Cléo Busatto *
Dias atrás a Vânia, de Verona, pediu para eu gravar uma história para Francesca, sua filha, e para as crianças das instituições que atuam como o português como língua de herança na Itália. Estas iniciativas estão espalhadas pelo mundo e eu tenho visitado algumas delas para desenvolver ações em língua portuguesa, através dos meus livros.
Além de coordenadora de uma destas ações, Vânia é uma das tantas mães brasileiras que mora na Itália e que se encontra numa situação atípica: viver uma quarentena com filho pequeno, por conta da pandemia do Coronavírus. Enquanto escrevo este artigo, milhares de crianças de todo o mundo, inclusive as brasileiras, se encontram na mesma situação das italianinhas.
E então me pergunto: o que fazer quando a realidade se torna insustentável, quando o tédio toma conta da vida, a desesperança começa a bater na porta, os dias não passam, as ruas continuam desertas, mas não se pode descer para andar de bicicleta ou brincar?
Talvez seja a hora de ler ou ouvir um texto literário inteligente e envolvente, daqueles que propagam a esperança. Eu chamo estes textos de “história com alma”, porque eles trazem alívio e conforto e tratam de temas que são universais, como os valores humanos. Nesta categoria estão os contos de fadas, e eles foram os primeiros escolhidos para os vídeos que tenho produzido para enviar à Francesca e seus amiguinhos.
A boa literatura torna o mundo mais habitável, nos desliga das preocupações e nos coloca num outro lugar, o da ficção. Envolvida pelo espaço ficcional, a criança pode vivenciar a experiência e as emoções do personagem e esquecer as suas angústias.
E mais, a partir do encontro com o personagem e sua história, ela pode ativar seus próprios sentimentos e sair do espaço ficcional, quem sabe tocada, quem sabe modificada, ainda que não tenha essa consciência no momento da leitura ou da audição.
As boas histórias nos conectam com nossa essência, o que é de grande valia nesses tempos difíceis, e nos ajudam a manter a serenidade e o equilíbrio. Assim como o brincar, ler e contar histórias favorece a presentificação do sujeito, o que pressupõe estar inteiro na experiência literária e se encontrar a partir dela. Abrir um bom livro literário é um ganho para pais e filhos, com uma vantagem: o livro não precisa ligar na tomada.
* Escritora e mestre em teoria literária. Tem mais de 25 obras publicadas, entre as quais a finalista ao Prêmio Jabuti na categoria juvenil, “A Fofa do Terceiro Andar”.