contra o racismo atado umbilicalmente à grande maioria do povo branco americano – quanto à nossa parcialmente miscigenada sociedade brasileira, manto que oculta uma boa parte dos cidadãos “que ainda discriminam seus irmãos pela cor da pele e não pelo seu caráter interior”.